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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4973 Data: 23 de outubro de
2014
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ORLANDO SILVA PARA SEMPRE NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE IV
O retorno do Rádio Memória
se deu com o Jonas Vieira.
- Eu queria fazer uma pausa,
porque há uma discussão muito grande entre os orlandófilos sobre o Orlando da
primeira fase, que vai até 1945 e o Orlando a partir daí, quando passou pelo
problema das drogas, a carreira dele deu uma parada séria, só recomeçou nos
anos 50. A voz do Orlando, então, era mais abaritonada, antes, era voz
tenorina. O melhor Orlando era o da primeira fase, para os orlandófilos, mas
muitos achavam o melhor Orlando o da segunda fase. O próprio Orlando se
considerava melhor na segunda fase:
-Orlando é o único cantor do
mundo que só perdia para ele mesmo. – concluiu o seu biógrafo.
Ricardo Cravo Albim interveio com a sua
bagagem de enciclopedista da música popular brasileira.
-Eu tenho uma tese própria.
A primeira fase foi a melhor definitivamente. Mas ele Orlando, porque era
preciso, para sobreviver, considerava melhor a sua segunda fase. É normal, é um
pensamento absolutamente estratégico de sobrevivência.
-Então, ouvintes, eu
selecionei, dessa segunda fase, uma faixa do Freire Júnior, na voz abaritonada
do Orlando Silva. O que ele faz com os graves é uma coisa fora do comum, é
impressionante. Chama-se “Olhos Japoneses”. Vejam a interpretação do Orlando. -
manifestou-se o Jonas Vieira.
Vimos.
-Simon, os seus comentários.
Nós, ouvintes, do Rádio
Memória, somos testemunhas de que o Jonas Vieira mexeu com quem estava quieto. Simon não
perdeu a oportunidade:
-Eu gostaria de saber,
Ricardo, se você passaria a noite com o rei da Jamaica, se ele lhe oferecesse
trazer de volta o Orlando Silva?
-Sérgio Fortes não conteve a
gargalhada, enquanto o Jonas Vieira reagia com constrangimento:
-É demais...
-Que mente! - abismou-se o
Sérgio com as elucubrações do Simon.
-Com a rainha da Jamaica, eu
passaria... - entrava o Jonas Vieira, agora, no clima de descontração.
-A rainha de Sabá.
Logo depois de citar
alegremente a amante de Salomão, Sérgio Fortes se tornou sério.
-A transformação da voz do
Orlando Silva não é incomum. Tem um caso peculiaríssimo no mundo da ópera: o
tenor chileno maravilhoso, de muito talento, chamado Ramon Vinay. É um caso
único no mundo, ele cantava o “Otello”, de Verdi, tanto no papel de Iago, o
barítono, quanto no papel de Otello, o tenor. Houve uma transformação na voz
dele ao longo de dez anos. Ele cantou os dois papéis.
Depois, Sérgio Fortes se
reportou ao Carlo Bergonzi, a nosso ver, o melhor Ricardo (Gustavo III, da
Suécia) na ópera “O Baile de Máscaras”, de Verdi.
-O tenor Carlo Bergonzi,
recentemente falecido, estreou como barítono. Um belo dia, caiu um raio na
cabeça dele e falou: ”Eu sou tenor”, foi para casa e estudou durante um ano e
meio, voltou como tenor e fez uma carreira muito mais importante.
Ricardo Albim, de novo, se
manifestou:
-Sobre isso, a gravação que
o Jonas acaba de nos mostrar é uma prova exemplar da mobilidade do Orlando nos
exercícios da voz. Ele atinge a todos os níveis, passando do grave para o
tenorino. É impressionante.
-Ele faz naturalmente coisas
que alguém leva dez anos estudando e, eventualmente, não consegue fazer, não
aprende.
Eu seguida, Sérgio Fortes
aludiu ao caso de uma suposta pessoa (nascida com o dom de cantor) que diz que
vai estudar canto, e é alertado por alguém experiente a não fazer isso, que um
professor de canto louco pode estragar a sua voz.
-Eu conversava muito com o
Radamés sobre isso. Radamés dizia que Orlando cantava de primeira, Sílvio
Caldas também. Os outros tinham de ensaiar antes de gravar, Orlando Silva
chegava e …
Jonas Vieira recorreu a um
som onomatopaico com o significado de resolver ou algo parecido, ou seja, Orlando Silva chegava com a voz e resolvia.
Como eram muitos
orlandófilos prenhe de assuntos para verbalizar, Sérgio Fortes não encontrou
espaço, ou talvez não tenha se recordado, do Mário Del Monaco, e que, no seu
programa “O Clube da Ópera”, Zé Maria, seu convidado mais assíduo, falava,
inebriado, da ópera “Os Palhaços”, a que assistiu no Teatro Municipal, onde
Mario Del Monaco, depois de cantar o prólogo, no registro de barítono, passava
para o papel de tenor.
-Havia um terceiro cantor –
disse o Ricardo Cravo Albim – era uma sequência de imitação, consequência
direta do Orlando, que é o Nélson Gonçalves, que também chegava e gravava de
primeira.
-O Nélson, certa vez, numa
conversa comigo, eu lhe perguntei, por que não gravou tal música do Orlando
Silva, e ele me respondeu: “Esta só o Orlando podia gravar”. - informou o Jonas
Vieira.
-Nélson respeitava o
Orlando, sempre respeitou. - acentuou o Ricardo Cravo Albim.
Simon Khoury interveio:
-O repertório do Orlando, o
Cauby Peixoto gravaria.
Os dois orlandistas
concordaram por ser o repertório de ambos romântico.
Simon Khoury aludiu à extensão
da voz do Cauby, e Sérgio Fortes assinalou que ele também é um grande cantor.
Jonas Vieira se dirigiu a
todos:
-Vejam só: outra versão, um
bolero. Orlando cantando um bolero, versão de Valfrido Silva. Ele canta também
em espanhol; chama-se “Enigma”.
Entra a voz do homenageado
em português, em espanhol, e, diria o Dieckmann, em portunhol.
Jonas Vieira, eletrizado:
“Nenhum cantor de bolero chegou a esse nível”.
-Aliás, a gente estava
comentando aqui que pessoas mais velhas... Eu me dou ao desplante de ouvir o
Orlando Silva e me arrepiar. Isto é uma coisa quase escandalosa.
Às palavras do Ricardo Cravo
Albim se seguiram as do Jonas Vieira:
-A gente ouve tanto e
conclui que ele continua cantando cada vez melhor.
E foi adiante:
-É uma coisa fantástica!
Quando se descobre Orlando, é como descobrir Beethoven. Não é possível ser tão
genial assim!
Neste momento, nós
penetramos o pensamento do Sérgio Fortes e escutamos:
-Menos Jonas, menos.
-Mas Jonas foi além:
-Você descobre Bach... O
Orlando, na faixa popular, é justamente isso. Ele é o gênio da canção popular.
Você descobre Orlando e diz: “Não é possível!”...
-A sensação é imediata. -
disse o enciclopedista.
-O maior mistério seria
aparecer outro Orlando.
-Ah, não, Simon! Deus é quem
determina essas coisas.
Ricardo Cravo Albim
desenvolveu esse dito do Jonas Vieira:
-Há de aparecer; a gente
pode imaginar daqui a 1 ano, 100 ou 1000 anos.
Jonas se voltou para a
próxima atração musical:
-Você citou o “Begin The
Beguine”, Simon; pois o Orlando gravou a versão de Haroldo Barbosa.
-Um cracaço! - enalteceu o
Sérgio Fortes o humorista de talento multifacetado.
-O Cole Porter enviou uma
carta ao Orlando dizendo que era a melhor gravação. E só gente boa gravou
“Beguin The Beguine”.
-Centenas. - acrescentou o
Sérgio.
Entrou a música do grande
compositor.
-Diga Ricardo, ou voltou
atrás? - provocou o Jonas Vieira.
-Eu estava apenas comentando
sobre a gravação que acabamos de ouvir... aliás, todas as gravações do Orlando
merecem comentários. É o Orlando na sua melhor fase, mas a primeira parte do
“Begin The Beguine” não é brilhante. Vou
fazer um comentário polêmico: a primeira parte, tal como Orlando gravou, tal
como Cole Porter compôs, não é grandes coisas; o bom é a segunda parte.
Para fechar, uma homenagem a
Fernando Lobo, um dos maiores... Ele e Caymmi fizeram uma beleza chamada
“Saudade”, Eu adoro.
-Eu também. - concordou o
Ricardo. É uma pena que você vai acabar o programa,
Entraram, primeiramente a
melodia plangente tocada pelas cordas da orquestra,
-Saudade escutar esta música
do Caymmi e Fernando Lobo pela voz do Orlando Silva.- disse o seu biógrafo.
Em seguida, contou um causo,
já que o Simon Khoury estava acanhado:
-Você ligava para o Caymmi,
e ele atendia com a voz completamente diferente. Você deve saber disso, Simon,
já que fez uma entrevista com ele. Em seguida, Jonas Vieira imitou o alô
afeminado do Caymmi.
-Quando a pessoa se
identificava, ele dizia (agora, a voz do Jonas era de baixo-barítono) “Ah sim,
aqui é o Caymmi”.
-Isto aconteceu comigo. -
revelou o Ricardo Cravo Albim.
Depois de esqueceram por
dois minutos o “Cantor das Multidões”, chegaram às despedidas. Ricardo Cravo
Albim, como toda a torcida do Flamengo, estava convidado, para o show do dia 28
de outubro, às 19 horas, no Bar Cariocando, que abre o festejo do centenário do
grande cantor.
Mas não era ainda a despedida.
-Ricardo, eu soube que você
reza pelo Orlando todas as noites.
-Jonas, eu rezo por um
conjunto de cantores que foram meus amigos, especialmente Carlos Galhardo,
Sílvio Caldas e, claro, Orlando Silva.
- O “demorado abraço” da
dupla de apresentadores do Rádio Memória encerrou o Rádio Memória do dia 29 de
outubro de 2014.
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