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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4975 Data: 28 de outubro de
2014
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192 ª CONVERSA COM OS
TAXISTAS
-Parece que vai chover. - disse ao 017,
olhando as nuvens carregadas.
-Em São Paulo, tem chovido, mas não
onde deve.
-Você fala do Vale do Paraíba onde está
o Sistema Cantareira? - perguntei-lhe.
-Sabe por que há essa falta d' água
toda lá? Não economizam. Todo paulista rico tem piscina em casa. Regam o
jardim, lavam a calçada, o carro.
E prosseguiu o 017:
-Fui criado na Rocinha; lá, eu tinha de
me banhar em um latão de 10 litros d' água.
Se fosse toda a família banhando-se no
latão, pensei, enquanto me ocorria a autobiografia do ator Laurence Olivier,
que escreveu que seu pai imergia numa tina, depois o irmão e, por fim, ele,
quando a água do banho já estava suja.
-Na minha época, não havia xampu e
xampu é uma desgraça para desperdiçar água. Hoje, o homem é tão vaidoso quanto
a mulher e não deixa de lavar a cabeça com xampu.
-Os homens também tomam banho de
Cleópatra. - acresci minhas palavras às suas.
-Inventaram muitos cosméticos que levam
ao gasto d' água. - reclamou.
-Na minha época de ginasiano, depois
das aulas de Educação Física, que, às vezes, sujavam de terra nossos calções e
camisetas regatas, ficávamos uns 100 debaixo daqueles chuveiros interligados,
coletivos...
-Sei. - disse ele.
-O professor, então, gritava: “Um
minuto para o banho.” E nós tínhamos de nos virar para sairmos limpos nesse
tempo e conseguíamos, eu, pelo menos, sim.
-No Exército, era assim. -
observou.
-Não digo que a duração do meu banho,
agora, é de um minuto, mas, se fosse preciso, eu me limparia nesse tempo. Não
encontrariam uma sujeira atrás das minhas orelhas, como a mãe do Bolinha
encontrava.- assegurei.
-Não sei se os paulistas estão tomando
banho de um minuto; acho que nem banho tomam mais com essa falta d' água.
-Num dos condados mais ricos da
Califórnia, estão aproveitando aproveitam até água de merda por causa da seca.
-Água de merda?... - abismou-se.
-Lá, o esgoto passa por muitos
processos; uma microfiltração que tira as partículas sólidas, em seguida, uma
luz ultravioleta mata todas as impurezas, vírus e bactérias. Pronto: a água
está disponível para ser bebida.
-Prefiro morrer de sede!- bradou, deixando-me na Rua
Modigliani.
-Dessa vez, é melhor você acionar o
taxímetro porque não vou para casa e sim para a Torre NorteShopping, onde tenho
dentista. - avisei ao 081, o português assíduo dessas conversas que
reproduzimos
-E qual o caminho que você prefere que
eu faça?
-Siga reto e dobre à direita na Miranda
Vale ou Luíza Vale... Não sei, confundo os Vale.
-Luiza Vale. - afirmou com segurança.
Uma corrida combinada pelo rádio da
cooperativa lhe despertou a atenção.
-Você ouviu?
-Não.
-Uma corrida para São Paulo, mil e
duzentos reais. É um bom dinheiro.
-Você iria?
-Não. - respondeu com determinação.
-Dois mil e quatrocentos reais ida e volta.
- calculou.
Nesse momento, saiu da Domingo de
Magalhães e entrou na Luíza Vale.
-A visão era estarrecedora; viciados em
crack estirados na calçada imunda, alguns deles se confundiam com o próprio
lixo.
-São os filhos do Lula. - bradou o
português.
-O Lula é muito chegado ao Evo Morales,
que foi cocalero. As fronteiras com a Bolívia e outros países não são
devidamente vigiadas e as drogas entram no Brasil facilmente.
-Filhos do Lula. - repetiu com a sua
voz gritada, mas que não me incomodam os ouvidos.
Depois, passou a falar da Igreja
Universal do bispo Macedo.
-A polícia veio aqui e fechou toda a
igreja; fechou também a de Caxias. Havia muito, mas muitos panfletos mesmo do
bispo Crivella para os fiéis distribuírem na hora da eleição.
-É mesmo?... Eu ainda não pude ler os
jornais de hoje, só quando eu chegar em casa... - disse-lhe.
-Como eles têm muito dinheiro, eram
muitos panfletos, santinhos...
-E eles não gostam de santos. -
cortei-lhe a palavra porque a piada pedia passagem.
-Só não fecharam a Universal da
Abolição, porque lá é mais pobrezinha.
-Há que hora foi isso? - perguntei-lhe.
-Perto da boa-noite.
-Então faz sentido...
-O que faz sentido? - ficou curioso.
-Eu tenho um companheiro de ginástica
que me disse, no domingo da eleição, que viu, antes das cinco horas da manhã,
um sujeito truculento arrebentando os equipamentos de filmagem da TV
Bandeirantes.
-A igreja tem muitos seguranças.
-chegou, como eu, à conclusão que um dos seguranças, irritado, fez tal estrago.
-Votei no Pezão, porque considero
arriscado religiosos fanáticos governarem o Rio de Janeiro. Há o risco de eles
custarem a largar o poder, como acontece com o PT.
Não me ouviu por muito tempo, pois logo
se manifestou:
-O PT nunca vai sair da presidência.
Sabe por quê? Por causa da bolsa família.
Enquanto eu saltava do seu táxi diante
da Torre NorteShopping, ele repetia:
-Eles nunca vão sair da presidência.
Depois
do dentista, caminhei poucos metros até o ponto de táxi defronte a entrada do
Norteshopping e entrei naquele que ponteava a fila:
-Praça Manet.
Como a fisionomia do taxista
demonstrava desconhecimento, tentei a pronúncia mais popular:
-Praça Mané.
-Por favor, me indique o caminho.
Logo, me pedia outro favor.
-Pode colocar o cinto, por favor.
-Caramba, se há uma coisa de que não me
esqueço é de colocar o cinto de segurança; colocava até mesmo na vaga do meu
carro, quando eu dirigia.
-Este carro tem um sensor que informa
quando o cinto de segurança não está sendo usado.
-Desconhecia este dispositivo. Ele é
ótimo.
Ele já percorrera uns dez metros.
-O senhor vai virar à direita, depois à
direita de novo, como se fosse para a linha amarela.
Feito isto, disse-lhe para seguir toda
vida.
-Não existe mais aquele trecho de
paralelepípedo; já foi asfaltado.
-Lembro-me agora onde fica a praça. A
influência do bispo Macedo fez com que asfaltassem tudo por perto da igreja
dele.
-Eu caminhava muito por aqui, que é
mais plano do que o outro lado do conjunto do IAPC de Del Castilho. Este
trecho, ainda com paralelepípedo, eu evitava, ia pela calçada.
-Está vendo essas barracas que vendem
água e outras coisas? Os vendedores são os obreiros do Edir Macedo, que fica
com a maior parte do dinheiro.
E desancou o bispo até a Rua
Modigliani, onde me deixou.
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