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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4249 Data: 11 de
agosto de 2013
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SABADOIDO NUM DIA DE PRAIA
PARTE II
-Claudio, você leu o discurso que a
Rainha Elizabeth II faria, em 1983, caso a 3ª Guerra Mundial fosse deflagrada?
Em vez da voz do meu irmão, soou a da
minha cunhada.
-Só agora que desengavetaram isso.
-Era a Guerra Fria, Carlinhos; só
terminou com o desmoronamento da União Soviética.
-Falou tudo, Claudio: a Guerra Fria que
quase todo o mundo esqueceu hoje.
-Vou dar uma saída com o carro.
A saída do Daniel não nos tirou do
assunto.
-Hoje, Claudio, fala-se daqueles que
lutaram contra a ditadura militar brasileira como vítimas, mas essa gente
falante não sabe, ou não quer, contextualizar; vivia-se, naquela época, uma
guerra entre capitalistas e comunistas, como demonstra o discurso da Rainha.
-Dilma Rousseff, José Dirceu, Franklin
Martins, José Genoíno e outros não lutavam pela liberdade e sim para trocar a
ditadura da direita pela ditadura da esquerda. - bradou meu irmão.
-E quando eles chegaram ao poder,
mostraram uma ganância digna do capitalismo selvagem. - completei.
-Os honestos pularam do barco, antes,
como o Frei Beto, o Plínio de Arruda Sampaio, o Fernando Gabeira, o Chico
Alencar...
O chamado do Vagner, vindo do portão,
interrompeu o discurso do Claudio. Ele foi atendê-lo, juntamente com a Gina e,
dez minutos depois, o Luca apareceu.
Eu peguei o jornal e sempre que passava,
rapidamente, de uma página para outra, lia sobre uma acusação diferente de propina.
O melhor a fazer era ir para a reunião do Sabadoido. Lá, quando cheguei,
falava-se de pingue-pongue e das emoções fortes provocadas pela Lei Seca, no
trânsito. Depois, que a Gina retornou para dentro de casa, Luca fez uma
pergunta reticente:
-A Maria Callas era tão boa assim?...
-Papai preferia Renata Tebaldi. -
interveio o Claudio que, por não ser “louco lírico” (expressão do Arthur da
Távola), evocou nosso pai.
-O Heribert von Karajan disse que a
Renata Tebaldi tinha a voz de anjo, mas a Maria Callas... - interrompi no meio
para alcançar um efeito maior.
-Eu li no
Nélson Motta...
-O Nélson Motta escreve uns negócios...
- criticou meu irmão.
-A Marília Pera viveu a Maria Callas no
teatro (na peça Master Class, de Terence McNally) e parece que
teve o dedo do Nélson Motta nessa encenação. -
manifestei-me.
-Ela foi casada com o Onassis?
-Não. - respondeu o Claudio
incisivamente.
-Maria Callas abandonou o marido pelo
Onassis, mas, poucos anos depois, ele a trocou pela Jacqueline Kennedy. -
acrescentei.
-Mas ela era tão boa assim?- insistiu.
-Luca, o Paulo Fortes afirmou que a
ópera se divide em aC e dC, antes da Callas e depois da Callas. E a opinião
dele é abalizada.
Luca, que conhecia o barítono de tanto
eu falar do Sérgio Fortes, deu-se por convencido. E passou a falar, agora, do
Luiz Paulo Horta.
-Que perda lamentável!... Com a visita
do Papa Francisco, a coluna que ele escrevia saía ao lado da do Frei Beto e,
todos os dias, eu lia os dois.
Claudio, que já trouxera os dois copos
de uísque, bebeu um gole, enquanto o Luca se voltava para mim.
-Gostei muito quando você encerrou o BM
dizendo que, caso não tivesse escrito antes sobre a participação do Luiz Paulo
Horta, no Rádio Memória, não seria possível fazê-lo depois da sua morte.
Na verdade, eu colocara essa nota como
epígrafe e o Dieckmann, ao distribuir esse BM, colocou-a no desfecho, que,
reconheço, foi uma ideia melhor, pois não devemos iniciar nada com tristeza.
-O Luiz Paulo Horta, tocando piano,
disse que o Chopin era Jobiniano. - comentou meu irmão sabendo que era uma
blague do musicólogo.
-Você leu isso no artigo de hoje do
Arnaldo Bloch. - identifiquei a sua fonte.
-Como se o Tom Jobim tivesses vivido
antes do Chopin. - disse o Luca.
Meu irmão passou a falar, então, das
duas esposas do compositor de “Chovendo na Roseira”.
-A primeira mulher dele, a Thereza
Hermany, ainda é uma coroa enxuta, a Ana Lontra, a segunda, era bem mais jovem
do que ele (tinha a mesma idade da sua filha Elizabeth, nascida em 1957).
-O Tom Jobim era muito bonito; a Ana
Lontra o conheceu gordo, parecendo a Luiza Erundina. - manifestou-se o Luca.
-Ele estava inchado de uísque. - frisei.
A palavra voltou para o Claudio.
-A Thereza Hermany conta que foi na
composição do Matita Perê...
-Matita Perê... - ecoou o Luca.
-Ele, no meio da enorme letra, ficou
enrolado no meio das palavras e teve de pedir ajuda, mais tarde, ao Paulo César
Pinheiro para prosseguir.
E retomou o fluxo das suas palavras:
-A Thereza Hermany conta que ele estava
cansado com a composição do Matita Perê e foi para um canto com o violão
descansar. Então, dedilhou umas notas e cantou uns versos que viu que soaram
bem, pegou um papel qualquer e anotou, pois era madrugada e disse que era para não esquecer.
Eu ouvia e pensava que “Águas de Março”,
uma das maiores composições da música popular brasileira foi acusada de plágio
pelo José Ramos Tinhorão. Mas, segundo os estudiosos jobinianos, a inspiração
veio do ponto de macumba “É pau, é pedra, é seixo miúdo, é roda baiana por cima
de tudo” e também dos primeiros alexandrinos do “Caçador de Esmeraldas”, de
Olavo Bilac: “Foi em março, ao findar da chuva, quase à entrada/ do outono,
quando a terra em sede requeimada/, bebera longamente as águias da estação
(...)
Luca voltou a falar do seu estado
físico, quando casou com a Ana Lontra e que, mesmo assim, lhe fez dois filhos.
-A filha mais nova, Maria Luiza, entrou
para a carreira musical; ela disse que ouvia o pai tocando Cole Porter...
Fui interrompido pelo Luca:
-Cole Porter, Tom Jobim, são os dois
melhores...
Meu irmão, apesar de jobiniano de
carteirinha, sorriu com o exagero do amigo.
-Há outros: Henry Mancini, Michel
Legrand, Nino Rota. Richard Rodgers...
-Irving Berlin com mais de 3 mil
músicas.- acrescentei.
-Carlinhos, o Massadas com o Michael
Sulivan compôs mais de 2 mil músicas.. .
-O Massadas que, segundo o Carlinhos
Brown, é mais compositor do que o sogro. - manifestou-se o Claudio com o ar de
gozação.
-Eu,
que ia protestar veementemente contra a comparação com Irving Berlin, acertei
em esperar que o Luca terminasse o seu raciocínio.
-Por outro lado, a qualidade vem com a
quantidade, pois quanto mais se faz, mais se aprimora,
-Balzac, em poucos anos de vida,
escreveu 88 romances e os últimos são os melhores. - mostrei minha
concordância.
Em seguida, Luca tirou um elástico que
segurava dois livros que a Rosa Grieco, gentilmente, me presenteava; um sobre
os Napoleões de hospício, uma história política da loucura e o outro, sobre a
construção do Domo de Brunelleschi, uma
das maiores obras arquitetônicas da Renascença.
Depois, o Daniel chegou da rua com a sua
alegria solar, e o Sabadoido se encerrou em clima de festa.
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