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O BISCOITO MOLHADO
Edição
4966
Data: 16 de outubro de 2014
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RÁDIO MEMÓRIA DAS CRIANÇAS AO ORLANDO SILVA
2ª PARTE
-”Ele, sempre ele.”
Nélson Rodrigues citava as palavras
acima de Victor Hugo para comparar a fixação que o poeta tinha no Napoleão
Bonaparte, com a sua, cronista esportivo, no Pelé.
Quanto ao Jonas Vieira, a sua fixação é
no Orlando Silva.
-”Ele, sempre ele. Orlando Silva...”
Um foi gênio militar, o outro, gênio do
futebol, e Orlando Silva, gênio do canto popular.
Feita essa introdução, sigamos.
Depois que o Sérgio Fortes terminou de
relacionar os fatos que marcaram o dia 12 de outubro, a voz do titular do
programa Rádio Memória ecoou solene.
-A partir de agora, vamos homenagear o
centenário do Orlando Silva, que se dará no ano que vem. A contagem regressiva
começou.
E foi adiante:
-No dia 28 deste mês, estarei no
Cariocando, com Paulo Marquez e Simon Khoury. Paulo cantando sucessos do
Orlando Silva, e Simon Khoury, falando bobagens.
É difícil manter a seriedade depois de
citar o contador de causos e também compositor de música instrumental, Simon
Khoury.
-Cariocando fica na Machado de Assis?
-Não, Sérgio, fica na Silveira Martins.
O Bar Cariocando se situa, precisamente,
na Rua Silveira Martins, 139, Catete.
-Será uma espécie de pocket show.
- recorreu o Sérgio Fortes ao estrangeirismo.
A palavra voltou para o Jonas Vieira:
-O Orlando Silva é esse cantor pelo qual
tenho veneração. Para mim, ele é o maior cantor do mundo. Eu vou dizer, no
show, porque ele é considerado o maior cantor do mundo também pelos
estrangeiros.
Agora, ele se voltou para o programa
Rádio Memória propriamente dito.
-Orlando Silva vai cantar uma das suas
melhores coisas, que foi composta por AssisValente. Isso foi em 1937, antes de
ele despontar como cantor. “Alegria”.
Entrou a gravação que, mesmo antiga, não
perde o seu frescor.
Sérgio Fortes se enlevou, além da voz do
Orlando Silva, com os músicos e o arranjo.
-É uma preciosidade. - declarou o seu
maior admirador.
-Jonas, compare … Eu estava ouvindo, nos
intervalos da TV Globo, trechos do programa “The Voice Brasil”, que é
absolutamente lastimável. E você ouve abobrinhas do tipo “Que voz! Que isso! Que
aquilo!”.
-É tudo péssimo. - resumiu tudo
taxativamente.
-É para testar a nossa capacidade. É
para saber até onde podem empurrar pelo ouvido da gente essa coisa. - disse o
Jonas Vieira.
-A competição ali é a seguinte: quem são
os piores, os cantores ou os jurados.
Depois de os dois ratificarem as suas
opiniões sobre o programa da TV Globo, Jonas Vieira se ateve à próxima atração
musical do Rádio Memória.
-Ouvimos “Alegria”, e agora, com Orlando
Silva, o seu primeiro sucesso carnavalesco. Em 1938, ele gravou da dupla
Arlindo Marques Júnior e Roberto Roberti “Abra a Janela”.
Ouvindo essa composição, imaginei o meu
irmão Claudio, arquivo-vivo de sambas enredo, citando o samba-enredo da
Portela, de 1971, “Lapa em Três Tempos”, em que Paulinho da Viola entoava um
trecho dessa música.
“Abra a janela, formosa mulher,
Cantava o poeta trovador.
Abre a janela formosa mulher.
Na velha Lapa que passou.”
Sérgio Fortes se empolgou, mais uma vez,
enquanto Jonas Vieira se deteve mais nessa marcha carnavalesca.
-O Orlando contava que percebeu o seu
primeiro sucesso de carnaval porque o bloco, na Praça da República, perto da
Casa da Moeda, saiu com “Abra a Janela”, e quando esse bloco incorporava uma
música...
-É porque ia emplacar.- adivinhou o
Sérgio Fortes.
-Ele viu o bloco cantando e disse: “Já
ganhei o carnaval”. Ele, então, começou a despontar, a ser o “Cantor das
Multidões”.
-Isso, em 1838.- interveio o Sérgio
Fortes.
-Exatamente, em 1938. Ele estourou… Veio o “Carinhoso”…
-Foi o ano daquela consagração em São Paulo, que ele, numa rádio
do Vale do Anhangabaú, parou tudo?...
Às palavras do Sérgio Fortes,
seguiram-se as do Jonas Vieira:
-Ele parou o Vale do Anhangabaú, a Praça
da República… Cantou por três noites em São Paulo para aquela multidão. Não cabia uma multidão no auditório da
emissora, ele, então, cantou da sacada. Quando retornou para cá, o grande
Oduvaldo Cozzi disse: “Está de volta à Rádio Nacional Orlando Silva, o “Cantor
das Multidões”. Daí, surgiu essa alcunha.
-Jonas, quem tinha a mania de dar
alcunhas aos artistas?
-O Cozzi, o César de Alencar, e um da
Rádio Mayrink Veiga cujo nome me escapa.
-Manoel Barcelos?...
-Isso, foi ele quem alcunhou a Carmen
Miranda de “A Pequena Notável”.
E passou a listar outros epítetos:
-Carlos Galhardo, “O Cantor Que Dispensa
Adjetivos”; Sílvio Caldas, “O Caboclinho Querido”.
E voltou-se para a próxima atração do programa:
-Agora, o meu querido e saudoso amigo,
Pedro Caetano; ele e Claudionor Cruz deram ao Orlando uma canção que foi um
imenso sucesso. Claro que tudo que ele cantava se tornava um sucesso. Essa
música é de uma tristeza fora do comum.
Antes de ela ser ouvida, Jonas Vieira
narrou um causo:
-O Pedro Caetano contava que vinha no
bonde, e havia duas normalistas. Naquele tempo, as normalistas eram muito
populares. Então, uma delas disse a outra: “Você sabia que o autor dessa música
se suicidou?... E o Pedro, muito gozador, ficou entre as duas e disse: “Ele
ressuscitou, sou eu”.
Em seguida, deixou de lado a
descontração:
-“Caprichos do Destino”. Reparem como o
Orlando Silva faz um prolongamento da voz lá em cima e emenda.
Soada a última nota da melancólica
plangente que acentuava versos de desilusão, veio a voz do Sérgio Fortes:
-Preciso me recompor.
Jonas Vieira se reportou a um pianista
italiano, um dos maiores da Europa que, por duas vezes esteve no Brasil.
-Aqui, conheceu “Caprichos do Destino”,
e se apaixonou. Tocou lá em Roma, e houve um aplauso geral. - concluiu.
-O que me chama a atenção é que o Pedro
Caetano era um cara muito alegre.
-Não só ele era alegre, Sérgio, como o
Claudionor Cruz.
Jonas Vieira se voltou para a próxima
música gravada pelo Orlando Silva.
-Agora, novamente a dupla. Essa é
genial, e de 1940: “A Felicidade Perdeu Seu Endereço”. Prestem atenção na
letra.
Sérgio Fortes mostrou que atendeu a esse
pedido.
-Os termos que se usava… a riqueza do
vocabulário... Atualmente, não existe mais isso. Alguém escreveria mordaz hoje em
dia?... A não ser no contexto em que um cachorro abocanhou alguém.
Nessa toada, Jonas Vieira aludiu à baixa
qualidade do funk, pedindo desculpas
aos funkeiros (há um programa na Roquette Pinto dedicado à música da periferia)
e se justificou:
-Eu gosto de Música, sou um melômano.
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