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sábado, 30 de dezembro de 2017

3083 - SX aberturas e fechaduras



O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5343 SX                           Data: 30 de dezembro de 2017

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV


SANTO INÁCIO


Sou uma anta no campo das ciências exatas. Fiz o Clássico, não estudei física, química ou descritiva. Costumo dizer que o meu limite tecnológico é o liquidificador Walita de três velocidades. Mas sei o suficiente para ter certeza de que os relógios, a partir de uma certa etapa de nossas vidas, passam a caminhar mais rápido.

Não posso acreditar que já faz dez anos que escrevi a página de abertura do Anuário que editamos para comemorar quarenta anos de formatura no Santo Inácio. Mas acabo de repetir a proeza, produzindo o texto que abriu nosso livro dos cinquenta anos. Prevenido que sou, e ciente da rapidez dos acontecimentos, estou escrevendo os textos que vão comemorar nossos sessenta, setenta, oitenta, noventa e cem anos de formados.
A turma de 1967, a que pertenço, inaugurou o primário do colégio, em 1956. Doze anos depois, não mais do que vinte alunos alcançaram a proeza de ter estudado no Santo Inácio do primeiro ano primário até o terceiro ano do colegial.

Não tive esse privilégio. A escolha do colégio em que eu deveria estudar colocou minha mãe e meu pai em campos opostos. A bem da verdade, até se separarem, eles sempre estiveram em campos opostos. Todos os varões da família de Paulo Fortes estudaram no Colégio São Bento. Desde Cândido Barata Ribeiro, médico que foi o primeiro prefeito do Distrito Federal. Me ver com o terninho cinza do Santo Inácio era o sonho de consumo de minha mãe, sonho que somente se concretizou em 1958, no terceiro ano primário. Um ano antes eu fizera uma prova para ingressar no colégio. Estava bem preparado. Concorreram noventa meninos, eu fiquei em sexto lugar. As vagas eram apenas quatro...

No seu intento de me tornar um jesuíta, minha mãe contou com a ajuda de Oscar Gabriel, amigo de meu pai, dono das Óticas Brasil. Oscarzinho, seu filho, era aluno do Santo Inácio. Oscar era muito amigo do Padre Barreto. Mas seu empenho não foi suficiente. Fui chamado quase ao final de 1958. Imagino que duas vagas tenham surgido ao longo do ano. Sei que minha trajetória Inaciana começou no dia 28 de outubro de 1958. Meu primeiro dia de aula, na classe de Dona Lilian. Tenso, em trajes civis, eu tentava me enturmar com um bando de meninos que ostentavam seu garboso paletó cinza. Foi quando um colega, vindo não sei de onde, irrompeu na sala anunciando : "Viva o novo Papa ! Viva João XXIII ! ". O Google confirma a data : 28 de outubro de 1958.

Adaptado, fui atraído pela tradição futebolística do Santo Inácio. Colégio de grandes craques, com destaque para os expoentes Raphael de Almeida Magalhães, Gugu e Mosquito, os dois últimos estrelas do futebol de praia do Lagoa e do Juventus, respectivamente. Fui sempre um ponto fora dessa curva. Mas participava, animadíssimo, de um esporte que chamávamos de futebol, mas se assemelhava à movimentação das tropas que invadiram a Normandia. Tudo sob o olhar atento da Diretora Dona Gilda e da Maria, sua auxiliar, encarregada da tarefa superior de abrir nossas garrafas de Coca-Cola.

De repente nos vimos homens. Tempo de Admissão, de professores engravatados e disciplina rígida. Homenzinhos frequentam bares. E desde cedo começam a beber coisas que não fazem bem. No bar do recreio vendia-se uma tal de Ginja-Cola, capaz de enfrentar desafios de uma pia entupida.

Algumas tradições ficaram pelo caminho: a missa dominical, a folga nas quartas-feiras, o uniforme de gala... Mas não faltavam novidades: as campanhas missionárias, os retiros na Fazenda Santa Bárbara, o cinema à noite no colégio...

Em seguida, quatro anos de ginásio, com uma rotina pouco alterada. Disciplina rígida, que não nos impediu de acumular "causos" que até hoje animam nossas mesas de conversas. Chegávamos, também, à época de definições importantes. Clássico ou Científico ? Enfrentar o rigor Inaciano tornava-se cada vez mais complicado. A cada ano perdíamos bons amigos, que não conseguiam acompanhar o ritmo de um colégio campeão nos vestibulares.

Em seguida vieram as festas, os primeiros namoros. As desilusões com um país que nossa geração acreditava poder melhorar. Afinal, éramos tão preparados, tão aguerridos... Uma avaliação errada que fizemos.

Noventa e três colegas compareceram ao almoço que promovemos no Clube Paissandú, comemorando os cinquenta anos de nossa formatura no Santo Inácio. Lembramos a bela solenidade que aconteceu no final de 1967, no esplêndido teatro do colégio que, lamentavelmente, não existe mais. Lembramos do auditório repleto, ocupado por nossos pais. Orgulhosos e emocionados, imbuídos de um sentimento de missão cumprida, eles dividiam com nossos avós, irmãos e amigos aquele momento inesquecível de nossas vidas.


Cinquenta anos depois acontece nossa confraternização no Paissandú. Oportunidade em que refletimos sobre a dedicação e a excelência dos nossos professores e dos padres jesuítas que nos propiciaram uma excepcional formação. Em que reafirmamos nosso orgulho de ter sido alunos do Santo Inácio, nossa certeza de que mais Inacianos à frente do pais teriam edificado algo muito melhor do que aquilo que nos é dado conhecer nos dias de hoje. E, o mais importante, em que choramos a ausência de muitos colegas queridos, que não estão mais entre nós para participar de nossa grande festa.

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