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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

2449 - a guerra fria requentada



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4249                               Data:  11 de  agosto de 2013
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SABADOIDO NUM DIA DE PRAIA
PARTE II

-Claudio, você leu o discurso que a Rainha Elizabeth II faria, em 1983, caso a 3ª Guerra Mundial fosse deflagrada?
Em vez da voz do meu irmão, soou a da minha cunhada.
-Só agora que desengavetaram isso.
-Era a Guerra Fria, Carlinhos; só terminou com o desmoronamento da União Soviética.
-Falou tudo, Claudio: a Guerra Fria que quase todo o mundo esqueceu hoje.
-Vou dar uma saída com o carro.
A saída do Daniel não nos tirou do assunto.
-Hoje, Claudio, fala-se daqueles que lutaram contra a ditadura militar brasileira como vítimas, mas essa gente falante não sabe, ou não quer, contextualizar; vivia-se, naquela época, uma guerra entre capitalistas e comunistas, como demonstra o discurso da Rainha.
-Dilma Rousseff, José Dirceu, Franklin Martins, José Genoíno e outros não lutavam pela liberdade e sim para trocar a ditadura da direita pela ditadura da esquerda. - bradou meu irmão.
-E quando eles chegaram ao poder, mostraram uma ganância digna do capitalismo selvagem. - completei.
-Os honestos pularam do barco, antes, como o Frei Beto, o Plínio de Arruda Sampaio, o Fernando Gabeira, o Chico Alencar...
O chamado do Vagner, vindo do portão, interrompeu o discurso do Claudio. Ele foi atendê-lo, juntamente com a Gina e, dez minutos depois, o Luca apareceu.
Eu peguei o jornal e sempre que passava, rapidamente, de uma página para outra, lia sobre uma acusação diferente de propina. O melhor a fazer era ir para a reunião do Sabadoido. Lá, quando cheguei, falava-se de pingue-pongue e das emoções fortes provocadas pela Lei Seca, no trânsito. Depois, que a Gina retornou para dentro de casa, Luca fez uma pergunta reticente:
-A Maria Callas era tão boa assim?...
-Papai preferia Renata Tebaldi. - interveio o Claudio que, por não ser “louco lírico” (expressão do Arthur da Távola), evocou nosso pai.
-O Heribert von Karajan disse que a Renata Tebaldi tinha a voz de anjo, mas a Maria Callas... - interrompi no meio para alcançar um efeito maior.
-Eu li no Nélson Motta...
-O Nélson Motta escreve uns negócios... - criticou meu irmão.
-A Marília Pera viveu a Maria Callas no teatro (na peça Master Class, de Terence McNally) e parece que teve o dedo do Nélson Motta nessa encenação. -  manifestei-me.
-Ela foi casada com o Onassis?
-Não. - respondeu o Claudio incisivamente.
-Maria Callas abandonou o marido pelo Onassis, mas, poucos anos depois, ele a trocou pela Jacqueline Kennedy. - acrescentei.
-Mas ela era tão boa assim?- insistiu.
-Luca, o Paulo Fortes afirmou que a ópera se divide em aC e dC, antes da Callas e depois da Callas. E a opinião dele é abalizada.
Luca, que conhecia o barítono de tanto eu falar do Sérgio Fortes, deu-se por convencido. E passou a falar, agora, do Luiz Paulo Horta.
-Que perda lamentável!... Com a visita do Papa Francisco, a coluna que ele escrevia saía ao lado da do Frei Beto e, todos os dias, eu lia os dois.
Claudio, que já trouxera os dois copos de uísque, bebeu um gole, enquanto o Luca se voltava para mim.
-Gostei muito quando você encerrou o BM dizendo que, caso não tivesse escrito antes sobre a participação do Luiz Paulo Horta, no Rádio Memória, não seria possível fazê-lo depois da sua morte.
Na verdade, eu colocara essa nota como epígrafe e o Dieckmann, ao distribuir esse BM, colocou-a no desfecho, que, reconheço, foi uma ideia melhor, pois não devemos iniciar nada com tristeza.
-O Luiz Paulo Horta, tocando piano, disse que o Chopin era Jobiniano. - comentou meu irmão sabendo que era uma blague do musicólogo.
-Você leu isso no artigo de hoje do Arnaldo Bloch. - identifiquei a sua fonte.
-Como se o Tom Jobim tivesses vivido antes do Chopin. - disse o Luca.
Meu irmão passou a falar, então, das duas esposas do compositor de “Chovendo na Roseira”.
-A primeira mulher dele, a Thereza Hermany, ainda é uma coroa enxuta, a Ana Lontra, a segunda, era bem mais jovem do que ele (tinha a mesma idade da sua filha Elizabeth, nascida em 1957). 
-O Tom Jobim era muito bonito; a Ana Lontra o conheceu gordo, parecendo a Luiza Erundina. - manifestou-se o Luca.
-Ele estava inchado de uísque. - frisei.
A palavra voltou para o Claudio.
-A Thereza Hermany conta que foi na composição do Matita Perê...
-Matita Perê... - ecoou o Luca.
-Ele, no meio da enorme letra, ficou enrolado no meio das palavras e teve de pedir ajuda, mais tarde, ao Paulo César Pinheiro para prosseguir.
E retomou o fluxo das suas palavras:
-A Thereza Hermany conta que ele estava cansado com a composição do Matita Perê e foi para um canto com o violão descansar. Então, dedilhou umas notas e cantou uns versos que viu que soaram bem, pegou um papel qualquer e anotou, pois era madrugada e  disse que era para não esquecer.
Eu ouvia e pensava que “Águas de Março”, uma das maiores composições da música popular brasileira foi acusada de plágio pelo José Ramos Tinhorão. Mas, segundo os estudiosos jobinianos, a inspiração veio do ponto de macumba “É pau, é pedra, é seixo miúdo, é roda baiana por cima de tudo” e também dos primeiros alexandrinos do “Caçador de Esmeraldas”, de Olavo Bilac: “Foi em março, ao findar da chuva, quase à entrada/ do outono, quando a terra em sede requeimada/, bebera longamente as águias da estação (...)
Luca voltou a falar do seu estado físico, quando casou com a Ana Lontra e que, mesmo assim, lhe fez dois filhos.
-A filha mais nova, Maria Luiza, entrou para a carreira musical; ela disse que ouvia o pai tocando Cole Porter...
Fui interrompido pelo Luca:
-Cole Porter, Tom Jobim, são os dois melhores...
Meu irmão, apesar de jobiniano de carteirinha, sorriu com o exagero do amigo.
-Há outros: Henry Mancini, Michel Legrand, Nino Rota. Richard Rodgers...
-Irving Berlin com mais de 3 mil músicas.- acrescentei.
-Carlinhos, o Massadas com o Michael Sulivan compôs mais de 2 mil músicas.. .
-O Massadas que, segundo o Carlinhos Brown, é mais compositor do que o sogro. - manifestou-se o Claudio com o ar de gozação.
 -Eu, que ia protestar veementemente contra a comparação com Irving Berlin, acertei em esperar que o Luca terminasse o seu raciocínio.
-Por outro lado, a qualidade vem com a quantidade, pois quanto mais se faz, mais se aprimora,
-Balzac, em poucos anos de vida, escreveu 88 romances e os últimos são os melhores. - mostrei minha concordância.
Em seguida, Luca tirou um elástico que segurava dois livros que a Rosa Grieco, gentilmente, me presenteava; um sobre os Napoleões de hospício, uma história política da loucura e o outro, sobre a construção do Domo de Brunelleschi, uma  das maiores obras arquitetônicas da Renascença.
Depois, o Daniel chegou da rua com a sua alegria solar, e o Sabadoido se encerrou em clima de festa.

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