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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4237 Data: 26 de
julho de 2013
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164ª CONVERSA
COM OS TAXISTAS
Dos muitos milagres que, em tom de
blague, estão atribuindo ao Papa Francisco, na sua vinda ao Brasil, registro um:
consegui, referindo-me a ele, falar mais do que o Bob Esponja numa corrida no
seu táxi.
-Esse
papa é simpático, o outro não. - disse tão logo eu entrei no carro.
-Sim, o Papa consegue que até os ateus e
agnósticos gostem dele. Escolheu o nome Francisco, por causa de São Francisco
de Assis, que é o protetor dos ateus.
-Você é ateu?
-Não sou tão pretensioso a ponto de
negar o mistério.
-Ele pegou uma igreja cheia de padres
pedófilos.
-Apesar do seu jeito bonachão, as
medidas que tomou contra aqueles que mancham a instituição católica estão em
andamento. - repercuti o que tinha lido.
-O outro não aguentou; pediu renúncia.
-Além dos pedófilos, há falcatruas no
Ambrosiano, o banco do Vaticano. O Bento XVI não teve forças para enfrentar
essas forças negativas e se retirou.
-Se esse mexer muito no vespeiro do
Vaticano, pode acabar mal. - previu.
-Bem, há quem garanta que João Paulo I
foi envenenado. No filme “O Poderoso Chefão 3”, mostram os gângsteres envolvidos com o
Banco Ambrosiano matando o papa.
-Se esse não se cuidar, morre também.-
insistiu com o seu vaticínio.
-Não acredito, o Papa Francisco alcançou
uma popularidade comparável à do Papa João Paulo II, isso vai fazer os
criminosos pensarem duas vezes antes de agir contra ele.
-Rua Modigliani. - informou.
-Rapaz, o que mais vejo na cidade são
grupos de peregrinos que vieram a esta Jornada Mundial da Juventude. -
manifestei-me ao me ajustar no cinto de segurança do táxi do Fala Mansa.
-Peregrinos brasileiros e estrangeiros.
Aqui, na CEFET, estão cem que vieram da Paraíba. - disse indicando a escola que
fica próxima à estação do metrô de Maria da Graça.
-Ontem, descendo as rampas da estação,
vi um desses ônibus de viagem parado e uma porção de gente saltando com
mochilas ou retirando as malas de um compartimento do ônibus.
Depois de ouvir-me, disse:
-Ontem, às dez horas da noite, havia
vinte e sete italianos esperando o 661.
-O Méier-Maria da Graça?
-Esse mesmo, mas não estava circulando.
Eu falei, então, com eles que levava quatro por corrida e que, assim, sairia
mais barato do que a passagem do ônibus. Eles titubearam porque se deslocam com
vale transporte.
E prosseguiu:
-Tentaram negociar com uma van e deu em
nada.
-Os motoristas de van são, comumente,
gananciosos. - aparteei.
-Então, eles acolheram a minha proposta;
pagaram dois reais cada um e eu fiz três viagens levando de quatro em quatro.
-Mas ainda sobraram treze? - calculei.
-Eles foram nos táxis dos outros
colegas.
-A
minha irmã acolheu em casa duas peregrinas italianas, uma de vinte anos, outra
de dezenove, Sabrina e Maria Rúbia. Minha sobrinha recebe uma ou duas, não sei
ao certo, de São Paulo.
-E como é esse acolhimento? -
interessou-se.
-Bem, pelo que minha irmã me informou,
os peregrinos vêm para dormir, tomar banho e comer o café da manhã, se não o
fizerem numa igreja. O resto do dia elas passam na rua.
-Eu sei que a igreja organiza tudo;
tanto os peregrinos como as famílias que os recebem, tudo fica inscrito.
-Isso mesmo.- confirmei.
Deixou-me na Rua Modigliani.
No dia seguinte, o assunto era o mesmo,
só o táxi era outro, o do 017, que não consegue largar a sua rabugem nem com a
presença do papa, mas, no caso em questão, ele estava com um pouco de razão.
-Uma vergonha! Uma vergonha que o mundo
inteiro está tomando conhecimento. O papa chega ao Brasil e o carro dele fica
encaixotado num engarrafamento da Avenida Presidente Vargas.
-Um despautério; os seguranças ficaram
agoniados nesse momento, enquanto o papa mantinha a serenidade.
Serenidade que o 017 o 017 desconhecia inteiramente.
-Houve até batida de carro na comitiva.
Já imaginou se a batida fosse no carro do papa?... Pelo menos, não havia um
árabe maluco ali para atirar nele como fizeram com o João Paulo II.
-Esse papa também contraria interesses.
- intervim.
-E os ônibus não rodam de noite para
transportar os peregrinos. O metrô enguiça por duas horas. Uma desorganização
completa.- prosseguiu depois de uma pausa.
-Eu, quando fico sem metrô por meia
hora, o meu dia já está prejudicado. Imagino essa multidão, durante duas horas,
num lugar que desconhecem, sem saber aonde ir.
Ele retomou logo a palavra:
-E marcam o evento em Copacabana na hora
em que as pessoas estavam saindo do trabalho. Sim, porque o caos do metrô
começou às quatro horas da tarde. Não era essa a sua hora de sair do serviço?
-Sim – respondi – mas fui para casa às
duas e meia.
-Ah, você é funcionário público. -
resmungou.
-Há um banco de horas e eu tenho mais de
trinta horas sobrando. Chegar às seis e meia da manhã ao serviço tem as suas
vantagens.- falei em tom sarcástico.
-Durante uma semana, só haverá um
assunto: papa.- irritou-se mais uma vez.
-Mas desse assunto maior, surgirão mil
outros que preencherão os tempos vazios de nós todos. - disse já pisando a
calçada da minha rua.
No dia subsequente, eu peguei o táxi do
pai do Gaguinho, o 262.
-Você não estava naquela loucura do
metrô? - demonstrou uma preocupação reversiva.
-Graças a Deus, não.
-Graças ao Papa, muita gente estava. -
disse com uma risada.
Ele não queria perder a piada, mas logo se penitenciou.
-O Francisco é de uma simpatia única.
E voltou ao tom galhofeiro:
-Eu nunca imaginei que fosse gostar de
um argentino.
-Com todo aquele drama que os peregrinos
passaram, sem metrô para Copacabana...
-Não havia metrô para lugar algum.-
interrompeu-me.
Reatei o que dizia:
-Ainda assim, eles não perdem a alegria.
Esbarro com grupos deles por todos os lugares e a alegria deles é contagiante.
-Eu vi peregrinos até da Coreia. -
informou-me.
-Vieram de todos os lugares, enrolam-se
nas bandeiras dos seus países...
-Enrolam-se porque o frio chegou com
vontade. - interrompeu-me de novo.
E foi adiante.
-Evidentemente que eles urinam, defecam,
e eu fico imaginando como eles se viram.
-Bem, nas casas, igrejas e escolas ,
eles só ficam para dormir. - manifestei-me.
-Onde essa multidão faz as suas
necessidades? - insistiu.
-Há os banheiros químicos.- lembrei sem
muito entusiasmo.
-Sair de um banheiro químico vivo é um
verdadeiro milagre. - disse em meio a uma gargalhada.
-É preciso máscara, daquelas para
enfrentar gás Sarin. - completei a sua piada.
E chegamos, alegres como os peregrinos,
à Rua Modigliani.
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