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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4253 Data: 18 de
agosto de 2013
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165ª CONVERSA
COM OS TAXISTAS
-Amigo, passei com o meu táxi pela sua
rua, nesse último sábado... Que confusão! - disse o Meu Nobre, quando eu me
acomodava ainda no cinto de segurança.
-Ah, sim, houve um festival de pipas na
Praça Manet e arredores. - lembrei-me logo.
-A confusão foi entre uma moradora da
Modigliani e um daqueles barbados que soltam pipas. - acrescentou.
-Eu vi a discussão, quando eu chegava,
com os policiais presenciando tudo. Depois, ela se foi, no carro deles para dar
queixa. - informei-lhe.
-Parece que o problema foi com o cerol
da linha, que é uma arma. Conheço um motoqueiro que quase ficou sem o pescoço
por causa dessas linhas de pipa, que não são vistas. Se não fosse o capacete...
-É uma guilhotina! - exclamei.
-No meu tempo de garoto, nós colocávamos
lâmpadas nos trilhos dos bondes, depois pegávamos o vidro moído e colocávamos
na cola de madeira que derretíamos em casa. Hoje, compra-se uma tal de linha chilena
que já vem com um cerol muito mais cortante, uma lâmina.
-No nosso tempo, eram os garotos que
empinavam pipas, hoje são os marmanjos. - juntei minhas observações às dele.
-Eu, como muitos meninos, não trocava a
pipa pela bola e o tempo das pipas eram as férias escolares.
Como ele abriu a porta das
reminiscências, eu entrei:
-Quando não havia cerol nas nossas
linhas, nós gritávamos que estávamos “puros”.
Certa vez, quando eu tinha uns nove anos de idade e meu irmão, oito, soltávamos
pipas, no quintal do nosso apartamento, sem cerol na linha e o José Augusto,
irmão mais novo do Otávio Gaguinho...
-Onde foi isso? - pediu mais detalhes.
-Na Rua Cachambi, n° 533, precisamente.
Entre nosso prédio e a garagem, que ainda existe, havia um terreno baldio...
-Já localizei. - garantiu.
O José Augusto, que soltava a pipa dele
da garagem, sabia que estávamos “puros”, mesmo assim, ele, numa só manobra,
cortou as linhas da minha pipa e a do meu irmão, as duas se foram, lamentavelmente,
para longe de nós emboladas nas rabiolas.
-Que sacanagem! - expressou sua
solidariedade regressiva.
-Como o safado vibrava!... Considerou uma
façanha cortar duas pipas ao mesmo tempo, mas foi uma covardia.
-Covardia mesmo. - concordou.
-Fiquei, sentado no muro, observando o
“inimigo”. Em dado momento, observei que deixara uma pipa no chão, enquanto
continuava com a outra, a que nos cortou, no céu. Notei que, às vezes,
empolgado com a guerra colorida no ar, afastava-se muito dessa pipa, que era
dele. Pulei, então, do muro, esgueirei-me como um felino, pus a mão nessa pipa
e disparei de volta para casa com ela.
-E ele?
-Ele ficou com a mesma cara que eu e meu
irmão ficamos quando nos tirou a alegria de soltar pipa.
E completei:
-Como eu me orgulho desse roubo!
-Rua Modigliani. - avisou, enquanto parava o carro.
-Há um bom tempo que não pego seu táxi, -
disse antes de sentar no banco do carona do carro do Gaguinho.
-É mesmo.
-Logo
hoje, que saí mais cedo do trabalho.
-Mas eu tenho estado aqui às quatro,
cinco horas da tarde.
-Eu sei; tenho visto o nº 009 do seu
carro, mas sempre há uns táxis na frente do seu quando eu apareço.
-Hoje foi dia de você voltar mais cedo?
-Saí às onze e meia para almoçar e a
Avenida Rio Branco estava fechada. Retornei ao serviço uma hora e a Avenida
permanecia sem trânsito, a não ser aqueles veículos que apenas a cortam, como
na rua Buenos Aires, Assembleia, Nilo Peçanha... Por volta das duas horas, eu
estava diante do computador, digitando um parecer, quando entrou uma
funcionária informando que corria o boato de fechamento do metrô. Não pensei
duas vezes, peguei minha mochila e vim embora.
-Se fecharem, vai ser uma loucura
completa. - aparteou.
Veio-me à mente o calvário dos
peregrinos, que pretendiam ir a Copacabana, com o metrô parado durante duas
horas, na visita do Papa.
Mas mudei de assunto.
-E o seu filho com o handebol?
-Vai muito bem; ele estuda e treina
muito, por isso, vai às seis horas da manhã para o colégio, em Realengo e volta
para casa de noite.
-Nos gloriosos tempos do Visconde de
Cairu, anos 60, o time de basquete era sensacional, eu soube depois que era,
praticamente, a equipe do clube Mackenzie, que disputava campeonato carioca.
Nós nos recusávamos a voltar para as salas de aula, depois do recreio, se o
Cairu estivesse no ginásio jogando.
-As escolas daqui deveriam fazer como
nos Estados Unidos.
-Lá, os colégios, mormente as
universidades são os maiores celeiros de atletas. - concordei.
-Você vê os grandes jogadores de
basquete de lá. - assinalou.
-Sim; eles disputavam olimpíadas com
universitários e ganhavam tudo, praticamente.
E concluí:
-Mas perderam para o Brasil no Pan
Americano...
Como eu titubeei em precisar o ano, ele
interveio mesmo gaguejando:
-Mil novecentos e oitenta e sete.
-Foi uma das maiores vitórias da
história do basquete brasileiro. - afirmei.
-A maior, pois o basquete masculino dos
Estados Unidos nunca tinha perdido em casa.
-Esse Pan Americano foi onde?
-Em Indianápolis.
Quando chegou à última sílaba do nome da cidade, já
estávamos na Rua Modigliani, onde saltei.
Por coincidência, no dia subsequente,
peguei o táxi do Gaguinho.
-Depois de tanto tempo, agora será um
dia depois do outro. - brinquei.
-Você, hoje, veio na hora habitual. -
notou.
-Ontem, foram duzentos que pararam a
cidade. Um absurdo. - esbravejei.
-Se a PM desce o cacete, reclamam. -
disse.
Mas a conversa sobre o Pan Americano de
1987 ficou inacabada e tratei de reatá-la, pois concluí que ele era adepto dos
jogos de basquete.
-Naquele Pan Americano de 1987, o Oscar
fez um monte de cestas.
-Quarenta e cinco pontos. A maioria
cesta de três pontos. Essa regra começara há pouco tempo e o Brasil se
aproveitou dela.
-Eu me recordo que estávamos bem atrás
no placar.
-O primeiro tempo terminou com os
americanos vinte e dois pontos na frente.
Marcel jogava? - perguntei.
-E muito. Jogaram ele, o Israel, o
Gérson.
-O Magic Johnson não estava nesse time?
-Estava o David Robinson.
E completou:
-Depois dessa derrota, os Estados Unidos
passaram a colocar os profissionais para disputar as olimpíadas. - disse.
-Eu me recordo do Larry Bird. Eu ficava
impressionado com a categoria dele. - manifestei-me.
-Era um craque.
-Também me lembro do Moses Malone, do
Kareen Abdul Jabar.
Os nomes desses jogadores, que citei,
animou-o a falar de outros.
-Tinha um que era o melhor de todos. Eu
sempre torcia contra ele, mas não adiantava.
-Era como torcer contra o Pelé nas
partidas de futebol?
-Isso. - concordou com a comparação.
-Como era o nome dele? - torturou-se com
o esquecimento.
-Eu sei quem é, logo o nome dele vem às
nossas cabeças. - falei, embora estivéssemos a menos de trinta metros da minha
casa.
-Michael Jordan.
Foi o único nome americano que
pronunciou, nessa corrida, sem gaguejar.
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