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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4976 Data: 29 de outubro de
2014
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SABADOIDO SEM BRIGA
POLÍTICA
O Luca já havia telefonado avisando que
estava a caminho de mais uma sessão do Sabadoido.
-Ele, antes, chamava pelo Claudio no
portão, agora, telefona. - observou a Gina.
-Claudiiiiiiiiiiomiro.
-Por isso mesmo, Daniel, que ele não
chama mais, porque você o imita.
-Daniel sempre teve essa mania.- lembrou
o Claudio.
-Eu me recordo que, com uns sete anos de
idade, Daniel imitava a Maria Paula da MTV.
E me voltei para o meu sobrinho.
-Não imita mais?
-Carlão, a minha voz engrossou.
-E o Maluf? - perguntei.
-Eu não estive preso em Paris, fui
apenas fazer uma visitinha à delegacia. - pôs-se a imitá-lo.
-Mas Maluf, foi noticiado que você foi
detido por doze horas, na França, para explicar a origem de 1 milhão e meio de
dólares na sua conta no banco Crédit Agricole. - entrei no espírito da coisa.
-Quem achar um tostão meu numa conta
suspeita, pode ficar com todo o dinheiro. Aí está o Lula que não me deixa
mentir.
-Um novo telefonema do Luca, avisando
que já chegara, interrompeu a imitação ou caricatura que ele fazia do político.
Luca adentrou a antiga garagem do
fusquinha da Gina, sobraçando o costumeiro envelope com recortes de jornais e
cartas manuscritas pela Rosa.
-Vou avisando, não perco amigos por
causa de política.- foi ele anunciando com decisão.
-Luca, agora mesmo, eu estava falando
bem do Maluf, se você falasse mal, nós íamos brigar.- pilheriou o Daniel.
-Você tem razão, Luca. Como dizia Nélson
Rodrigues: “Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a
única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem.” -
manifestei-me.
-Luca, há muitas eleições que eu anulo o
voto, mas tudo me leva a não fazer isso nesta eleição agora. - disse o Claudio.
Claudio e Luca são dois polemistas,
discutem desde os velhos tempos da rua Chaves Pinheiro.- temi pelo pior.
-A Glória (sua esposa) também anula, eu
penso que já que nos deslocamos até a cabine eleitoral, tivemos todo esse
trabalho, devemos votar em alguém.
-Mas não em certos políticos. - rebateu
meu irmão as palavras do Luca.
-O Daniel entrou na pesquisa do IBOPE. -
coloquei o meu sobrinho na conversa para que o clima permanecesse descontraído.
-Daniel, você é a única pessoa que eu
conheço que foi consultado por esses institutos de pesquisa. - frisou o Luca.
-Daniel entrou na relação dos indecisos.
- disse a Gina.
-Aquele pessoal dos Correios é tão
chato, principalmente o Leandro Porreca, um flamenguista fanático, que não
estou mais indeciso. - falou ele dessa vez seriamente.
-Você já não saiu há muito tempo dos
Correios? - perguntou o Luca.
-Continuo amigo deles pelo Facebook, e,
algumas vezes, nós nos encontramos.
-Lá, eles todos são contra o PSDB porque
pensam que, no poder, eles privatizam os Correios.
-Não pode; a função dos Correios, Gina,
é exclusividade da União, isto está na Constituição Federal. - intervim.
-Eles nem querem saber de nada. - reagiu
o Daniel com um gesto de desdém.
-Assim, o Daniel vai votar no Aécio. -
interferiu o Claudio em tom provocativo.
-Claro, é melhor do que anular o voto. -
assinalou o Luca em tom conciliador, embora soubéssemos do seu ideário político
contrário.
-E a Rosa? - tentei mudar de assunto.
-Ela vai votar no Crivella? - quis saber
a Gina, que agora é cabo eleitoral do sobrinho do bispo Macedo.
-Seria muito sacrifício para ela ir até
uma cabine eleitoral.
-Vou sair. - anunciou o Daniel.
-Falando na Rosa, ela mandou uns
recortes de jornal para o Carlinhos. - disse o Luca, voltando-se para mim com o
envelope que deixara sobre a mesa do cavalo – o peso de papel que substitui os
ausentes da sessão do Sabadoido.
-São recortes da Folha de São Paulo
sobre as óperas encenadas lá.- informou.
-Falta água em São Paulo, mas as óperas
jorram; ao contrário do Rio de janeiro, que tem água, mas não tem ópera.
-Vai ver que a ópera é incompatível com
a água. - alfinetou a Gina.
Pus-me a ler sobre os eventos
operísticos que homenageiam o sesquicentenário de Richard Strauss, enquanto o
Claudio avisava que ia trazer os copos de Capiroska e a Gina e o Luca entabulavam
um diálogo sobre os achaques que atormentam os maiores de 50 anos de idade.
Minutos depois, ela também saía.
-Carlinhos, eu não vou perder amigos por
causa de política. Você leu o artigo do Nélson Motta sobre isso? - disse-me o
Luca em tom confidencial.
-Luca, com duas frases, o Nélson
Rodrigues resumiu tudo.
Depois de repeti-las, detive-me no livro
que a Rosa me dera de presente de aniversário.
-Quem tem o Napoleão Bonaparte como
ídolo, vai balançar depois de ler a biografia da Josefina da Kate Williams.
-Eu li “Cartuxa de Parma”, indicado pela
Rosa e gostei muito, não é à toa que o Stendhal é uma das paixões dela.
-Napoleão era o ídolo do Victor Hugo,
mas ele pilhava os países derrotados, levava para a França as obras de artes,
mortos para ele representavam números estatísticos.
-Você se lembra do “Crime e Castigo”, do
Dostoievsky?
-Claro, Luca. O Raskolnikov, com a
teoria de que o assassinato de uma velha usurária não era nada, comparado com o
que fez Napoleão, grosso modo falando, colocou em prática essa teoria e se
arrependeu amargamente. Um homem para ser Napoleão não pode ter remorso.
-Mas o livro da Rosa fala mais dele?
-Não, o livro tem como protagonista a
Josefina. A Kate Williams desnuda a biografada, expõe seu lado bom e ruim, mas
o seu olhar é benevolente, criando uma empatia com o leitor.
-A Rosa escreveu, eu li numa das suas
cartas, que a vida da Josefina é um manual de sobrevivência na selva.
-Ótima definição. - aprovei.
-Já leu todo o livro.
Depois de confirmar, prossegui:
-A Josefina era da Martinica, seu pai
possuía uma fazenda com um vasto canavial. Ela, com o açúcar que consumia desde
criança, ficou com os dentes estragados. Ainda assim, na corte francesa, os
homens não resistiam o seu encanto, tanto que conquistou os dois mais
poderosos: Barras, que derrubou Robespierre e os Jacobinos, e, é claro,
Napoleão. Ela sabia ocultar as suas deficiências e potencializar as suas
qualidades de mulher.
-Naquela época, Carlinhos, havia os
leques e como as mulheres sabiam manejar um leque!
-Aqui estão as bebidas. -
interrompeu-nos o Claudio.
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