O BISCOITO MOLHADO
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXV
HOTEL
LEBLON
É irresistível voltar a falar sobre o Leblon, especialmente
depois de reler mais uma vez "O Antigo Leblon - Uma Aldeia
Encantada", primoroso livro de Rogério Barbosa Lima que conta a história e
"causos" do bairro fascinante em que passei minha infância.
Na primeira guerra mundial, o Leblon era um grande campo
arenoso, cheio de alagadiços e brejos, coberto de pitangueiras, espinheiros,
palmeiras anãs, cactos e araçás, onde moravam uns poucos pescadores.
A instalação de um ramal de bondes na beira da praia, no
trecho que em 1918 foi batizado Avenida Delfim Moreira, conferiu ao Leblon, até
então considerado um apêndice da Gávea, o status de bairro independente. Pouco
tempo depois, na administração do Prefeito Carlos Sampaio, foram retificados os
traçados dos dois canais que ligavam a Lagoa ao mar: o canal da Visconde de
Albuquerque e o canal da Barra, hoje conhecido como Jardim de Alah. Entre eles
situou-se o Leblon, que os moradores de Ipanema tinham na conta de ilha.
A linha circular Copacabana - Ipanema - Leblon - Gávea foi
consolidada em 1938, com a construção de uma ponte sobre o canal do Jardim de
Alah, ligando a Visconde de Pirajá à Ataulfo de Paiva. Isso pôs um fim às
baldeações e à circulação de bondes pela praia.
Até o início do século, o conjunto de chácaras desmembradas
da antiga Fazenda Nacional da Lagoa ainda não se chamava Leblon. A denominação
decorreu, provavelmente, de Charles Leblon, proprietário de um grande lote no
areal, um quadrilátero delimitado pelo mar e pelas atuais ruas General Urquiza,
Visconde de Albuquerque e Dias Ferreira. Convencionou-se que esse seria o
"Campo do Leblon". Há quem atribua a denominação do bairro aos
atributos físicos do francês, e não, propriamente, ao seu sobrenome (le blond -
o louro).
Charles Leblon se ocupava da pesca de baleias. O óleo dos
cachalotes era um produto valioso, utilizado na construção civil e na
iluminação pública. Quando o Barão de Mauá implantou a iluminação à gás, o
francês perdeu o interesse no negócio. Vendeu seu terreno, então, para um
cidadão de nome Francisco Fialho.
Iniciada a urbanização do bairro, as primeiras e mais conhecidas
famílias que ali se instalaram foram os Cordeiro de Mello, os Padilha (o
Colégio Padilha ocupava o terreno onde hoje está situado o prédio em que morei
nos anos 50), os Formenti (família do pintor e cantor Gastão Formenti) e os
Araújo (Dona Maria Araújo, uma das primeiras moradoras da Rua Aristides
Espínola, vinha a ser mãe do produtor João Araújo e avó de Cazuza).
No começo da década de 20, o Hotel Leblon foi construído no
início da Avenida Niemeyer. Projeto do arquiteto Antonio Januzzi, consta que
seria erguido para abrigar visitantes da exposição do centenário, em 1922. Não deu
tempo, ele só ficou pronto em 1926. O espanhol João Otero Seoane respondia pelo
empreendimento, tendo pago 150 mil réis ao empresário Conrado Jacob Niemeyer.
Há quem considere que a ideia de João Otero era a de ali fazer funcionar um
cassino de luxo, nos moldes do Hotel Quitandinha.
É certo que durante algum tempo o Hotel Leblon funcionou
como ponto de encontro da sociedade carioca, que acorria ao local para saborear
vinhos e conservas que Otero importava da Europa. Muito cedo, no entanto, a simples
menção ao hotel passou a ser considerada ato atentatório à moral e aos bons
costumes. Foi, possivelmente, o primeiro motel da cidade. "Deixa a Lua
Sossegada", marchinha de João de Barro e Alberto Ribeiro para o carnaval
de 1935, dizia em seu refrão : "O beijo começava em Realengo / Esquentava
no Flamengo / E acabava no Leblon".
O hotel passou a ser visitado por membros do legislativo,
frequentemente acompanhados de famosas atrizes. O Presidente Washington Luís,
diziam as más línguas, e as boas também, era um grande frequentador.
Rogério Barbosa Lima relata em seu livro diversas peripécias
que envolveram o Hotel Leblon. Segundo ele, um bar situado no amplo salão do
térreo era frequentado pelo pessoal do bairro, jóqueis renomados, como Luís
Rigoni, e artistas novatos que tentavam se sobressair. O autor abre o capítulo
"Hotel Leblon e Seus Sortilégios" com a tragédia que vitimou o jóquei
Nestor Linhares. Ele era alto para a profissão e dado a conquistas amorosas.
Resolveu cortejar uma mulher que ocupava a mesa ao lado. Foi ameaçado por seu
acompanhante com um revólver. Nestor arriou as calças, mostrou a bunda para o
inimigo e mandou atirar. O sujeito não pensou duas vezes, mandou bala. O jóquei
teve a artéria femoral perfurada, morreu pouco depois ainda esguichando sangue.
Amado Benigno, médico, ex-goleiro do Flamengo, presente ao local, nada pôde
fazer por ele. Conta Rogério que no chão do bar do hotel permaneceu uma mancha
de sangue que insistentes lavagens não conseguiram remover.
Em seguida, Rogério fala de Hélio Torviso, companheiro de
bairro, que teve o acelerador de sua motocicleta preso quando, em alta
velocidade, buscava subir a Avenida Niemeyer. Bateu na parede do hotel, abaixo
de uma de suas janelas. Tamanha foi a pancada, que sua cabeça entrou no tórax,
deformando e encolhendo o seu corpo, do qual foram arrancados roupas e sapatos.
Tragédia de grandes dimensões aconteceu com um lotação que,
vindo do Vidigal, perdeu a direção na descida da Niemeyer, despencando do
barranco e caindo à beira do canal. Três passageiros foram projetados pelas
janelas, saindo ilesos. Os demais ocupantes ficaram presos no interior do
veículo, que atingiu um cabo de alta tensão e explodiu em chamas. A rapaziada
do Grêmio, envolvida num racha na praia em frente, correu para ajudar. Rogério
e seu irmão Ronaldo recorreram ao extintor de incêndio do Clube Colúmbia, na
esquina da Rita Ludolf. Não fez efeito. Morreram cerca de vinte passageiros,
vitimados por graves queimaduras. Durante um bom tempo os jornais se ocuparam
da tragédia.
Rogério Barbosa Lima completa seus relatos comentando o
sério acidente protagonizado no mesmo local pelo italiano Victorio Coppolli,
competidor do Circuito da Gávea em sua reluzente Bugatti. E fecha com o aviador
que, recentemente separado da mulher, inconformado, projetou seu avião no pátio
do hotel, diante de uma multidão de espectadores.
Ao fim do capítulo, Rogério pede desculpas aos leitores pelo
relato de tantas desditas, num livro repleto de casos divertidos e boas
lembranças. Leitor contumaz de sua obra, posso afiançar que esse saldo é
extremamente positivo.
Os bondes no início do século passado passaram pela Delfim Moreira somente no trecho vizinho ao futuro Jardim de Alá, pois até 1938 só havia a ponte que liga Ipanema ao Leblon pela praia. Ou seja, os bondes vinham pela Ataulfo de Paiva até mais ou menos a Afrânio de Melo Franco, desviavam pela praia e voltavam a pegar a Visconde de Pirajá na altura da Henrique Dumont.
ResponderExcluirSaudades do Rio tira dúvidas a respeito da circulação de bondes pe-
ResponderExcluirlo Leblon. Sou um especialista no bonde 14, que usava para cumprir o trajeto Santo Inácio - Copacabana. As alternativas: ônibus 64 e ônibus elétrico Largo do Machado - Ipanema ( repleto de meninas do Jacobina...) Confere " Saudades " ?
Exato. Eram os que eu utilizava também.
ExcluirO leitor abaixo identificado pede para transcrever seu comentário (o seu O BISCOITO MOLHADO transcreveu, mas não se responsabiliza pelo teor, tanto por corrida de submarino - que nem sabe do que se trata - quanto pelo uso do diminutivo Serginho, descabido entre homens sérios):
ResponderExcluirSerginho, embora a matéria retrate um tempo anterior, de qualquer forma tive minha fase dos 14 anos comprometida diariamente com meus carrinhos de rolimã que os levava do Edifício Iporã (já mencionado aqui em outra oportunidade) de bicicleta ao Sétimo Céu e posteriormente aos 18 anos com o DKW para assistir corrida de submarino com total segurança. Bons tempos.
Jose Augusto C. Wanderley
La Grande Vallée
"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós; deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."
ResponderExcluirAntoine de Saint-Exupéry foi o autor da frase citada.
ResponderExcluirJá usei bastante a palavra estrebuchar, não no sentido literal, mas me faz lembrar alguns adultos que insistem em afirmar que "dois e dois são cinco" e desaparecem quando as evidências provam o contrário. Uma mentira exaustivamente repetida não a transforma em verdade. Apenas transforma o autor em um mentiroso maior.
As crônicas deste Blog me informam, divertem e algumas palavras quase desaparecidas fazem recordar meus tempos ingênuos na Net.