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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

3017 - Era uma vez...



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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5266L                                Data: 22 de fevereiro de 2016

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIII

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CIRANDA, CIRANDINHA

É o sinal dos tempos. É a vida moderna e a força da tecnologia que dão cabo de tudo. Fico atento ao que acontece com as crianças, que antes viviam uma infância criativa e encantada. Procuro pelos passatempos de outrora, determinantes até a adolescência. Eram todos ágeis e saudáveis, fazendo com que a petizada se exercitasse, ao mesmo tempo em que brincava.

E, como um “proustiano”, acho uma Madeleine em cada brinquedo ou brincadeira que relembro.

Como seria bom ver as crianças de agora pulando corda, jogando bolinhas de gude, peteca, bilboquê, correndo nos carrinhos de rolimãs, brincando de caminhas de gato com pedaços de barbante e muitas outras brincadeiras que me fogem à lembrança.
Lembro também das amarelinhas e caracóis, riscados a giz no chão, fazendo as crianças saírem pulando a cada espaço desenhado. E todas cresciam com a sonoridade das músicas e letras bem construídas das cirandas.

Tudo isso foi tragado por aparelhinhos que cabem nas palmas das mãos, como IPOD, DS, TABLET, CELULARES que usam, abusam e não se lambuzam, porque manuseiam essas peças em ambiente interno, longe do sol, sentados, numa imobilidade, como se inválidos fossem.

De uma coisa eu tenho certeza: todas as brincadeiras que aqui apontei e outras tantas que me fugiram da lembrança, as harmoniosas cirandas que não enumerei e nem cantei – encontram-se muito bem guardadas pelas tradições, costumes e regionalidades, princípios básicos que vão eternizá-las no folclore brasileiro. Mas o que me causa um profundo lamento é o sumiço e o desinteresse pelos livros de história. 

Por causa disto, em um protesto instintivo, delirando, imagino e elucubro uma conversa que começa assim:
- Eu fiz magistério e casei-me com um garoto do Colégio Militar, mas o danado do garoto não sabia nem beijar... Hoje estou divorciada. E você, virou o quê?
- Eu nunca fui tarado, os críticos confundiram antropofagia com pedofilia. Hoje sou vegetariano, diplomado em psicologia e trabalho numa clínica geriátrica.

Este diálogo aconteceu no encontro fora do livro, entre Chapeuzinho Vermelho e Lobo Mau, numa noite de autógrafos, em uma livraria do Rio de Janeiro – onde os ouvintes, encantados com o que presenciavam, disseram que os dois personagens fizeram uma análise da situação atual, com tiradas e conclusões dignas, deixando para todos a impressão de serem profundos estudiosos da Sociologia moderna.

Um dos que lá estavam notou a emoção do Lobo Mau quando soube que a Vovó já havia falecido, abandonada em um asilo de instalações precárias. Discursou de forma veemente, colocando em dúvida a proposta do SUS (Sistema Único de Saúde), reconhecendo que, de fato, o governo não respeita os idosos.

Sobre as florestas, coube a Chapeuzinho Vermelho, como herdeira, denunciar as devastações que vêm ocorrendo em toda área verde. Atacou as empresas madeireiras, responsabilizando as autoridades pela omissão quanto ao reflorestamento.
Em um dado momento, puseram-se a falar sobre as outras histórias.

Soube-se que Pinóquio fez plástica no nariz, formou-se em Direito e processou Gepeto. Branca de Neve tornou-se manicure e rompeu com seis dos Anões, pois o sétimo já havia morrido. Os Três Porquinhos, durante muito tempo, serviram de garotos propaganda de um supermercado, que abriu falência, deixando os pobres suínos sumidos e mal pagos. Cinderela, essa só Deus! Iludida com a promessa de se tornar modelo e manequim, foi vista com roupas minúsculas, andando pela noite na Avenida Atlântica... Informaram que Dona Benta e sua turma foram substituídas por enlatados, com especialidade em violência.

Os que estavam presentes ao encontro aplaudiram quando Chapeuzinho Vermelho reproduziu parte do clássico diálogo, perguntando:
- Para que servem ainda essas suas orelhas, Lobo Mau?
 E o Lobo, jogando com as palavras, respondeu:
- Por causa dos grandes imbecis e dos altos decibéis, elas agora só me servem para sustentar um “Viennatone”...

E dizem ainda que muito mais eles disseram. Que lamentam ter saído das páginas encantadas dos livros infantis; ter sido trocados por outras formas de lazer, as quais atuam de maneira implacável, tirando da criança o lado lúdico da imaginação.

Os depoimentos não pararam por aí.  O que se conta que eles contaram, dá para fazer outro conto.

Mas aí, digo eu:
- Quem quiser que conte outro...

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