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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4969 Data: 19 de outubro de
2014
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CARTAS DOS LEITORES
“Jovem Carlos,
Um BM falando na Rua Americana me
recordou o único dia em que andei de quatro, só consegui galgá-la me agarrando
nos tufos de apetitoso capim; não é rua adequada a bípedes.
O livro da Josefina me abriu os olhos os
olhos para o dia em que me abriu os olhos para o dia em que os dois ilhéus se
conheceram num jantar, ela, teúda e manteúda. Na estante do 86, havia
reprodução de um quadro em que o filho dela procurava o fulano pedindo a
devolução da espada do pai, apreendida pela Revolução e daí os futuros
apaixonados vieram a se conhecer.
Apreciei a festa da petizada (?!). No
século passado não havia animadores, bom mesmo era levar para casa um prato de
guloseimas. Pelos idos de 1989, estive em Anchieta, e, no ônibus, comecei a
devorar os petiscos; o trocador foi mimoseado e também o motorista, nada chegou
à minha tebaida.
Participo que o Calígula tem um irmão
batizado como Vandredi, encontrei-o na rua, tão pequeno que o julguei um rato
até que miou. Não sabia comer sozinho, levei-o à creche da Dileta e o trouxe
preparado para o chatô. O filme de Gary Cooper eu vi, era baseado num livro de
Ayn Rand, a dama era Patricia Neal, e me pareceu que o verdadeiro galã era
Raymond Massey.
Em 1951, vi o primeiro filme do Charlton
Heston, no Cine Roulien, em Todos os Santos, e gamei. Certa vez, no Merré,
houve um debate, o que nós imaginávamos como o Paraíso. Sugeri o Charlton
Heston coberto de creme e nenhuma colher. Aprazível indigestão!!!
Rosa
BM: Nossa amiga Rosa nos desvanece com mais uma missiva.
No primeiro parágrafo, Rosa Grieco se
refere à rua onde desfrutei parte da minha adolescência que, até a metade é
chata, no bom sentido, ou seja, é plana, na outra metade é quase vertical, o
que explica a sua dificuldade em escalá-la. Nesse dia em que a Rosa se agarrou
nos tufos de capim, como os náufragos numa tábua. Ela se esqueceu dos
apetrechos de alpinista.
Lembro o dia 1º de abril de 1964; meu
pai grudado no rádio para se inteirar das ocorrências da revolução que se
deflagrou, enquanto eu passava por ele rumo a uma pelada para jogar, nos
paralelepípedos da Rua Americana, com uns quinze amigos. O diabo era quando um
pé descalibrado chutava uma bola, e ela descia a parte vertical da rua,
tínhamos, então, de descê-la e, em seguida, escalá-la. Mas o que não fazíamos
por uma bola de futebol?... Éramos capazes de quaisquer sacrifícios por ela, a
nossa amada.
Rosa, logo depois, alude à biografia de
Josefina Bonaparte escrita por Kate Williams, que ela me deu de presente de
aniversário, deixando-me eternamente agradecido.
Os dois ilhéus, que se conhecem num
jantar, são Josefina, crioula, pois nasceu na Ilha Martinica, e Napoleão
Bonaparte, cuja origem é a Ilha da Córsega. Na ocasião, ela era teúda e
manteúda de Barras, o responsável pelo fim do Terror, na Revolução Francesa,
quando derrubou Robespierre, que seria guilhotinado. Paul Barras foi comandante
supremo das forças armadas de Paris e do Interior e propiciou a ascensão de um
jovem militar ambicioso, Napoleão Bonaparte.
Josefina se casou pela vez primeira com
Alexandre-François, visconde de Beauharnais, o que a fez se mudar da Martinica
para a tão sonhada Paris. Tiveram dois filhos, Eugène e Hortense, mas o
casamento desandou.
Com o poder na mão dos sanguinários
jacobinos, o marido da Josefina foi preso e a viscondessa de Beauharnais, pouco
depois, seria enviada para uma das mais terríveis prisões de Paris, “Les
Carmes”. Ele seria guilhotinado, Josefina, por outro lado, foi salva com a
queda de Robespierre por Barras, a quem viria conhecer e se tornar amante.
Rosa, na sua carta, faz menção a Eugène
Beauharnais quando ele pede àquele que estava no comando, íntimo da sua mãe, a
restituição da espada do pai, que fora guilhotinado.
No parágrafo seguinte, a nossa amiga
passa para o Biscoito Molhado que tratou de uma festa infantil. Sublinhou
petizada e não entendemos o porquê, pois, de fato, havia no salão petizes por
toda parte. Rememorou as festas infantis do século XX, que não tinham
animadores, mas era dado aos convidados, mesmo adultos, levarem doces para
casa, como se o Dia de São Cosme e Damião fosse também festejado.
Hoje, ainda se permite que os convidados
saiam com um ou outro pitéu. Nada comparado ao primeiro aniversário da sobrinha
da minha cunhada, ocorrido no Clube da Light, no Engenho Novo. Depois de
entoado o “Parabéns” e se aproximando o fim da festa, foi dado o sinal
verde para os convidados carregarem as
guloseimas que estivessem na mesa. Uma prima minha, com uma sacola de compra de
mês nos supermercados, da época da hiperinflação, fez a limpa. Pegou petiscos
suficientes para mimosear trocador, motorista e passageiros. Isso, corroborando o que a Rosa disse, se deu
no século passado, no fim dos anos 70.
Quanto à tebaida, palavra que a nossa
missivista prefere à cama, a não ser nos seus textos eróticos, os leitores de
boa memória devem se recordar que até transcrevemos, neste periódico, um soneto
de Olavo Bilac: “Na Tebaida”.
Em seguida, Rosa, gatófila juramentada,
discorre sobre os seus felinos de nomes tão peculiares. Ela se detém no
“Vendredi”, jamais o chamaria de Sexta-Feira, haja vista que leu “Robinson
Crusoé” em francês.
Lendo e relendo essa parte da sua carta,
posso dizer que esse caso guarda muita semelhança com o que aconteceu com a
minha mãe. Ela pegou um gato recém-nascido, abandonado num terreno baldio, com
os olhos ainda cerrados, e o alimentou com leite num pinga-gotas. Ele se tornou
um gatão, e foi batizado pela minha mãe com o nome “Fluminense”, fosse ela
francófila, talvez ele se chamasse “Paris Saint-Germain.”
Depois, Rosa incursiona pelo cinema,
especificamente, pelo filme “The Fountainhead” (Vontade Indômita), até chegar
ao Charlton Heston, ator que despertava seus instintos primitivos. Tudo bem, Rosa,
não é só o público masculino que tem direito a esses arroubos diante de uma
tela.
Encerramos aqui, pedindo à Rosa que
prossiga nos remetendo mais cartas à nossa redação.
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