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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4245 Data: 04 de
agosto de 2013
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SABADOIDO PORTENHO
PARTE II
-O Luca chegou. - disse a Gina, talvez
porque estivesse sugestionada pelo alvoroço que vinha do local da nossa reunião.
-Não, Gina; ele já telefonou avisando
que não virá.
Enquanto ela permanecia na cozinha, fui
para lá. Quando cheguei, Vagner e meu irmão relembravam um morador da Chaves
Pinheiro, da década de 70, que era figurante da TV Globo, o que facilitava as
suas conquistas amorosas.
-Ele ficou internado por um tempo,
depois de receber alta, suicidou-se.
-Meteu-se com alguma mulher casada e o
marido era ciumento, Vagner. - disse o Claudio.
-Foi castrado, por isso foi internado e
por isso se matou. - atalhei.
-Carlinhos, uma pessoa castrada não
morre de tanto sangue que vai perder?... - mostrou-se o Vagner cético com a
minha conclusão.
-O grande filósofo e teólogo Abelardo
se envolveu, amorosamente, com a sua discípula Heloísa. Ela era sobrinha do
tenebroso Cônego Fulbert, que, vingativo, pagou a uns malfeitores para
castrá-lo, Isso foi no século XI ou XII, não me recordo, mas o filósofo
sobreviveu.
Claudio me interrompeu:
-Quando uma artéria é atingida, como a
femoral, na coxa, a pessoa morre se não for atendida a tempo.
Voltei à minha comparação.
-Abelardo e Heloísa tiveram um filho,
antes da castração, é evidente. Eles são
sempre lembrados por aqueles que citam os grandes casais da História porque,
mesmo depois desse infortúnio e de outros, eles trocaram cartas de amor até a
morte.
Claudio não estava interessado nem na
alta nem na baixa Idade Média e aludiu ao assassinato do dono de uma padaria,
na Rua Cachambi, perpetrado por um marido enganado.
-Ele já lidava com o público, o que já
facilitava as coisas...
-Tanto para ganhar mulheres quanto para
receber tiros. - completou meu irmão as palavras do Vagner, reportando-se ao
fato que a vítima fora baleada atrás do balcão da padaria, praticamente.
-Século XI, século XXI, os crimes
passionais continuam como nas peças do Nélson Rodrigues. - comentei.
Claudio levantou-se para tomar a
direção da cozinha.
-Vagner, como você sobreviveu ao frio?
- indaguei.
-Carlinhos, foi difícil; eu dormia com
mais de um cobertor...
-Imagino que, por causa do frio, você
ficou todos esses sábados sem aparecer aqui.
-Em parte, sim.
-A maioria dos peregrinos que vieram ao
Rio, na Jornada Mundial da Juventude, julgaram que fazia sol aqui o ano todo e
se deram mal. A minha irmã teve de emprestar roupas de inverno, algumas que ela
não havia usado ainda, para as duas peregrinas italianas que ficaram na sua
casa.
-Elas vieram de bermudas?
-Vieram para o Rio de Janeiro com
roupas leves, Vagner.
-O Papa também sofreu com o frio,
Carlinhos. Ele ficou no Cosme Velho. Meu
pai foi internado no Hospital Silvestre e lá faz um frio desgraçado. O Papa
foi, também, para a Casa do Bispo...
Nesse momento, o fluxo das suas
palavras sofreu solução de continuidade.
-Onde fica mesmo a Casa do
Bispo?...puxou pela memória.
Nesse instante, a Gina apareceu e eu
dirigi a pergunta dele a ela.
-O Capão do Bispo fica ali. - apontou.
-Não, Gina, trata-se de um local
histórico.
-Mas o Capão do Bispo é histórico,
Carlinhos.
-Não é essa, é uma antiga construção
onde houve muito frio na visita do Papa. - tentei esclarecer.
-Mas houve muito frio no Capão do Bispo
durante a visita do Papa, Carlinhos. - argumentou, agora, em tom de pilhéria.
Nesse instante, o Claudio reapareceu, e
lhe fiz a pergunta:
-A Casa do Bispo fica no Rio Comprido.
- respondeu sem pestanejar.
-A casa do bispo que recebeu o Papa
fica, então, no Rio Comprido? - voltou-se o Vagner para o Claudio.
Cacete, era o Bispo Orani “Sem Testa” a
que ele se referia. - disse comigo mesmo.
-Se o Bispo mora no Rio Comprido, eu
não sei, mas que a Casa do Bispo fica lá eu garanto que sim. - bradou meu
irmão.
-Pensei que o Luca estivesse aqui. -
virou a Gina a página da dúvida sobre o local da Casa do Bispo.
-Hoje, não se vai falar da Rosa. -
disse sardonicamente o Vagner.
-Eu escrevi que ela se referia à
tebaida por causa de um soneto do Olavo Bilac, e ela respondeu que não, que a
sua referência era Flaubert. Como, se ele era francês, e tebaida é palavra
portuguesa?...
-O Luca disse para você pedir
esclarecimentos a ela sobre isso. -
lembrou meu irmão.
-Longe de mim polemizar com a Rosa, sem
saber as razões dela. Houve também uma crônica “O Funeral de César”, que ela
recortou e o Luca me deu, em que o Carlos Heitor Cony escreveu que, após do
discurso do Marco Antonio sobre a morte de César, o povo saiu pelas ruas
quebrando tudo.
-Como aqui. - acrescentou o Vagner.
-Estranhei de a Rosa não ter garatujado
as suas costumeiras correções, como ela fez, sobrepondo “egípcia” onde o Carlos
Heitor Cony escreveu grega sobre a
origem do mito da ave Fênix.
-Mas ela errou?...
-Claudio, Marco Antonio era um bruto,
mandou assassinar Cícero e pregar suas mãos na porta do Senado. Não sei até que
ponto ele foi “glamourizado” por Shakespeare, que, por ser dramaturgo, não
tinha compromisso com a história. Que eu saiba, posso estar enganado, o povo
romano não saiu quebrando tudo, Suspeito que a Rosa não fez correção alguma
porque ela é shakespeariana.
-Cuméééééééééééééérça.- foi o grito que
o Daniel soltou, de braços abertos como o Cristo Redentor, quando viu o Vagner
depois de três semanas ausente.
Aqui um parêntese: Vagner é, às vezes, chamado
pelo Luca de Cumercindo ou, de forma mais afetiva, de Cumerça. Meu sobrinho, ao
vê-lo, imitou o Luca.
-Há quanto tempo, Daniel.
-Mentira, porque eu fui à festa de
aniversário na sua casa na semana passada.
Depois de criar um clima de
descontração, rumou para o seu quarto, onde foi tocar teclado.
O diálogo foi reatado por mim.
-Eu assisti ontem, na TV a cabo, um
programa sobre a Implementação do Corredor Cultural pelo prefeito Israel
Klabin, composto pela Nelida Piñon, Rubem Fonseca, Sérgio Cabral, (o que
presta) e outros notáveis.
-Eles não só tombaram casas como
trechos de ruas. - elogiou meu irmão.
-O Sérgio Cabral pai apareceu numa
entrevista, dizendo que faz questão que coloquem no seu obituário que ele participou
dessa comissão, e conta o caso em que defendeu o “Castelinho”, que os
especuladores queriam derrubar por ser feio, bradando: “Como dizia Machado de
Assis: é feio, mas é antigo.” Confessou, então, que inventou essa frase com
autoria do Machado de Assis, na hora, para ser mais enfático, e obteve êxito.
-É antigo, mas é feio. - trocou a Gina
as posições das palavras.
-Creio que o Sérgio Cabral governador recuou
da posição de derrubar o Parque Aquático Julio Delamare e a Escola
Friedenreich, para construir um estacionamento de carros, por causa do pai.
-E ele é de ouvir o pai, Carlinhos?...
Ele recuou porque a batata dele está assando. - ironizou a Gina a minha
ingenuidade.
Depois, as conversas se tornaram mais
amenas e, assim, se encerrou mais uma sessão do Sabadoido.
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