Labskaus ganhava bastante dinheiro alugando uma garçonnière na Avenida Beira-Mar. Apenas de segunda a sexta-feira e para políticos que orbitavam no Senado Federal, o apartamento ficava no quarteirão final da Beira-Mar, com porta de serviço nos fundos, pela Praça Virgílio de Melo Franco. Como esse endereço era próximo à Bolsa de Automóveis, do Aeroporto Santos Dumont e do Petit Trianon, o intenso movimento de pessoas, compradores e vendedores, proporcionava álibis culturais e automobilísticos adequados a encobrir encontros furtivos.
O edifício ficava numa zona super valorizada do Rio de Janeiro. Todos aqueles prédios tinham um zelador, ou zeladora. Todos tinham acabamentos dourados polidos, fossem nos corrimãos e maçanetas, fossem nas delicadas treliças pantográficas que fechavam os elevadores. No caso do nosso Labskaus, por doze anos tratava de tudo, chefiando três empregados, a Esmeralda, portuguesa. Um dia deixou substituta a filha Violeta, em um claro exemplo de dinastia bem sucedida e jamais posta em dúvida pelos condôminos. Em 1952, Violeta já passara dos quarenta anos, mas conservava uma silhueta que se pode chamar de atraente, resultado da ginástica frenética que a zeladoria lhe impunha.
Labskaus residiu ali durante dez anos e a morte dos pais em acidente da aviação permitiu-lhe botar a mão numa recheada herança, composta pelos bens dos pais e pelo seguro das vidas ceifadas. Mudou-se para o Morro da Viúva e concebeu um projeto de garçoniére diária para o imóvel.
Garçoniére já estava sendo, mas a custo zero e apenas para os amigos, que pegavam a chave com a zeladora. Violeta reclamava do mau uso da casa sempre que via Labskaus, mas ficava por isso mesmo. Da orfandade em diante, entretanto, o cano da pistola iria mudar de lado e o apartamento seria alugado em cada dia da semana a cinco inquilinos permanentes, que encontravam na sua vez, um canto limpo e cheiroso, preparado pela mesma diligente Violeta, promovida de zeladora a rica cafetina, encerrando por completo as queixas anteriores. Uma sociedade plural onde todos ganhavam.
Vez por outra, um fim de semana chuvoso aqui, outro ali, Labskaus encontrava conforto com a Violeta, a quem chamava, sussurrando ao pé do ouvido, de a preferida de Ferdinando, a musa da seminudez para dez entre dez leitores das páginas de quadrinhos de O GLOBO. Violeta, a gostosona de Brejo Seco, virada da Violeta zeladora, encanto balzaquiano e garantia permanente de um grande dia.
Mas quem eram os inquilinos de Labskaus?
Se a leitora acha que nomes sairão em lista pronta para questionamentos judiciais, deve parar imediatamente de ler Grande Hotel, pois romances furtivos não têm roteiro de cinema, ao contrário, florescem cada um à sua moda e no nosso caso, em cinco versões, uma para cada dia da semana. E, certamente, todos judicialmente questionáveis, até pelos padrões sociais dos anos 50.
Labskaus e Violeta tinham cinco inquilinos:
Na segunda-feira, o Segundo.
Na terça-feira, o Terceiro.
Na quarta-feira, o Quarto.
Na quinta-feira, o Quinto. E, na sexta-feira, o Senador, pois não ficaria bem chamar um senador de sexto.
E tudo corria muito bem, às mil maravilhas, a chave sempre com a zeladora, o aluguel religiosamente pago e era raro o dia em que o apartamento não tinha ocupação, exceto, claro, nos feriados, quando as obrigações familiares de cada Romeu determinavam a escolha da Julieta do cotidiano.
Quarto pediu um dia que Violeta encomendasse um almoço, a ser regiamente remunerado à zeladora. Essa tarefa extra iniciou uma aproximação entre a eficaz e atraente zeladora e o nosso Quarto, um prolixo deputado federal do Estado da Bahia, cinquentão e cheio de disposição. Logo, outro almoço e mais outro, até que Quarto fez um almoço sem convidada...
Violeta almoçou e passou a responder também pela cama do Quarto. A intimidade da conversa cresceu e levou a nossa zeladora e cafetina às tarefas de terapeuta de casal. Nem era remunerada por tal, mas Quarto não tinha a mínima preocupação de sigilo contratual e Violeta logo ficou sabendo de tudo que se passava, de normal e anormal, em pouquíssimo tempo.
Quarto casara com jovem loura pernambucana, educada Filha de Maria, que veio com armas e bagagens para Copacabana, a cereja do bolo da Capital Federal, para completo encanto da moça. Pouco afeita ao mar, atirou-se com o suporte das verbas frouxas da política ao consumismo desenfreado, um pouco de vestuário chique e um muito de Confeitaria Colombo, o que lhe trouxe felicidade e alguns quilos sabiamente distribuídos, que a tornaram Volumosa.
Em meia dúzia de sábados com Violeta, Labskaus passou a saber do que não sabia que precisava descobrir. O dia certo, o endereço, os hábitos. Caçador nato, procurou logo ver do que se tratava.
Encontrou Volumosa, a volumosa, mas não adiposa mulher, uma gelatina gelada que balança, mas não cai da colher, algo em comum com Labskaus, o que não escorrega do prato. De Colombo em Colombo, de torta em torta e de coxinha em coxinha, chegou ao contato, batendo papo no ponto certo e já que morava perto, por que não usar o próprio quarto do Quarto? Ainda mais que quarta-feira era dia de batente para o deputado; e Labskaus contou toda a história, ou quase toda.
E foram usando o quarto, a sala, a cozinha, corredores e banheiros, sim, inclusive o armário do banheiro de empregada, para os abraços do casal, se é que o nome certo é abraço. Houve, entretanto, com esse inusitado périplo pelos metros quadrados do apartamento-alcova, uma inesperada mudança, o caçador encantou-se, tornou-se ele a presa.
E apareceu no calendário uma oportunidade de um segundo encontro semanal... o Aeroporto do Galeão iria ser inaugurado na sexta-feira, primeiro de fevereiro de 1952 e o nobre representante baiano estava incluído na caravana de Getúlio Vargas... coisa de dia todo. Volumosa contou a novidade para Labskaus e os pombinhos vislumbraram a oportunidade única de terem mais um dia inteiro para aumentar a cornualha do deputado. Dava até para ir a Paquetá!
Não iriam a Paquetá, mas ao Sumaré, para se abraçarem no topo do mundo, de carro, o cupê Oldsmobile Futuramic, branco com teto preto - saia e blusa, era como se dizia - e pneus de banda branca, bem larga, quase tocando no chão. Volumosa, a pedido de Labskaus iria também de saia preta rodada e blusa branca decotada... Levariam ainda toalhas pretas e brancas para banhos ao natural, nas cascatas da simpática estradinha. Cada escorregada, um abraço, riam-se muito ao programarem a fascinante excursão.
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