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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4243 Data: 02 de
agosto de 2013
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92ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Lincoln, o problema da escravidão nos
Estados Unidos sempre esteve fixado na sua mente; você foi ainda mais incisivo
quando a Suprema Corte emitiu uma decisão em que os negros não eram
considerados cidadãos e, por isso, não estavam protegidos pelos direitos
constitucionais.
-Isso foi em 1857. Eu argumentei que os
autores da Declaração da Independência jamais disseram que todos eram iguais em
cor, tamanho, intelecto, desenvolvimento morais ou capacidades sociais, e sim
que eles consideravam todos os homens criados iguais em direitos
intransferíveis, como à vida, `a liberdade e à busca pela felicidade.
-No ano seguinte, você foi candidato ao
Senado, já no Partido Republicano, quando proferiu o celebrado “Discurso da
Casa Dividida”.
-Eu me baseei no evangelho segundo
Marcos, capítulo 3, versículo 25. Uma casa dividida contra si mesma não pode
permanecer. Eu acredito que este governo não pode suportar, infinitamente, ser
metade livre e metade escrava. Disse que não esperava o desmoronamento da
União, que não esperava ver a casa cair, mas que ela deixasse de ser dividida.
-Nessa sua campanha para o Senado, em
1858, você enfrentou o seu adversário de toda hora, Stephen A.Douglas, em sete
debates.
-Stephen A.Douglas dizia que os
colonizadores locais eram livres para escolher se queriam ou não a escravatura,
baseado na Doutrina Freeport e eu o acusava de distorcer os valores firmados
pelos Pais Fundadores, que todos os homens são criados iguais.
-Você perdeu a eleição e ele foi
reeleito.
-Sim, mas adquiri um jornal para
divulgar as minhas ideias, o “Illinois Staats-Anzeiger.”, de língua alemã.
-Eram tantos os americanos com ascendência
germânica?
-Em Illinois, 130 mil, a maioria votou
no Partido Democrata, mas não esmoreci.
-No
Brasil, diz-se que política muda como nuvem e nos Estados Unidos, parece que é
assim também. Em 1860, você já era o candidato do Partido Republicano à
Presidência da República. - comparei.
-Ajudou-me o fato de o meu pai ter sido
um homem da fronteira, rotularam-me como o “Candidato das Ferrovias”.
-Os seus partidários mostraram, com
êxito, que você foi um menino comum, vindo da agricultura, que alcançou o topo,
através do trabalho, por seus próprios méritos.
-Os rapazes foram eficientes;
conseguiram demonstrar o poder superior do trabalho livre.
-E um escritor do “Chicago Tribune”
elaborou um panfleto com a sua biografia que vendeu centenas de milhares de
cópias. Depois, foram tantas as obras sobre a sua vida que podemos considerá-lo
um precursor em biografias.
-Era preciso enfrentar os riscos, e eu
não recuei.
-Você foi eleito presidente e, quando
tomou posse, em março de 1861, sete estados do sul se retiraram da União e,
pouco depois, mais quatro, formando os Estados Confederados da América.
-Eles bombardearam o Forte Sumter, o que
provocou a Guerra Civil. Era uma terrível crise que eu tinha de enfrentar com
energia: decretei o bloqueio dos portos sulistas, e aumentei o número de
soldados além do que rezava a lei.
-O Norte, Lincoln, cerrou fileiras pela
União Nacional depois do ataque confederado. - disse quando notei que faria uma
pausa.
-Concentrei os esforços militares e
políticos na guerra. Meu objetivo era unir a nação.
-E tomou medidas drásticas.
-Como o sul estava em rebelião, exerci a
minha autoridade para suspender habeas corpus para deter, sem julgamento,
milhares de separatistas suspeitos. Evitei que o Reino Unido reconhecesse os
Estados Confederados.
-Nesse caso, a sua habilidade prevaleceu
no conflito diplomático. - assinalei.
-Aquela época pedia muita habilidade. -
disse ele.
-No ano seguinte ao ataque do Forte
Sumter, foi publicada a sua proclamação que concedia a liberdade dos escravos
dos estados confederados.
-Foi o caminho para a abolição da
escravatura em todo o país e, para mostrar ao mundo, que o sentido da guerra
era a liberdade dos escravos.
-Em seguida, você assinou a lei da
Proclamação da Emancipação, estimulando os estados escravocratas da fronteira tornarem
a escravidão ilegal, preparando a aprovação da Décima Terceira Emenda à
Constituição, no Congresso, que daria fim definitivo à escravatura.
-A votação da 13ª Emenda, na Câmara dos
Representantes foi outra guerra. - disse ele respirando profundamente.
-Uma guerra, enquanto a da Secessão não
tinha terminado.
-E não poderia acontecer naquele
momento, pois atrapalharia todos os meus planos para dar a liberdade aos
escravos. - disse um tanto agitadamente.
-Mas a votação da 13ª Emenda ocorreu no mesmo ano do fim da guerra da
Secessão.
-1865 foi um ano emblemático nos Estados
Unidos. - atalhou.
-Alguns meses antes, houve as eleições e
você foi reeleito.
-Muitos deputados também, mas alguns não
obtiveram a reeleição. - assinalou com um brilho indizível no olhar.
-Na campanha eleitoral de 1864, narram
os historiadores que a sua atuação foi extremamente astuta, apoiando a facção
bélica do Partido Democrata sem perder a liderança do bloco maior do Partido
Republicano.
-Eu, que sofri tantas derrotas na minha
vida política, cheguei a um ponto que era a vitória ou nada. A chance de
recuperação não existia mais para mim.
-Se não se reelegesse, terminaria o seu
mandato como um lame duck, como se diz na política do seu país, “pato
manco”.
-Mas aquela eleição de 1864 fez muitos lame
ducks. - voltou-lhe o brilho indizível no olhar.
-Bem, era necessária mais do que a
maioria absoluta na Câmera dos Representantes, a maioria qualificada, para
libertar os negros, mas como obtê-la se a casa estava dividida? - perguntei.
-Foi necessária muita costura política.
-Imagino... Não, não imagino.
-Muitos deputados da oposição não se
reelegeram, então, meus assessores vislumbraram a chance de conseguir os votos
dos “patos mancos” favoráveis à libertação dos escravos.
-E o que você sugeriu?
-Escancaradamente, nada, mas deixei bem
claro para eles que tínhamos de conseguir os votos necessários na Câmara dos
Representantes.
-Apesar de a causa ser de uma grandeza
única, não se recorreu a meios abjetos, como franquear os cofres públicos, para
aprová-la.
-Não os “patos mancos” não receberam
dinheiro, meus homens lhe ofereceram empregos para o tempo das vacas magras que
se aproximava com a extinção dos seus mandatos.
-Muitos já eleitos ou reeleitos, mesmo
no Partido Republicano, queriam que a eleição acontecesse depois da Guerra, que
já chegava ao seu final.
-Isso representaria a derrota da 13ª
Emenda.
-Sim, porque eu não trataria os sulistas
como derrotados e sim, como cidadãos. Assim, os políticos de lá impediriam que
a lei da libertação dos escravos vingasse.
-Sim, eles, os confederados, seriam
cidadãos, pois o seu propósito maior era a União.
-E ainda havia republicanos que só
aceitavam que os negros fossem livres, mas que não tivessem os mesmos direitos
civis do branco. Bem, eu não podia obter tudo, a liberdade dos negros já era um
grande avanço naquela época tão conturbada.
-Passaram cem anos e os negros
americanos ainda lutavam pelos direitos civis. - frisei.
Bem, importa que ganhamos na Câmara dos
Representantes, e a 13ª Emenda passou com este texto:
“Seção I – Não haverá nos Estados Unidos
ou em qualquer lugar sujeito à sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos
forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido condenado.”
“Seção II – O Congresso terá competência
para fazer executar este artigo por meio das leis necessárias.”
-E pouco tempo depois, a guerra que
custou 600 mil mortos terminou com a rendição dos sulistas.
-Apesar dessas vitórias, eu andava
triste e a depressão me levou a sonhar que eu morria. Bem, contei esse sonho
para Mary Todd, minha esposa, mas não vou contá-lo aqui.
Ergueu-se da poltrona e, com um sorriso
melancólico, partiu.
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