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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4234 Data: 21 de
julho de 2013
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TIN TIN NAS QUADRAS E NO SABADOIDO
Claudio me franqueou o portão e me
deixou ir adiante sozinho, pois alimentava as rolinhas. Entrei na cozinha, que
estava quase toda na penumbra e, pelo silêncio, deduzi que a Gina fora às
compras; quanto ao Daniel, seu pai já me informara que havia saído de carro
pela zona sul para apurar ainda mais seus reflexos de motorista.
Na cadeira em que meu irmão leu o
Globo, a penumbra estava mais acentuada e eu pretendia adiantar a leitura do
jornal para terminá-la em casa, onde o exemplar sempre chega tarde. Não acendi
a luz porque sempre me vem à mente, nessas horas, uma frase resmungona do meu
pai: “Não sou sócio da Light”. Como a frase poderia passar de pai para filho,
procurei alternativa e a encontrei: ler o jornal na cadeira mais próxima da porta,
pois a luz natural me deixaria ver mesmo as letras mais diminutas.
Quando o meu irmão adentrou a cozinha,
perguntou por que eu estava naquela cadeira; depois de responder, ele retrucou:
-Esta é a minha cadeira de chupar
laranja; acenda a luz e leia na outra.
Uma cadeira para ler jornal, outra para
chupar laranja, só a Light tem a ganhar com essas idiossincrasias. (*) -
pensei, mas disse outra coisa:
-Claudio, emprestei o “Diabo a Quatro”,
dos Irmãos Marx, à mamãe, e ela me devolveu, depois de vê-lo, criticando a
bobeira do filme, que ela gosta mesmo é do humor do Carlitos.
-Mamãe está muito crítica, Carlinhos;
mais um pouco e ela vira uma Barbara Heliodora.
-Há um filme do Woody Allen em que o
personagem hipocondríaco que ele vivia procura reerguer o seu ânimo no cinema
com um filme dos Irmãos Marx.
-“Hannah e Seus Irmãos. - identificou a
película.
-Pois é, Claudio, o humor do Charles
Chaplin, em muitos aspectos, ficou datado, sem falar no excesso de
sentimentalismo. É claro que o crédito dele supera largamente os seus defeitos.
Eu tenho procurado comprar, pela internet, filmes dos Irmãos Marx. Já dei uma
sorte formidável quando encontrei, numa banca de jornal do Largo da Carioca, um
DVD com alguns programas que o Groucho Marx fez na televisão.
-Mamãe anda muito crítica. - repetiu,
enquanto engolia mais um gomo da laranja que descascara meticulosamente.
-O Luca vem hoje? - perguntei.
-O Vagner é que deve faltar, novamente,
pois é aniversário da neta e ele deve estar fazendo os brigadeiros a esta
hora.- informou-me em tom de chiste.
Logo o telefone soava, sinal de que o
Luca iria aparecer logo.
-Pode estacionar aí, Luquinha. - dizia
meu irmão com um tom de voz que não era para ser levado a sério.
Eu larguei o Globo, meu irmão jogou as
cascas da fruta no recipiente de lixo e fomos recebê-lo. Luca, logo que me viu,
estendeu o braço com uma sacola. Não eram, como sempre acontece, cartas e
livros da Rosa Grieco e sim, um objeto que se assemelharia a um cogumelo não
fossem três tentáculos.
-Carlinhos, aqui está o vibrador que
você me pediu. - disse, depois de entregar uma garrafa de uma bebida, que não
identifiquei, ao meu irmão.
Enquanto eu me situava no tempo e no
espaço com o vibrador, ele me perguntou se eu estava com dor de cabeça, pois a
minha mão estava apoiada nela. E percebi a razão da pergunta: aquele vibrador
massageia os locais doloridos.
-Quanto custou, Luca?
-Você vai pagar o preço que paguei:
nada. Disse para o vendedor que o outro fora uma porcaria e o “Japa” deixou
este de graça.
Enquanto falava eu passava o vibrador
nas costas para, em seguida, entregá-lo à minha cunhada, que chegara das
compras. Ela massageou a coluna cervical e cobrou do Luca um também para ela.
-Comigo aqui, não há necessidade de
vibrador. - interveio o Claudio.
Luca passou a falar das contendas de
pingue-pongue em que participara nessa semana e nas derrotas que vem
acumulando.
-Há uma garotada de 15, 16 anos que
está jogando muito bem.
Mudei drasticamente de assunto:
-E o Elio finalmente reapareceu.
-Carlinhos, quando você enviou a minha
foto para o Elio, com o Martinho da Vila e ele não se manifestou, fiquei
preocupado.
-E ele já respondeu? - quis saber meu
irmão.
-Elio disse, Claudiomiro, que vai
enviar a minha foto com o Martinho da Vila para o Caetano Veloso, enquanto o Carlinhos
escrevia que eu traí o Chico Buarque.
-Elio tem olho de lince, enxerga o
menor erro na revisão do Biscoito Molhado.
E concluí:
-Quando escrevemos, o cérebro sai na
frente e eu pulo palavras, e mesmo na minha leitura final, às vezes não me dou
conta, já está processado na cabeça; o Elio capta isso tudo.
Claudio, que saíra, voltou com dois
copos.
-John Travolta faz propaganda dessa
bebida. - manifestei-me.
E prossegui:
-O Jonas Vieira corrigiu o Dieckmann,
no Rádio Memória, dizendo que “Pelo Telefone” é maxixe, que o samba surgiu, com
sua cadência, na década de 20.
-No Estácio, surgiu a primeira escola
de samba, “Deixa Falar”.
-Sim, Claudio, mas o samba surgiu mesmo
na Gamboa.
-É lá, na Pedra do Sal, aonde a
Carolina vai sempre. - manifestou-se o Luca.
Mas esse tema não foi mais explorado;
as manifestações que ocorreram na quarta-feira passada, no Leblon, eram
comentadas por todos, e nós, do Sabadoido, não podíamos ser exceção:
-Dar pena ver um velho chorar. -
compadeceu-se meu irmão.
-Um trabalhador que se vê roubado.
-rezinguei.
-Como era o nome da loja saqueada? -
puxou o Luca pela memória.
-Toulon. - respondemos.
E o Luca prosseguiu numa indignação
crescente:
-Os vândalos ficam à vontade, cometendo
os maiores desatinos, e não aparece um policial...
-A policia toda protegia o Sérgio Cabral.
- aparteei.
-É isso que o governador quer: bastante
vandalismo, para que a imprensa divulgue e assim as pessoas imaginarem que só
bandidos estão protestando contra ele.
-A coisa não ficou só na Delfim
Moreira, estendeu-se até a Ataulfo de Paiva...
-Sim, Claudiomiro, com eles quebrando e
tocando fogo no lixo pelo caminho.
A palavra passou para mim:
-Eu acompanhei uma parte dos
acontecimentos pelo Facebook. A filha de uma colega minha, que mora na Venâncio
Flores, escreveu: “O Leblon está punk, hoje. Vinte minutos depois,
escreveu: “Com essa barulheira toda, não se consegue dormir.”; quinze minutos
após: “Cabral, seu desgraçado.”
Com a chegada do Daniel, a conversação
ficou descontraída, e a conversa agora era a Liga Mundial de vôlei, disputada em Buenos Aires.
-Vocês viram Brasil e Rússia?
Era uma pergunta retórica, pois Luca
seguiu adiante.
-Glória e Carolina assistiam ao jogo,
quando a Carolina chamou a nossa atenção para um russo que era a cara do
Tintin. Vocês sabem quem é o Tintin, não sabem?
-Era um personagem antigo de histórias
de quadrinhos que, agora, virou filme.
-Personagem francês (na verdade,
belga). - juntei minhas palavras às do Claudio, calando-me sobre a grande
admiração que o Dieckmann (**) tem por Tintin (o repórter e viajante,
evidentemente, não o jogador).
-E não é que, pouco depois, se ouvia
pela televisão o Bernardinho gritando: “Marquem o Tintin.”
Na próxima partida entre Brasil e
Rússia, prestarei atenção no Tintin.
(*) E os
marceneiros.
(**)
perguntado, o Dieckmann esclareceu, com a tradicional fleugma: “Colocado assim,
parece que sou fã da personagem, mas, na verdade, sou fã do desenho, que é dinâmico.
O Tintin em si nada acrescenta, até prefiro o Capitão Haddock – certamente pela
lembrança alimentar dirá o famigerado redator do seu O BISCOITO MOLHADO – ou a
dupla de trapalhões, Dupont e Dupont”.
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