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terça-feira, 17 de junho de 2014

2632 - calça justa, muito justa


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4882                                  Data:  05  de  junho de 2014
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181ª CONVERSA COM TAXISTAS

-Os gozadores comparam o Botafogo ao Elvis Presley, que viveu a sua glória na década de 60 e que há muito já morreu. - indignou-se o Botafoguense.
-O Botafogo é o clube que mais deu jogadores para a seleção brasileira, que já ganhou cinco copas do mundo. - salientei.
-Depois do Botafogo, vem o São Paulo. - disse ele.
-Sim, mas com jogadores que não se destacaram tanto quanto os da Estrela Solitária no escrete brasileiro. Muitos deles foram reservas ao contrário dos nossos.
-O Botafogo nada tem de Elvis Presley. - concluiu com um brado de bravura. (*)
Com a atenção no trânsito de Maria da Graça, que é traiçoeiro, o 161 ia da euforia à depressão.
-Depois que venderam a sede, isso na década de 70, o Botafogo virou um clube de Marechal Hermes, e ficamos vinte e um anos seu títulos. - lembrou.
-Soube, agora, pela internet, que os maiores clubes da Europa, como Manchester United, Barcelona, Chelsea, Real Madrid, Milan, etc, devem uma dinheirama estratosférica. Em alguns casos, a dívida supera a receita.
-E como eles conseguem comprar os nossos craques a peso de ouro? - indagou abismado.
-Porque sabem administrar a dívida. Isso aconteceu com o Brasil quando o Pedro Malan foi presidente do Banco Central e, posteriormente, ministro da Fazenda.
E arrematei com mordacidade:
-Depois que se desviaram da política dele, o Brasil se transformou no Botafogo sem a sede.
Mas o Botafoguense não deixou que o assunto saísse do terreno do futebol.
-O Botafogo vinha tão bem... comprou o Seedorf, ele correspondeu, apesar da idade. Fomos campeões carioca que hoje, é verdade, não quer dizer muita coisa. Tivemos, há pouco, um dos melhores times do Brasil, que nos levou a Libertadores da América....
A interdição do Engenhão esburacou as finanças do clube. - diagnostiquei.
-Vamos ver quando entregarem o estádio de volta.
-Mas como está demorando! - exclamei.
-Tenho passado muito por lá com meu táxi. As obras estão a todo vapor; logo, logo, o Botafogo está com seu estádio e faturando.
E, com essas palavras otimistas, deixou-me na Modigliani.

Normalmente, vejo o 070 pouco depois das 5h 30min da manhã, no ponto da Rua Van Gogh, quando desço em direção da estação do metrô de Del Castilho, mas, nesse dia, ele estava com o seu táxi na Domingo de Magalhães no horário em que retorno do trabalho.
-Você vai para a Van Gogh? - perguntou-me, quando me ajeitava no cinto de segurança, no banco do carona.
-Modigliani, perto da praça. - fiz a correção de rumo.
Magro, com erosões capilares no topo da cabeça, movimentos nervosos, e linguagem que fica longe do comedimento dos seus colegas. Teria uns 50 anos de idade.
-Olha.
Suas palavras eram desnecessárias, pois eu já olhava. Na calçada à nossa esquerda, uma moça com um saiote menor do que o das tenistas e arrochado no corpo, esperava o momento de ir para a outra calçada.
-Vamos deixá-la atravessar.
Dizendo isso, parou o seu táxi. A dona percebendo, não pensou duas vezes e fez a sua travessia lentamente, pois a roupa lhe impedia movimentos bruscos com as pernas. Encerrado o desfile, retomou o percurso, enquanto dizia.
-Até as calcinhas apareciam... Depois, a gente passa a mão, e ela acha ruim.
-Ela vai achar ruim se não for paga. - retruquei, imaginando que ele fosse um dos muitos que justificaram o estupro de mulheres que se vestem ousadamente, segundo pesquisa do IPEA.
-Bem, hoje é sexta-feira e é o dia. - comentou com malícia.
-O dia de parar de trabalhar e de cair na esbórnia.
E prossegui pensando num poema de Vinicius:
-Esse dia, tempos atrás, era sábado.
 -Sábado também, mas a fama da sacanagem maior ficou com sexta-feira.
-Sim. - concordei.
-Você fica na Van Gogh?- esqueceu o que eu lhe dissera.
-Fico na Modigliani.
-Ah, sim perto da praça.
E até lá ainda se reportou ao dia em que mais conduz casais aos motéis. O poema do Vinícius com os versos “Há um grande acréscimo de sífilis/ porque hoje é sábado” parece que ficou datado.

A Rua Domingo de Magalhães, a mais longa do caminho da estação de Del Castilho até a minha casa, fica separada da linha férrea e da favela Bandeira 2 por um muro alto que, às vezes, é escalado por alguns favelados com aptidão atlética desperdiçada.
-O incêndio que houve foi sério; vários barracos foram incinerados. - lembrei a infausta ocorrência de um ano atrás.
-Também, eles fazem gatos para roubar a luz da Light... deu naquilo, curto-circuito, e incêndio. Eles perderam, mas não tomaram jeito; continuam com aquela gataria. - manifestou-se.
Já em outra rua,  Paizão, sem sair do fio, mudou da luz para a rede telefônica.
-Roubam os cabos do telefone, e ficamos lá em casa sem podermos telefonar por uma semana.
-Você mora em Maria da Graça?
-Moro.- respondeu.
-Aconteceu também no prédio onde moro; quase uma semana sem telefone.
-Imagine só: os bandidos sobem numa escada, apoiada num poste, fazem essa bandalheira, que deve demorar, e a polícia não aparece para encanar ninguém.
-Não furtaram seis vigas de metal da Perimetral de 40 metros de comprimento e 20 toneladas?... - contrapus.
-Essa história está muito mal contada. - comentou com um sorriso de descrença.
-Não há necessidade de nenhum Sherlock Holmes para desvendar esse crime. - aduzi.
-Foram 18 as vigas retiradas, não foi isso?
-Era uma pergunta retórica, pois ele prosseguiu sem pausas.
-12 foram reaproveitadas na revitalização do porto. O que isso quer dizer? Que as vigas tinham valor, daí...
-Deixou a conclusão nas reticências.
Tomei a palavra:
-Uma manhã, cheguei à estação do metrô de Del Castilho, e nada do trem. Passavam os minutos e mais gente aparecia para embarcar. Em dado momento, quase não havia espaço na plataforma para pôr o pé.
-Eu sei que basta um trem do metrô enguiçar para formar uma multidão. - interrompeu-me.
-Nesse dia, foi ainda pior; depois de muito tempo de espera, veio a notícia: roubaram os cabos de energia do metrô, e os trens não podiam ser acionados.
-Eles devolveram o bilhete? - expressou a sua curiosidade.
-Eu só me recordo que queria sair daquele inferno.
Já estávamos na Rua Modigliani e, assim, nosso diálogo foi cortado.

(*) Há momentos em que o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO agradece ao fato de não poder postar mais no blog. Confere mais intimidade.

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