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quinta-feira, 7 de novembro de 2024

3161 - As mais antigas profissões do mundo


O BISCOITO MOLHADO


Volume 2085                    Data: 31 de maio de 2004

 



HISTÓRIAS PARA SEREM CONTADAS


Confundi filho com pai e escrevi que o Sérgio Fortes estudou no Colégio São Bento, e quem na verdade lá estudou foi o barítono Paulo Fortes. Para o Dieckmann, que não nos alertou para o erro, não faz muita diferença a troca de escolas, pois as alunas do Instituto de Educação, atraídas pelos alunos do Colégio Militar, preferiam futuros militares a futuros padres. Sérgio Fortes foi do Santo Inácio, onde pertenciam à mesma turma o matemático Oswald de Sousa e o prefeito, também íntimo dos números, César Maia.  Para o público, Oswald de Sousa era o entendido na quantidade de acertadores da loteria esportiva, quanto ao César Maia, já possuía um talento bem mais diversificado: criador de factóides, varredor da Marquês de Sapucaí, maluco, tocador de obras, Pigmalião que tem como Galatéia o Luís Paulo Conde, e não uma vendedora de flores. 

O atual prefeito, porém, conhecia os números e, segundo a reportagem de um co-irmão de O Biscoito Molhado,  precisamente O Globo, disputava com Oswald de Sousa o título de melhor aluno de matemática da turma. Eram mestres, principalmente, em análises combinatórias, resolvendo com os pés nas costas aqueles problemas apresentados nos livros do Ary Quintela e do Jairo Bezerra. Nessa parte da disciplina, Oswald de Sousa se destacava nas combinações, e César Maia nos arranjos – o que explica o seu destino na política.

Contudo, o mais afamado NERD, CDF, ou o nome que for, da história do Colégio Santo Inácio, não foi o Sérgio Fortes, o César Maia ou o Oswald de Sousa, e sim o Mário Henrique Simonsen; também por causa da intimidade com os números. Depois que ele chegava do almoço, a sua secretária tinha ordens categóricas de não deixar ninguém sequer respirar perto da porta do chefe; pois Simonsen, com lápis e papel na mão, relaxava os nervos resolvendo intrincados problemas de matemática.  Depois, passou para o jogo de xadrez, mas mestre também em análise combinatória, sabia que depois de poucas mexidas nas peças, abria-se um leque de opções de jogadas que passava do milhão, o que lhe exigiria muito tempo, e ele ainda tinha de se dedicar ao tabuleiro da economia, onde qualquer jogada ou movimentação das peças provocava uma corrida dos jornalistas à procura do seu parecer técnico.

Mário Henrique Simonsen dedicou-se, então, com mais fervor à música. Nós víamos, então, o ex-ministro da Economia do governo Geisel e do Planejamento no início do governo Figueiredo, também nas páginas dedicadas à cultura, na revista Veja, redigindo requintadas críticas a discos de óperas e a orquestras como as regidas por Hebert Von Karajan, e a presidir até Concurso Internacional de Canto com nomes conceituados. Nada mais lógico para um amante dos números, pois a música é a forma mais adiantada da matemática. Pitágoras já reduzira o acorde musical a uma proporção matemática, chegando, dessa maneira, à idéia que os números são o princípio, a fonte a raiz de todas as coisas. Como diria o Dieckmann, expoente em Latim, no Colégio Militar, na época em que vigia a Lei Gustavo Capanema, pois retiraram o Latim do currículo escolar em 1962: “Numeri regunt mundi” (Os números regem o mundo).

Na biografia do Paulo Fortes, Rogério Barbosa Lima cita na “Nota do Autor” o pensamento de um outro filósofo, Leibniz: “A música é uma álgebra sentida”. E, logo depois, reporta-se `a justificativa do poeta e teatrólogo inglês, W.H. Auden,  para as incongruências dos enredos das óperas: “As pessoas não cantam quando não se sentem sensatas”. 

Ainda com as vistas voltadas para a biografia do grande barítono brasileiro, não posso deixar de assinalar que os leitores não fruíram no Capítulo III, “Crônicas dos Bastidores”, de uma história que nos foi narrada pelo Sérgio Forte no seu célebre (por ser o único, talvez) correio eletrônico.  

As ordens que a secretária do ex-ministro recebia do seu chefe de que não estava para ninguém não eram motivadas apenas para resolução de problemas de matemática; Simonsen, barítono que era, recebia Paulo Fortes no seu escritório, e ai de quem os interrompesse no meio da cantoria. Verdi, que compusera um inusitado dueto entre baixos na ópera Don Carlos, com notas tão graves que chegam a ser abissais, não podia deixar os barítonos sem um grande dueto e, assim, na sua última ópera, Falstaff, criou um admirável. Conta Sérgio Fortes que o seu pai personificava o Falstaff, e o senhor Ford, marido que se julgava traído por uma das mais alegres comadres de Windsor, era o Mário Henrique Simonsen. Certa vez, segundo o filho de Falstaff, isto é, do Paulo Fortes, saíra um pacote de medidas econômicas do governo e os repórteres correram para o escritório do ex-ministro para colher a sua opinião. A porta estava trancada e a secretária, como um soldado montando guarda, não permitia que ninguém incomodasse o seu chefe. A hora de as redações dos jornais fecharem se aproximava e nada de o homem aparecer com as suas opiniões abalizadas. Mas para o alívio dos jornalistas e da pressionada secretária, Mário Henrique Simonsen se contentou com o dueto, não arrematando com a puxada ária do Senhor Ford, “É sonho ou realidade”, que se segue. E, assim, as portas se abriram, para entrar a imprensa, e sair a arte, personificada na pessoa do Paulo Fortes. Apesar da frase de W.H. Auden,  se eles permanecessem cantando seria mais sensato.

Muitas outras histórias saborosas como essas devem existir, mas o capítulo “Crônicas dos Bastidores” não é encorpado, e o Sérgio Fortes, num estilo meio João Ubaldo Ribeiro, confessou as suas implicâncias com os aparelhos de alta tecnologia, e, por isso, só nos enviou um e-mail. Infelizmente...







sexta-feira, 1 de novembro de 2024

3160 - Rádio memória

O BISCOITO MOLHADO


Volume 3701                    Data: 29 de novembro de 2013

 



A BANDA PASSA NO RÁDIO MEMÓRIA



-E o dia de hoje, Sérgio?

-Travestido de Homem-Calendário, ele foi em frente. Citou o nascimento de dois grandes compositores, Albinoni e Schumann, mas antes aludiu ao dia 8 de junho de 1887, quando foi patenteado um invento por Herman Hollerith, que tem tudo a ver com o salário dos nossos avós.

Ao citar o nascimento, em 1913,  do grande goleiro Roberto Gomes Pedrosa, descobrimos que o Homem-Calendário, não só é tricolor como mordaz comentarista dos feitos botafoguenses.

-Ele foi tricampeão pelo Botafogo em 1934. Jonas, o Botafogo ganhou tricampeonato?

-Caro Homem-Calendário, o Botafogo foi o único tricampeão do pré-profissionalismo no futebol carioca; lá vão os anos: 1932, 1933, 1934 e 1935.

Como o Jonas Vieira se acumpliciou a ele na gozação, Sérgio disse que recorreria ao Fernando Borer para dissipar essa dúvida. Caso o médico pesquisador do Rádio Memória seja botafoguense, escalará o escrete que vestiu a camisa da estrela solitária na época:

-Pedrosa, Octacílio e Nariz; Affonso, Martim e Canalli; Álvaro, Leônidas da Silva, Carvalho Leite, Russinho e Patesko.

E o Dieckmann ainda diz que o Botafogo é como o Elvis Presley: brilhou na década de 60 e, agora, está morto.

Do futebol para a religião, embora os mais orelhudos confundam as duas coisas. Em 8 de junho de 632, faleceu Maomé. Ao ouvir isso, levei as mãos à cabeça, temendo que os dois continuassem com o humor sarcástico e fizessem piadas, arriscando-se a serem ameaçados de mortes pelos aiatolás, como aconteceu com o escritor Salman Rushdie. Graças a Deus, ou a Alá, isso não aconteceu. Jonas Vieira afirmou, isso sim, que  o Corão tem passagens de grande riqueza poética e que Maomé, um comerciante, psicografou o livro, pois ele era um médium.

Deixou-nos a todos abismados  a informação que o dia 8 de junho  é o Dia Mundial da Saudade. Como, ora, a palavra saudade não é exclusiva da língua portuguesa?...

Quando chegaram as atrações musicais do programa, gravações de Orlando Silva e Jorge Goulart se impuseram, o que me surpreendeu. Há poucos dias, tendo como fonte o Sérgio Fortes, o Biscoito Molhado soube que participaria desse programa o maestro Antônio Henrique Seixas e toda a sua equipe foi mobilizada para cobrir esse evento. E até a “Pausa  para Meditação”, crônica do Fernando Milfond, nada.

O cronista se reportou às orações dos torcedores mais fervorosos aos santos nesta época de Copa do Mundo. Nesse mesmo domingo, aliás, João Ubaldo Ribeiro tratou do mesmo tema, escrevendo que Santo Antônio, sendo um santo português, evocado também pelos fanáticos torcedores brasileiros, ficou numa “batina justa”.

Hosana nas alturas, o maestro mais esperado do que Godot chegou!  

Ficou preso no trânsito ou em alguma passeata, deduzimos logo a razão da sua demora.

Sérgio Fortes fora incumbido, agora, de listar o currículo do convidado;  trombonista da Orquestra Sinfônica Brasileira, professor de trombone, maestro da Banda Filarmônica do Rio de Janeiro.

-Fundada em 2010.

O maestro foi mais preciso do que o Sérgio Fortes: maio de 2010. Reuniram-se músicos de alto nível, e surgiu a banda.

Instigado pelo titular do programa a anunciar a próxima atração musical, o maestro não decepcionou; seria o dobrado “Jubileu”, de Anacleto de Medeiros. Antes de ouvirmos o primeiro sopro dos instrumentos, ele verbalizou uma pequena introdução.  Tratava-se de uma composição, de 1896, que festejava os 50 anos da fundação do Corpo de Bombeiros; e assinalou que a banda do Corpo de Bombeiros regida por Anacleto de Medeiros gravou alguns dos primeiros  discos, no Brasil, na Casa Edison.

Ouvido o “Jubileu”, de Anacleto de Medeiros, filho de uma escrava liberta, Jonas Vieira escandiu bem as sílabas:

-Sen-sa-ci-o-nal. 

-Convidado meu. - disse o Sérgio com o orgulho de quem acertou no olho da mosca (metáfora de um amigo dele que tomamos emprestada).

-Eu, que gosto de bandas... - vibrava ainda o Jonas Vieira.

-O Antonio Henrique comentou que o Anacleto é o Phillip Sousa brasileiro. - revelou o Sérgio Fortes.

-Não deve nada a ele.- foi taxativo o Jonas Vieira.

Como Carlos Átila do Dieckmann, ou seja, porta-voz, Sérgio interveio :

-Dieckmann, que era para vir aqui e não veio (estava de ressaca, suspeitamos no Biscoito Molhado), pediu para falar com o maestro se era verdade que a maior ambição do John Phillip Sousa era compor valsas, mas que era péssimo, então lhe disseram: “isso aí dá uma boa marcha”, e ele resolveu a vida dele.

A versão do nosso amigo nórdico tornou o ambiente ainda mais descontraído. 

Jonas Vieira assinalou que John Philip Sousa era americano de pais portugueses, e fez alusão ao filme , de 1952, cujo título “Stars And Stripes Forever”, foi o seu maior sucesso.

O maestro falou, então, de discos seus de obras menos famosas do compositor americano, alguns deles musicais.

-Ele compôs até música para balé. 

-Para balé?!... - reagiu o Sérgio Fortes Abismado à informação do Jonas Vieira.

E veio a pergunta que não queria calar do titular do programa:

-E agora, maestro?

-Agora, um outro estilo, um maxixe, também chamado de tango brasileiro. 

E anunciou “Os Boêmios”, de Anacleto de Medeiros.  

Do primeiro ao último sopro da banda, todos se extasiaram, principalmente o Jonas Vieira que, no meio do encantamento, deu vazão a sua curiosidade:

-Você está envolvido com a banda desde o começo?

-Eu sou um dos fundadores.

-Quantos músicos?

-Sessenta.

-Maravilha! Isso no Brasil é um acontecimento. As orquestras no Brasil praticamente acabaram.

Com essas palavras do Jonas Vieira, fui conduzido à minha fase infanto-juvenil, quando, na companhia do meu pai, escutava a “Lira do Xotopó”, da Rádio Nacional. Alimentei, também a esperança de ouvir nesse programa a banda do meu colégio, Visconde de Cairu, que eu considerava o máximo.

-As bandas, os grupos de sopro, estão, hoje, restritas às formações militares; as da Marinha, Aeronáutica e Exército. As bandas civis estão em extinção.- constatou o maestro a triste realidade.

-Antigamente, as bandas estavam nas ruas.

Tinha razão o Jonas Vieira, até mesmo o Chico Buarque viu uma passar quando estava à toa na vida.

E foi lembrado o Élton Medeiros, também trombonista que, em Copacabana, ouvindo o Rádio Memória, ficaria melhor das mazelas que o incomodam.

-Já que falaram no Élton Medeiros, ele veio da banda. 

E prosseguiu o maestro:

-As bandas forneceram grandes talentos: Altamiro Carrilho, Paulo Moura, Severino Araújo.

E a próxima gravação foi da autoria do Severino Araújo, “Um Chorinho Delicioso”, o solo, fez questão de realçar o convidado do programa, era do clarinetista Cristiano Costa, “um dos fundadores da banda”.

-Arranjo primoroso! - concordaram todos com o Jonas Vieira após a audição.

A descontração voltou a reinar quando aludiram ao tamanho gigantesco do convidado. Coube a nós, ouvintes de rádio, imaginarmos um Gulliver em Liliput à frente de uma banda. 

Encerrado o recreio, voltamos às aulas de música:

-A agora, maestro?

-Vamos seguir agora com Hermeto Pascoal e uma das suas músicas mais famosas “Bebê”.

E que bebê, de deixar os pais orgulhosos!

O tempo urgia, e o titular do programa pediu mais banda.

-Agora, “Mas que nada”, do Jorge Ben, e o arranjo é de um japonês, Naoshiro Iwai. Vocês vão ver que ele faz uma releitura sem tirar as características da música.

E vieram, depois de soada a última nota, mais elogios à banda quwe nunca foram demais.

Antes do “demorado abraço” da dupla de apresentadores, o maestro comunicou o site da  Banda Filarmônica do Rio de Janeiro: www.bfrj.com.br.