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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

3153R - Wilder x Lemmon

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O BISCOITO MOLHADO


Volume 3023                     Data: 03 de Março de 2008 

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SE MEU APARTAMENTO FALASSE


Cinéfilos e arqueólogos que vez ou outra lêem o nosso periódico (culpa do nosso distribuidor, que falha na sua tarefa) descobriram o Cine Danúbio no Leme. Talvez The Apartment que, no Brasil, recebeu o ridículo nome Se Meu Apartamento Falasse, tenha sido visto no citado cinema, pois é um filme de 1960.

-Cena impressionante de Se Meu Apartamento Falasse é o das fileiras aparentemente infinitas de mesas no escritório - reminiscência da famosa cena de A turba que estabelece o anonimato e a despersonalização do indivíduo em seu ambiente. - escreveu a biógrafa Charlotte Chandler.

Ela prossegue com as pesquisas sobre tal cena, plenamente justificáveis porque não passa despercebida por ninguém, mesmo pelos que não se interessam pela arte cinematográfica.

-Um dia, a caminho do almoço, o co-roteirista  I.A.L. Diamond  me contou como o diretor de arte, Alexander Trauner, havia criado aquela ilusão de grande profundidade - uma perspectiva forçada - numa área relativamente pequena para o set do escritório de Se Meu Apartamento Falasse.

-As mesas e as cadeiras ficavam menores e menores conforme se aproximavam do fundo do ambiente. Chegaram a tamanhos tão diminutos, que Billy Wilder recorreu a crianças vestidas de adultos para se sentarem nelas.

No restaurante, os dois se encontraram com o diretor e roteirista do filme.

-”Sabe como conseguimos aquele efeito? Anões.”

Diamond não contrariava Billy Wilder, como se obedecesse a uma hierarquia militar, e cortou a comida, enquanto o diretor  prosseguia com o seu depoimento para a biógrafa:

-Alexander Trauner era excepcional. Era o mestre da perspectiva. Tínhamos oitocentas mesas e mais duzentas, só que menores. Mais para o fundo, os figurantes também eram menores. No final, as mesas eram minúsculas, e os figurantes, anões. Finalmente, havia mesas muito minúsculas. Ao fundo, dava para ver um pouco de trânsito, coisas penduradas em cordas, como marionetes. Ele criou essa ilusão. Realizar filmes, nesse contexto, se transforma em diversão de verdade. Usam-se espelhos como se fôssemos mágicos. Tiramos coelhos das cartolas.

Se Meu Apartamento Falasse é sobre grandes mentiras inofensivas e pequenas verdades perigosas. - definiram.

-A vida corporativa americana é mostrada em 1960 como um mundo masculino. As mulheres não estão presentes nos escritórios dos executivos nos andares mais altos da Consolidated Life, a não ser pelas secretárias ou ascensoristas que levam os homens às suas alturas profissionais. As mulheres, nas mesas e nas camas, tentam agradar os homens nos Estados Unidos pré-pílula. As mulheres estão envelhecendo e os homens, não. Os anos 50 foram de grande prosperidade nos Estados Unidos e, como nos anos 90, nem todos partilhavam da afluência.- assinalou Charlotte Chandler.

Na classificação por gênero, vemos Se Meu Apartamento Falasse como comédia, drama e romance. Sobre isso, disse Billy Wilder:

-Alguns dizem que é a minha melhor comédia, mas nunca me dispus a realizar uma comédia com Se Meu Apartamento Falasse. Não o considero uma comédia, mas quando dão risadas, não discuto.

-‘Lembro da criação de Se Meu Apartamento Falasse muito claramente’- recordou Wilder. ‘Vi um filme de David Lean chamado Desencanto, baseado numa peça de de Noël Coward e cujo protagonista era Trevor Howard’.

-‘Um homem casado tem um caso com uma mulher casada e usa o apartamento de um camarada para encontrá-la. Sempre tive num canto da mente que esse camarada, presente apenas em uma ou duas cenas, volta para casa e se deita na cama quente que os amantes acabaram de deixar. Imaginei que esse homem, sem a sua própria amante, poderia ser muito interessante.’

Depois de Quanto Mais Quente Melhor, Billy Wilder pretendeu fazer outro filme com Jack Lemmon e, juntamente com Iz Diamond, deu início ao desenvolvimento desse personagem de Desencanto, dono do apartamento de encontros, e ao de toda a história em si.

Escreveu Charlotte Chandler:

-Em Se Meu Apartamento Falasse, Billy Wilder usou o seu triângulo preferido, porém com mais ousadia. Tudo tem a ver com amor. Bud Baxter (Jack Lemmon) ama a bela ascensorista Fran Kubelik (Shirley MacLaine). Ela, por sua vez, ama Jeff Sheldrake (Fred Mac Murray). E Jeff  Sheldrake ama Jeff Sheldrake

Segundo Billy Wilder, o amor de  Jeff Sheldrake por si próprio pode ser o mais duradouro do triângulo.

Eis o que ele disse:

-“O filme tem também um pouco de tristeza, contudo alguns críticos o chamaram de conto de fadas imoral. Se as pessoas prestarem atenção aos diálogos, ficarão sabendo como Jack Lemmom, uma pessoa decente, se envolve nessas coisas. Ele não ofereceu a sua chave e disse: ‘Aqui está, para quem quiser transar no meu apartamento’. De jeito nenhum.”  

-“O primeiro sujeito aparece e diz: ‘Minha mulher e eu temos ingressos para assistir a My Fair Lady, e precisamos nos trocar, mas moramos em Long Island. Podemos usar o seu apartamento?’ Depois, vem outro sujeito, e a cama está um pouco desfeita, certo? É como uma bola de neve que ele não consegue deter. Ele é basicamente um cara decente, mas creio que, a cada vez, um pouco de corrupção toma conta.”

A feitura do filme, como de depreende mais acima, começou com Jack Lemmon.

-“Jack é um dos meus melhores amigos.” - disse Billy Wilder- “e nós nos unimos e falamos sobre coisas. Então, essas coisas acontecem. Escrever é evidentemente mais confortável quando se sabe para quem se escreve.”

E prossegue com mais objetividade:

-“O Sr. Lemmon chegava ao estúdio às oito e quinze da manhã, mesmo que começássemos a filmar às nove. Havia poucos que chegavam cedo. Ele vinha até a minha sala e dizia: ‘Olha, tenho uma ótima idéia. Por que não fazemos assim?’ Ele falava um pouco, eu olhava para ele de um jeito esquisito, e ele dizia: ‘Eu também não gostei.' Então, ele saía, e eu não precisava ficar até o meio-dia ouvindo-o falar sem conseguir filmar nada.”

Quando se iniciaram as filmagens de Se Meu Apartamento Falasse, Shirley Mac Laine expressou o quanto se sentia feliz e honrada em trabalhar com ele, Billy Wilder. Com o rosto e a voz enigmática, ele respondeu:

-“Preciso lhe dizer, Sra MacLaine, que sou um homem muito bem casado.

Até hoje, Shirley MacLaine não sabe se foi brincadeira ou se Billy Wilder falou mesmo sério.




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