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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

2505 - filmando ne me quitte pas



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4305                                Data: 02  de novembro  de 2013
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ALMOÇO DO TRIO
PARTE I - A ENTRADA

E o nosso trio, depois do Alentejano, do Adegão Português, do Árabe, se reuniu, agora, na “Brasserie Rosário”. Nosso trio, diferentemente daqueles que são ouvidos no Rádio Memória, Irakitan, Nagô, apenas dois cantam: o Elio e o Luca. O repertório dos dois é triste, para o desespero do Dieckmann que não gosta de canções depressivas, que falam de nomes riscados do caderno, de sorrisos apenas nas fotografias, de amor que acaba sem foguete, sem luar sem violão, e por aí vai.
Quando o Luca e o Elio marcaram o encontro no citado restaurante, trocando mensagens eletrônicas como se fossem Charles Aznavour e Gilbert Bécaud, ou seja, em francês, veio-me logo à mente que não deixariam de cantar “Ne me quitte pas”, o paroxismo da carência afetiva representada em canção, que não faltaria no repertório dos dois na Brasserie. E o Dieckmann, afundado nesse vale de lágrimas franco-brasileiro, se negaria a distribuir este periódico. No entanto, “Ne me quitte pas” não foi executado; eles, aliás, nem cantaram, não houve necessidade de eu soprar o diapasão. Mas noto que me antecipo no relato desse almoço. Rebobinemos, então, a fita e iniciemos antes da primeira garfada.
Eu vinha pela esquerda e o Luca pela direita... Não! (*) Mudemos a visão da nossa chegada ao restaurante, pois o meu amigo se assume gauche até no seu endereço internético.  Eu vinha pela direita e o Luca pela esquerda, quando nos esbarramos à frente da Brasserie. Mal nos saudamos e ele apontou a parte de cima do restaurante do lado.
-Lá, Carlinhos, tem um sebão. Vi “Le Rouge et Le Noir”, do Sthendal, livros de Balzac e de Flaubert.
-Só franceses?... - já imaginei que ali fosse uma extensão da Brasserie.
Depois de responder negativamente, indagou pelo Elio.
-Horas antes, ele reafirmou nosso almoço aqui, às 12h 30min.
Entramos e o Luca pediu uma mesa para quatro; angelicamente, perguntei-lhe se viria um quarto comensal. Não, uma cadeira seria ocupada pela minha mochila, pelo envelope que trouxera e, se fosse o caso, com a pasta do Elio.
Confessávamos que era a primeira vez que lá aparecíamos, quando o garçom nos abordou com as perguntas da profissão. Bebidas? Luca pediu para provar o chope da casa, ratificando o seu desconhecimento sobre a Brasserie; o garçom, logo em seguida, enumerou as entradas.
Uma senhora da mesa ao lado, observando que nós dois éramos novatos, como aquele ministro do STF cujo nome me foge, se propôs a nos ajudar.
-O patê com pãezinhos aqui é saboroso; acredito que vocês gostem.
Confiando nela, agradecemos e voltamos a atenção para o garçom, que trazia uma pequena taça com o espumante chope.
Sem degustação, pedi um copo daquela bebida que, em seguida, seria aprovada pelo degustador.
-Muito bom. - manifestei-me logo depois do primeiro gole.
-”Stella Artois”. Eles devem servir aqui esta bebida. - deduziu.
Nossos elogios entusiasmados também ao patê com pãezinhos incentivaram a nossa guia gastronômica que, erguendo-se da cadeira para sair, ainda nos aconselhou a pedir o prato principal com antecedência, pois o restaurante não atende com pressa.
-Temos de esperar o nosso amigo Elio. - disse-me o Luca.
Para mim, que saboreava o chope e o patê com os pães fatiados, nunca um atraso me deixou tão relaxado.
-Carlinhos – disse reticentemente – enquanto sacava uma fotografia do envelope que se achava na cadeira do seu lado.
-A Candinha encontrou, finalmente, o retrato da turma de vocês.
Com ele na mão, precisei o ano e a turma: 1958, 4º ano primário. Como já estivera com esse instantâneo nas mãos meses antes, não encontrei dificuldades para localizar a minha irmã, a cunhada do Luca e a mim. Eu mostrava um sorriso de felicidade, não um sorriso de fotografia.
Agora, tirava do envelope um cardápio, que me passou às mãos, com aperitivos e acepipes escritos na língua de Cervantes.
-Isso é do restaurante mais antigo do mundo. A minha Carolina trouxe da Espanha.
Será que eles lá distribuem esses cardápios que, na realidade, são simples, aos turistas? - perguntei a mim mesmo, pois não pretendia me aprofundar nessa questão.
-E o Elio? - mostrava-se ansioso depois de olhar pela segunda vez a entrada da Brasserie.
O gesto não lhe exigia muito esforço, diferentemente de um almoço nosso, no Alentejano, quando girava o pescoço em 90 graus, após fazer a mesma indagação.
-Do escritório dele até aqui é longe. Ele está a caminho. - disse-lhe, enquanto me regalava com o serviço da Brasserie.
-Você assistiu à “Roda Viva” com o biógrafo do Roberto Carlos? 
-Não, Luca.
-Pena, pois merecia ser visto.
-Não há problemas, basta-me baixar no Youtube.
-Faça isso, Carlinhos, faça, pois você não vai se arrepender.
Falou da entrevista, mas com intervenções minhas, pois previ que o assunto seria requentado quando o Elio ocupasse a cadeira vazia ao meu lado esquerdo. E, assim, consegui me reportar as peripécias nada recomendáveis da Paula Lavigne, expostas por ela mesma às revistas masculinas. Ela que, até então, era a porta-voz dos artistas que lutam para as biografias passarem pela censura prévia antes de serem editadas.
Mudei o tema da conversa para um dos últimos programas do Rádio Memória para falar do ator recentemente falecido.
-O Simon Khouri disse, e eu ignorava, que ele não sentia o gosto das coisas, que sofria de falta de paladar. Se ele tomasse remédio, o efeito colateral era a insônia, atravessar a noite como um zumbi.
-A Glória (sua esposa) me disse que o Cláudio Cavalcanti tinha o mesmo problema.
-Luca, é dele que estou falando: Cláudio Cavalcanti.
-Mas você disse Flávio Cavalcanti.
-Eu disse?!... Cacete, troco os nomes sem perceber.
Luca esboçou um sorriso de complacência.
-Já troquei o nome do Jonas Vieira pelo do pastor e, até hoje, ele não metabolizou a minha troca.
-E aquele seu amigo que vai ao Rádio Memória.
-O Dieckmann?
-Não.
-Ah, sim, o Sérgio Fortes. Ele tem um programa de divulgação da Orquestra Sinfônica Brasileira na Rádio MEC, domingo, à uma da tarde.
-Olha o Elio. - anunciou o Luca.

(*) “Que susto!” Exclamou o Dieckmann ao ler essas linhas. “Parece que adentramos uma produção cinematográfica, onde o roteiro vai sendo esculpido enquanto os atores se movimentam, trazendo-me à memória o filme Quando Paris Alucina (Paris When it Sizzles!), onde o roteirista Richard Benson titubeava entre esquerda, direita, noite-dia, Grand Palais-Torre Eiffel, enquanto a fita rolava com um toque non-sense que a contagiou por completo (e estragou o resultado). O Distribuidor  do seu O BISCOITO MOLHADO coletou estas frases num momento de raro e puro encanto do referido cinéfilo, muito mais afeito a criticar, espezinhar e outros verbos do gênero..




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