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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4242 Data: 01 de
agosto de 2013
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92ª VISITA À MINHA CASA
Ao sentar-se na poltrona que lhe
ofereci, Abraham Lincoln teve certa dificuldade em acomodar a sua estatura
superior a 1,90m.
-Imagino a dificuldade que causei ao
escultor do meu Memorial em Washington. - brincou, mas sem abandonar a
seriedade no rosto,
-Lincoln, você é considerado pelos
estudiosos, junto com George Washington e Franklin Delano Roosevelt, o maior
presidente dos Estados Unidos.
-Generosidade deles... Veja George
Washington: tinha as armas a seu favor, depois de vencer os ingleses, poderia
se tornar o Rei George I, em contraposição ao George III, da Inglaterra, mas
não, fundou a primeira república da História Moderna.
-Os pais da nação norte-americana, George Washington, Thomas Jefferson,
John Adams, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton, foram notáveis, colocaram em
prática as ideias dos filósofos iluministas da França vinte anos antes dos
próprios franceses. - entusiasmei-me.
-Se
considerarmos que a Revolução Francesa desandou no Terror e que Napoleão se
tornou ditador, foi bem mais de vinte anos. - retorquiu.
-Certo; então, os ideais dessas grandes personalidades,
que citei, não poderiam se desfazer com uma nação dividida entre norte e sul e
você fez então o histórico discurso de Gettysburg em que disse que os
interesses dos estados não poderiam se sobrepor ao governo do povo, para o povo
e pelo povo.
-Eu vivia tão intensivamente os
princípios de igualitarismo da Declaração de Independência que garatujei
rapidamente as 269 palavras do discurso e as li, em poucos minutos, para uma
pequena multidão, no Cemitério de Gettysburg, depois da União ter vencido a
batalha que lá ocorrera.
-Foram palavras que repercutirão
enquanto houver um país democrático no mundo. - frisei.
-Espero que existam muitos. - afirmou.
-Bem, Lincoln, você nasceu no quarto de
uma cabana numa fazenda de um condado do estado de Kentucky. Foi um lenhador e
se tornou um destacado advogado estudando praticamente sozinho.
-Eu servi como agente do correio, em New Salem, Illinois e,
mais tarde, fui inspetor do condado. Como eu era um leitor voraz, decidi me
tornar advogado, então, iniciei meus estudos sobre legislação. Eu me debrucei
sobre inúmeros livros, entre eles “Comentários sobre as Leis da Inglaterra”, do
jurista William Blackstone. Fui, então,
aprovado no exame de admissão para o exercício da advocacia, quando eu contava
com 27 anos de idade, ou seja, em 1936. Eu fui, na realidade, autodidata em
direito.
-Mas você já estava envolvido com o
mundo político nessa época?
-Sim, Com 23 anos de idade, eu comprei
uma pequena loja, com um sócio, em New Salem. Pouco depois, vendi a minha parte,
embora fosse crescente a atividade econômica naquele momento.
-Isso, em 1832? - interrompi.
-Sim, E, com o dinheiro, dei início à
minha primeira campanha para a legislatura estadual, no caso, a Assembleia
Geral de Illinois. Na disputa política, eu lutei pela melhoria da navegação do
Rio Sangamon.
-A carência de dinheiro e a falta de
amigos influentes contribuíram para a sua derrota.
-E também o fato de eu não possuir uma
educação formal.
-Foi, então, que você se dedicou, mesmo
sozinho, a receber o título de advogado. - concluí.
-Mesmo estudando, dois anos depois,
1834, envolvi-me na segunda campanha eleitoral.
-Dessa vez obteve êxito?
-Eu me elegi pelo Partido Whig para a
legislatura estadual com o apoio de muitos democratas.
-Há muito tempo só se fala em disputas
nos Estados Unidos entre os partidos democrata e republicano, e você era Whig?
- expressei meu desconhecimento.
Ele me explicou:
-Até a chegada de John Quincy Adams,
filho de John Adams, à presidência, em 1825, o único partido na esfera nacional
era o Democrata-Republicano. Houve, então, a cisão entre os adeptos do John
Quincy Adams e do Andrew Jackson, que se tornaria presidente, e o partido se
fragmentou, O Partido Whig surgiu entre 1833 e 1834.
-Mas você exerceu a advocacia? -
perguntei-lhe, embora soubesse a resposta.
-Eu me mudei para Springfield, no estado
de Illinois, e trabalhei junto com John Todd Stuart, que era primo da minha
esposa Mary Todd. Diziam que eu, como advogado, era bom nos interrogatórios e
nos argumentos finais.
-Certamente.
-Tive outros sócios, no escritório de
advocacia, durante o ano de 1841
a 1844.
-E a política, enquanto isso?
-Fui membro da Câmara dos Representantes
em quatro mandatos consecutivos pelo Condado de Sangamon.
-E já apresentava os motes que
desenvolveria quando obtivesse cargos políticos com maior poder?
-Um deles era a propriedade da terra.
Quando eu era garoto, minha família perdeu toda a sua terra em processos
judiciais devido a títulos de propriedade com erros. Tivemos de nos mudar para
o norte, e, assim, atravessamos Rio Ohio, rumo a um território não escravista,
o Condado de Perry, em
Indiana. A nossa mudança se deu devido à escravidão e,
mormente, às dificuldades com títulos de terra.
-Escravidão?... Como assim?...
-Meu pai participava de uma Igreja
Batista cujas diretrizes morais eram se opor à bebida alcoólica, à dança e à
escravidão. Gozava ele de significativa respeitabilidade, em Kentucky. Quando
eu nasci, ele possuía duas fazendas de 240 hectares, gado,
cavalos, lotes de terra na cidade. Era um dos homens mais ricos da região.
E perdeu tudo porque era contrário à
escravidão e aos títulos da terra?
A sua resposta foi um longo silêncio.
-Mas, quando presidente dos Estados
Unidos, em 1862, você sancionou o “Homestead Act”, a lei da reforma agrária.
-Foi uma lei que veio consolidar um
programa destinado a conceder terras públicas a pequenos fazendeiros a baixo
custo. A lei concedia 640 mil metros quadrados, nós daríamos 160 acres a todo
solicitante, desde que fosse chefe de família e tivesse mais de 21 anos, com o
compromisso de permanecer e trabalhar a terra por cinco anos, no mínimo,
pagando um taxa de administração de baixo valor.
-E se o colono quisesse obter o título
de propriedade antes? - interrompi.
-Poderia obtê-lo depois de transcorridos
seis meses e pagando 1,25 dólares por acre – no sistema métrico decimal, 4 mil metros
quadrados. Tratava-se de um modelo para o cultivo de alimentos e criação de
animais aliado à mão de obra familiar.
-Mas que ia de encontro a muitos
interesses. - assinalei.
-Sim; o “Homestead Act” já tinha siso
proposto em 1850, mas foi derrubado pelos congressistas do sul, que temiam que
a ocupação do oeste se tornasse uma alternativa agrícola à sua economia
escravagista. Em 1859, a
lei da reforma agrária voltou a ser derrubada, e, com a Guerra da Secessão, eu
a implantei. Quando a guerra terminou, cerca de 15 mil pedidos de terra já
haviam sido feitos.
-A sua reforma agrária também contrariou
os latifundiários, os barões do gado, que contratavam pistoleiros – no Brasil,
seriam jagunços – para pôr para correr
esses colonos. Um filme do George Stevens, “Shane”, retrata isso perfeitamente.
-Mas, como eu disse, o problema maior
eram os escravagistas.
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