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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4967 Data: 17 de outubro de
2014
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RÁDIO MEMÓRIA DAS CRIANÇAS AO ORLANDO
SILVA
3ª PARTE
Levados pela crônica do
Fernando Milfont, meditamos sobre a maçonaria. Jonas Vieira, logo em seguida,
fez considerações sobre ela, e Sérgio Fortes também; disse que estudou no
Colégio Santo Inácio por toda a vida (força
de expressão) e afirmou que os padres nutriam verdadeiro horror por essa
sociedade fraterna, mas, para eles, satânica.
Jonas Vieira concluiu que
era religioso, mas não tinha religião.
Não se falou que Mozart
era maçom e que influenciou Haydn a entrar na maçonaria; que o gênio de Salzburg,
além de compor uma Missa Fúnebre Maçônica, compôs a Flauta Mágica, considerada
uma ópera da enredo maçônico. Não se falou porque o horário era curto e dedicado
à música popular, particularmente ao grande cantor Orlando Silva.
Depois dos comentários que
se seguiram à Pausa para Meditação, vieram as propagandas tanto dos programas
da Rádio Roquette Pinto, quanto eleitorais.
Ufa!... Quando encontraremos
um bálsamo para os ouvidos, a voz do Orlando Silva?
O mais ferrenho dos
orlandistas, Jonas Vieira voltou, com o Sérgio; antes da música, porém, fez um
instigante introito.
-Orlando Silva foi
pioneiro em muitas coisas. Eu vou contar lá, no nosso show, no Cariocando,
entre outros assuntos, que ele é um dos pioneiros do tropicalismo com a Carmen
Miranda. Falar em Caetano Veloso… não é verdade! Nos anos 30, Lamartine Babo e
outros compositores, Noel Rosa,entre eles, faziam tropicalismo da melhor qualidade.
Orlando Silva, com a Carmen Miranda, foi
um dos seus propagadores.
E prosseguiu com a sua
tese:
-Então, ele gravou, de
Cristóvão Alencar e Frazão, uma marchinha que não é das mais conhecidas do seu
repertório, mas é genial. A interpretação do Orlando é fora de série, ele
tropicaliza tanto a música como a letra. A marchinha se chama “Pour Vous,
Madame”. O francesismo daquela época
era acentuado, tudo era francês. Os dois fizeram uma espécie de gozação com isso.
Jonas Vieira citou um
trecho da letra e foi em frente com seus comentários.
-Temos a popularização da
palavra madame, pois, até então, a mulher brasileira era chamada de senhora.
Concordamos, aqui no
Biscoito Molhado, esse tratamento se tornou muito popular com os sambistas,
marcantemente lá, na Lapa de Madame Satã . José de Alencar, no século XIX,
intitulou um dos seus romances “Senhora”, e não “Madame”, embora o Brasil,
entre muitos países, fosse fortemente influenciado pela cultura francesa no
século XIX.
Depois de ser tocada a
gravação, Sérgio Fortes se encantou com a riqueza das rimas.
-Temos umas rimas aí de
uma sagacidade… L’ argent com balangandã. Eles eram geniais, muito bons.
Jonas relembrou que o
Frazão (se evitasse o nome completo do compositor, Eratóstenes Frazão,
teria razão, mas não o evitou) era tio
do Osmar Frazão da Rádio Nacional e de
outros órgãos que lidavam com o público, como a TV Tupi.
Agora, Jonas Vieira se
fixava na interpretação do Orlando Silva em “Pour Vous, Madame”.
-A maneira de o Orlando
interpretar é única. Ele entoa diferentemente verso por verso. O fraseado muda,
a entonação também. Eu fico impressionado porque essa marchinha não fez um
grande sucesso. É de uma beleza extraordinária.
Sérgio Fortes procurou as
razões de ela não ter alcançado o merecido êxito; a marchinha é brilhante, mas
demanda percepção do ouvinte para as sacadas contidas nela por parte dos
autores e do intérprete.
-“Não é très jolie,
mas suficiente para me fazer feliz.” – evocaram mais um trecho da música que
ouvimos.
Corroborando o que os
apresentadores do Rádio Memória diziam sobre a popularização, no Brasil, de
palavras francesas; lembramo-nos, agora, da “Jolie”, uma cadela pequinês
neurastênica de uma vizinha. Havia também, nessa mesma rua, um “Chérie”,
este vira-latas; como esta palavra não foi citada na letra, não vamos mais nos
alongar nesse assunto canino.
Agora, Jonas Vieira passava para a próxima
atração. Tratava-se de uma canção que (quem sabe?) foi inspirada no poema de
Francisco Otaviano de Almeida Rosa, que viveu no século XIX, e merece ser
transcrito;
“Quem passou pela vida em
branca nuvem,
E em plácido repouso
adormeceu;
Quem não sentiu o frio da
desgraça,
Quem passou pela vida e
não sofreu;
Foi espectro de homem, não
foi homem,
Só passou pela vida, não
viveu.”
-“Quem Pela Vida Passou”. -
anunciou o titular do programa a próxima canção a ser ouvida, antes, porém, o Sérgio
Fortes se antecipou:
-O título já é brilhante;
deixa tanta coisa subtendida; tem um cunho de mistério.
Estimulado, o maior dos
orlandistas trauteou os primeiros versos.
Enfim, reinou soberana a
voz do seu ídolo.
-“Quem Pela Vida Passou”, de Frazão e
Cristóvão de Alencar- disse tão logo soou a última nota musical.
Sérgio Fortes interveio
para aludir à tetralogia sobre o CD do Simon Khoury, e que ele, graças a este
periódico, se igualou a Richard Wagner.
A seriedade retornou com o
decano dos radialistas brasileiros:
-Da fase tenorina do
Orlando Silva, veio a transição para a fase abaritonada, que se deu nos anos
43,44 e 45.
E apresentou a gravação de
“Carioca Boêmio”, de Heitor dos Prazeres.
Depois de algumas
considerações sobre o jeito de ser carioca, que consta na letra, Sérgio Fortes
atentou para o fato de Heitor dos Prazeres, além de grande compositor, ter se
destacado como pintor.
-Eu tive a infelicidade de
cobrir a morte dele no Hospital dos Servidores do Estado. Eu trabalhava no
Diário da Noite nessa época.
Sérgio Fortes espantou a
tristeza do seu parceiro referindo-se, de novo, à inserção música e pintura.
-Outro que é um desses
casos de compositores que incursionaram pela pintura foi Gastão Formenti.
-Guilherme de Brito
também. – listou o Jonas Vieira mais um.
E seguiu adiante:
-Muito bem. Dessa fase
maravilhosa do Orlando, temos uma valsa antiga se compararem com os costumes de
hoje, “Rococó”, de Sivan Castelo Neto.
Depois dos previsíveis
elogios, vieram os comentários.
-Rococó era uma expressão
que estava muito em voga.
-Exatamente. - concordou o
Sérgio.
-O arranjo é de Lyrio
Panicali e o piano, também.
E prosseguiu o Jonas
Vieira:
-Então, aí está o meu
projeto: “Orlando Silva, 100 anos, cantando cada vez melhor”. Não é meu, peguei
do Carlos Gardel, que os argentinos dizem que está cantando cada vez melhor;
ele e o Orlando Silva.
Agora, era para fechar o programa:
-Uma criação de Lauro Maia
que, infelizmente, morreu muito cedo, de tuberculose. O Orlando Silva dizia que
o Lauro Maia era o Noel Rosa cearense. Prestem atenção no que vão ouvir, “Febre
de Amor”.
Tocada esta gravação de
1943, Jonas Vieira ainda se estendeu sobre o compositor que partiu com 38 anos
de idade:
-Foi o Lauro Maia quem
apresentou o Luiz Gonzaga ao seu primo, Humberto Teixeira.
Mas o tempo urgia; as nove
badaladas do relógio estavam prestes a se impor.
-Até o Cariocando e um
demorado abraço. - disseram os dois num uníssono bem ensaiado.
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