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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4964 Data: 12 de outubro de 2014
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190ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
O taxista era o 140,
aquele de uma mansuetude rara nos dias agitados de hoje.
-Você também vai para o
trabalho pegando o metrô em Maria da Graça?
-Não; caminho de casa até
a estação de Del Castilho. São 15 minutos de caminhada, e ainda subo uma escada
de 45 degraus; não deixa de ser um exercício aeróbico.
-Mas aquele beco entre a
igreja e a Casa dos Escoteiros é conhecido como o corredor da morte.
-Às vezes, aparecem uns
cracudos por lá, já houve um período em que eram muitos os que parasitavam por
lá.
Aqui na rampa do metrô de
Maria da Graça, ficava um monte, agora, eles são raros. Creio que alguns já
morreram. - comentou.
-Esbarrei com alguns deles
na rampa, uns me pediam esmolas, outros estavam estirados no chão em sono
profundo.
-Já houve alguma coisa
parecida?... Essa degradação dos pobres por causa de uma droga? - indagou-me.
-Dia desses, assisti a um
documentário sobre a história de Londres. Por volta do século XVIII, as classes
mais pobres derramavam goela abaixo doses industriais de gim. Vendo as gravuras
dos artistas da época, eles me lembraram os cracudos de hoje.
-E como o inglês resolveu
esse problema?... Tirou o gim de circulação?...
-Colocou os impostos na
estratosfera, só rico podia beber gim. O consumo caiu consideravelmente.
-Aqui é mais complicado
porque o fornecedor é o traficante de drogas. - comentou.
-Voltando ao “corredor da
morte”, não temo os viciados em droga quando topo com um, porque eles parecem
zumbis. Também sei que não está armado; como disse um colega seu, se um
revólver chegar às mãos de um cracudo, ele vai tratar de vendê-lo logo para
comprar a droga.
-Uma passageira me contou
que lá, no corredor da morte, inesperadamente, ela foi abraçada por um sujeito
que cochichou no ouvido dela que fingisse que era sua namorada, que não fizesse
a besteira de gritar, pois ele estava armado.
-E ela?
-Ela me disse que estava
tão apavorada que não gritaria mesmo que quisesse.
E prosseguiu:
-Ele ordenou que ela
abrisse a bolsa e, discretamente, passasse para ele celular, dinheiro, que iam
direto para o seu bolso. Encerrada a rapina, o assaltante se afastou como se
nada tivesse acontecido.
-Com toda certeza, não era
um cracudo, eles não são calculistas, não possuem esse sangue frio. -
asseverei.
-A passageira, de tão
aterrorizada, me disse que não saberia identificá-lo.
Resolvi, calculando que
daria tempo, pois o seu pé direito sobre o acelerador estava leve, contar-lhe a
minha história.
-Eu fazia, por volta das
6h da manhã do último domingo, uns exercícios na academia da 3ª idade, que
colocaram a uns 30 metros da minha casa.
-Imagino que não havia
ninguém por lá. - manifestou-se.
-Isso. Mas, de repente,
ouço uma voz atrás de mim.
-E, então, tudo bem?
Virei-me e vi um sujeito
alto, forte, com um brinquinho branco no lóbulo da orelha direita.
-Esse exercício é muito
bom para as pernas.
-Para os braços também. - mantive-me
tranquilo.
-Colocaram uns aparelhos
novos.
-Isto aqui existe há dois meses.
Colocaram onde esses aparelhos?
A minha pergunta o
confundiu, mas por alguns segundos.
-Numa dessas academias.
-Eu falava naturalmente
com ele, aguardando onde queria chegar.
-Chegar ao assalto?... Mas
assaltante não perde tanto tempo assim.
-Você podia fazer um favor
para mim?
Com essa pergunta, não
pude fingir mais e esperei, preocupado.
-Tenho de encontrar a
minha mãe em Realengo. Ir daqui até o Meier a pé é moleza, mas preciso de 3
reais para pegar o trem.
-Meu amigo, sinto muito,
mas eu nunca levo dinheiro comigo quando saio para caminhar.
-Voltou a fingir?
-Não, se eu tivesse os 3
reais, daria a ele que, depois da minha resposta, seguiu em frente sem nada dizer.
-Modigliani. - anunciou.
-Hoje é quarta-feira, tem
o futebol e, em seguida, o churrasco.
Bob Esponja só não
esfregou as mãos de contentamento porque não podia largar o volante do seu
carro.
Deixei-o intrigado com uma
pergunta:
-Churrasco de ovo?...
-Churrasco de ovo?!...
-Você não soube do
secretário da Política Econômica que, ao anunciar a inflação, sugeriu a troca
da carne pelo ovo?
-Não foi pelo tomate?....
-Pelo que ouvi do Carlos
Alberto Sardemberg e, depois li, a troca foi pelo tomate.
E prossegui:
-Parece que esse
secretário disse que o preço da carne subiu, enquanto o do tomate caiu, que se
devia, então, comer mais tomate e menos carne, mas a substituição mesmo era da
carne pelo ovo.
-Já é dureza substituir
carne pelo frango... Como tem gente incompetente neste governo!
-Mesmo que ele sugerisse
essa troca da carne pelo frango, o erro não seria menor ainda mais para um
economista.
-Eu sou contador formado.
Ignorei a informação do
Bob Esponja e segui adiante:
-Carne e frango são bens
suplementares. Se as pessoas trocam a carne de boi pela carne de frango, o
preço do frango se eleva, porque cresce a demanda. Trata-se da Lei da Oferta e
da Procura; isso se aprende nos cadernos de Introdução à Economia.
-E um camarada, com cargo
elevado no poder, comete essa asneira. - criticou o Bob Esponja.
-Na verdade, a asneira dele
ainda foi maior, pois mandou substituir a carne pelo ovo. - acrescentou.
-Tentando traduzir toda
essa lambança, parece que ele quis dizer que o ovo tem tanta proteína quanto a
carne.
-Não tem mesmo. - garantiu
o Bob Esponja.
-Eu gosto de ovo, meu pai,
que tinha uma veia humorística estufada, apelidou-me de “papa-ovos.” Mas não
vou negar que a carne tem muito mais valor nutritivo, o homem chegou vivo ate
hoje porque, desde o tempo das cavernas, comia carne. - disse-lhe.
-Não existiu uma rainha
que disse se o povo não tem pão, que comesse brioche?
-Foi a Maria Antonieta,
que acabou guilhotinada. Na verdade, a versão superou o fato nessa questão. O
filósofo Rousseau escreveu “Se não tem pão, comam brioches”, alguém pegou essa
frase, na Revolução Francesa, e colou nela.
-Fizeram com a Maria
Antonieta o que a Dilma fez com a Marina. - concluiu.
E continuou:
-O certo, amigo, é que,
cada vez mais acordo mais cedo para trabalhar para poder fazer um
dinheirinho...
-E poder comer churrasco
de carne em vez de churrasco de ovo.
-É isso aí. -disse,
enquanto me deixava na Rua Modigliani.
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