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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4968 Data: 18 de outubro de
2014
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191ª CONVERSA
COM OS TAXISTAS
O 162 é um dos taxistas que vejo
trabalhando antes do nascer do dia, não perto do pôr do sol, estranhei, por
isso, quando foi o seu táxi o que peguei na rua Domingo de Magalhães.
-Nesta hora?...
-Hoje, houve um problema, e tive de
começar tarde.
Expressei outro estranhamento:
-Quando desço a Rua Van Gogh rumo à
estação do metrô de Del Castilho, por volta das cinco e vinte, cinco e trinta
da manhã...
-Eu sei, por várias vezes, eu vi o
senhor passando. - cortou-me.
-O que houve com o ponto de táxi? ... Há
alguns dias que não vejo um só carro de vocês lá.
-São os assaltantes; eles vêm de
motocicleta e nos atacam.
-Assaltaram quem?
-O 009.
O 009 é o Gaguinho, já o identificaram
os leitores de boa retentiva que acompanham as nossas conversas com os
taxistas.
-O seu filho?!...
-Levaram o dinheiro e o celular dele.
-E quem mais foi assaltado?
-O 028, o 134...
Nunca surgiu a necessidade de o
taxímetro do 028 rodar comigo, mas o 134 não é um taxista bissexto nestas
páginas, pois deve suar na sua profissão umas dez horas por dia.
-O Bob Esponja?!...
-O Bob também foi assaltado. -
confirmou.
Como ele se casou recentemente, já deve
ter deletado da agenda do seu celular nomes e telefones de toda a mulherada que
ele dizia ter conquistado. -passou-me pela
mente, como um relâmpago, esta hipótese impertinente.
-O cidadão acorda de madrugada para
trazer o suado dinheirinho para casa, vêm uns vagabundos e se apossam de tudo. -
indignei-me.
-Nosso ponto passou para a Rua
Itamaracá, entre o posto de gasolina e a padaria, que abre às cinco da manhã;
lá, é maior o movimento.
-Sim; e, às vezes, aparecem uns PM,
saltando de uma viatura, para lanchar; ao que parece, pouco se importando se estão
assaltando ou não nas redondezas.
-Rua Modigliani. - anunciou.
O taxista do dia subsequente foi o 101,
um jovem que não chega aos 30 anos de idade. Eu só entrei no seu veículo uma
vez e parecia que me achava num bólido da Fórmula 1. Cogitei, por isso, evitá-lo,
fingindo que aguardava o ônibus para, depois de ele partir, atravessar a rua e
chegar aos táxis, porém, no embalo em que eu vinha, só parei no meio deles e
não houve escapatória para mim.
Dessa vez, o 101 dirigiu civilizadamente;
talvez as reclamações de outros passageiros tenham abrandado a força do seu pé
direito.
Como mal o conheço e ele seja,
aparentemente, introspectivo, não puxei conversa.
Pelo seu bom comportamento, tirei a carteira da
mochila e lhe paguei com dinheiro trocado, quatro notas de dois reais; seu
rosto, por isso, se iluminou de contentamento.
Na quarta-feira, o taxista era o 017. É
um tanto irritadiço, mas o conheço há alguns anos e sei que dá para prosear com
ele.
-Eu soube que assaltaram os seus colegas
na Rua Van Gogh.
-Roubaram de motocicleta a turma que
começa mais cedo.
-Ali ficam o 070, o 151, o 115... foram
também vítimas?
-Eu não estou ainda inteirado de tudo. -
respondeu, dando mostras de que não queria se aprofundar no assunto.
-Na minha ida para a estação do metrô de
Del Castilho, passo costumeiramente por eles.
-Cuidado, porque eles assaltam as
pessoas que estão a pé.
-Sou cauteloso, já tomei as minhas
providências. Antes de sair para o trabalho, eu coloco todos os meus documentos
e cartões do Banco do Brasil e Santander numa meia, depois, eu a enfio na cueca
e dou um laço na parte em que a zorbinha cobre um dos quadris.
-Não fica volumoso?
Não sou o homem-berinjela do programa
humorístico, pensei em lhe responder, mas como ele não cultiva o bom humor,
prossegui com seriedade.
-Não fica volume algum, e, além de não
haver possibilidade de a meia cair pelo caminho, ela não me incomoda em nada.
E prossegui:
-Eu me inspirei naquele petista que foi
preso com milhares de dólares na cueca, a diferença fundamental é que eu fujo
dos ladrões e ele era um deles.
-E o que você faz com o dinheiro?... Não
esconde também?...
-Não escondo; deixo na carteira umas 4
notas de 20 reais, no máximo, para carregarem caso o azar me faça topar com
eles. O mais importante é não cair no estresse de quem tem de tirar segunda via
de documentos e suspender cartões bancários.
-Isso é verdade. - concordou.
-O único problema é que, chegando ao
trabalho, tenho de retirar a meia do esconderijo e, em seguida, sacar o que lá
está para colocá-lo um a um no lugar que ocupam na minha carteira.
-Modigliani. - anunciou.
No dia que se seguiu, a corrida foi no
táxi do Botafoguense. Notei nele uma cava depressão, como escrevia o Nélson
Rodrigues, não porque fora assaltado, pega no batente no horário vespertino, e
sim por causa de mais uma derrota do Botafogo.
-Perder de 5 a 0 para o Santos?!... Nem
no tempo do Pelé eles conseguiram esse placar. - não se conformava.
Perdeu sim, na final da Taça Brasil de
1963, poucos dias depois da vitória do alvinegro carioca por 3 a 1. Partidas
essas que estão marcadas na minha memória por causa de uma aposta entre o Seu
Dilmar (Santos) e o Tarzã (Botafogo roxo) na vila em que morei na Rua São
Gabriel, mas isso é outra história para ser contada oportunamente.
-Eu não assisto a certames esportivos
para sofrer, já foi tempo, por isso, larguei de lado programas com o Botafogo
há algum tempo.
-Eu queria ser assim, digo que não vou
ver o jogo do Botafogo, não resisto e, depois, vou dormir aborrecido. -
lamentou.
-Eu vejo meu irmão, que é vascaíno, em
casa; xinga jogadores e o técnico do seu clube o tempo todo. Já falai com ele:
“Já superamos essa fase de paixão, temos de ver o futebol como lazer”.
-É incrível os gols que o Botafogo tem tomado.
- remoeu a sua dor encruada.
-Os jogadores do nosso time não veem a
cor do dinheiro há alguns meses, eu os vejo até com admiração.
-Admiração?!... reagiu com uma mescla de
surpresa e discordância
-Admiração porque os vejo suando a
camisa.
E fui além na minha argumentação:
-No meu trabalho, na época da
hiperinflação, bastava o salário atrasar dois dias, que os meus colegas
entravam em desespero. O telefone não parava de tocar, eram os agiotas que
sabiam, melhor do que ninguém, os dias de pagamento dos funcionários públicos.
-A época da hiperinflação foi brava. -
manifestou-se.
Certa vez, o Banco do Brasil depositou o
nosso pagamento em agências erradas, e o pessoal foi à loucura atrás do seu
minguado dinheirinho.
-Foi?
Sim, foi. Não lhe contei que, na época,
o Biscoito Molhado, com a manchete, EM BUSCA DO SALÁRIO PERDIDO, se esgotou
rapidamente nas bancas, porque já nos encontrávamos na Rua Modigliani.
-Vamos torcer para o nosso Fogão ganhar
o próximo jogo. - disse-me enquanto eu saltava do seu táxi.
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