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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4241 Data: 31 de
julho de 2013
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A SURPRESA NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE II
Demonstrando a sua surpresa com a
escolha do Papa Francisco, Jonas Vieira falou dos argentinos que, comumente,
são contestadores compulsivos.
Sérgio Fortes se referiu, então, à
expectativa de Dom Odilo Scherer ser eleito, que Luís Paulo Horta não cultivou.
-O conclave tem um dado misterioso.
Bergoglio chegou a dizer a um amigo que não estava no páreo por ter 76 anos. Eu
rezo, como católico, para que ele tenha um pontificado produtivo.
-Quais são as suas orações? -
aproveitou o Jonas Vieira a deixa.
-As minhas orações são as tradicionais;
Ave Maria, Pai Nosso, Credo.
Enquanto o convidado do programa citava
as suas rezas, eu me reportava à bronca que levei da professora de catecismo
porque desconhecia o Credo, mais tarde, decorei o Credo do Otello, de
Verdi/Boito, mas não era a mesma coisa.
Quando mais uma vez o chamaram de
teólogo, afirmou que os santos, sim, são teólogos e citou Santa Teresa D' Ávila,
cujos livros lê sempre.
Sérgio Fortes fez um paralelo do Papa
Francisco com o Papa João XXIII e Luís Paulo Horta logo interveio:
-O contexto era outro; elegeram João
XXIII, com 77 anos de idade, para ficar quatro, cinco anos e, depois, elegeriam
outro. Eles não imaginavam que, em quatro anos, ele mudaria a face da igreja.
Era um psicólogo.
A palavra passou para o Sérgio Fortes:
-Eu me lembro, quando estava entrando
no Santo Inácio, em 1958, que um colega meu gritou “Viva o Papa João XXIII”,
que acabava de ser eleito.
-O atual papa me lembra muito o
Luciani, o João Paulo I, que era uma figura formidável.- disse aquele que
também estudou no Santo Inácio.
Talvez a alusão ao João Paulo I tenha
suscitado no Jonas Vieira a crença de que ele foi assassinado, o que é mostrado
no filme “O Poderoso Chefão 3”,
pois se referiu aos episódios terríveis
que ocorreram no Vaticano, que até foram narrados por Stendhal nas “Crônicas
Italianas”.
-Papa Francisco, contrariando
interesses, não corre riscos? - perguntou:
-Não creio em teorias da conspiração. A
Cúria não é o Politburo.
Nesse instante, Sérgio Fortes
interferiu:
-Na Rússia é diferente. O que sumiu de
gente... Saiu, no Globo, uma relação de políticos que desapareceram, foram muitos.
A palavra retornou ao Luís Paulo Horta:
-A Rússia forneceu grandes escritores,
Dostoievsky, Tolstoi... Um deles, Gogol, escreveu “Almas Mortas”, e colocou na
epígrafe: “Olhai a vida russa e arrebentai em lágrimas.”
-É uma tragédia a vida lá. - comentou o
Jonas Vieira.
-Nós não podemos dispensar a Rússia. Já
imaginou o mundo sem Tolstoi, sem Dostoievsky, sem Stravinsky, sem Tchaikovsky?...
-Sem os enxadristas.- acrescentou o
Jonas Vieira.
-Para esquecer a vida, eles jogam muito
xadrez e bebem muita vodca.- concluiu o Luís Paulo Horta.
Então, as vozes se calaram e ouviu-se o
dueto “La ci darem la mano”, do Don Giovanni de Mozart.
Logo em seguida, entraram os reclames
comerciais que não respeitam nem os momentos divinos.
Depois de anunciar que ouvíamos o Rádio
Memória, Jonas Vieira comentou que lia, ou melhor, devorava o livro “Sobre o
Céu e a Terra” em que o então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio,
dialoga com o rabino Abraham Skorka. Expressou o seu encanto com os dois
religiosos e até leu um trecho do livro, o que prova que ele o devora mesmo,
pois o levou até para o programa.
E destacou a frase: “Somente o caminho
do conhecimento humano nos leva a Deus.”
Luís Paulo Horta, que, naturalmente,
conhece a obra, expôs o seu parecer:
-É um livro que toca em pontos
importantes. Trata de encontros, mesmo o
encontro político.
E prosseguiu:
-”Com a disparidade de renda, pessoas
são levadas por caudilhos, que exploram as fraturas na sociedade. Eles separam
a sociedade em nós e eles. Vejam o caso do Hugo Chavez; não discuto se foi bom
para os pobres, há quem diga que sim, mas ele rachou a sociedade venezuelana.
Quem faz isso com muita aplicação é a Cristina Kirchner, que não gozava das
boas graças do Arcebispo Bergoglio. Ele não admitia que a Argentina fosse
arrastada para um clima de exasperação. Vai haver lá, agora, em outubro,
eleição para deputado. É um clima de você tem de ser a favor, se for contra, é traidor da pátria, bandido...
Se o Luís Paulo Horta não queria tocar
na política brasileira, foi puxado para ela pelo Jonas Vieira.
-É como faz o Seu Lula.
-Por que ele tem de falar tão mal do
seu antecessor, que teve pontos muitos interessantes? Ficou o clima de nós
contra eles. Nesse ponto, Bergoglio é um vocacionado, veio trazer o diálogo. A vida
cristã é o contrário do nós contra eles.
-Vemos um belíssimo diálogo entre um
cristão e um judeu.- disse o Sérgio Fortes, antes de o Luís Paulo Horta retomar
a palavra.
-Houve conflitos históricos entre
cristãos e judeus. A grande tragédia da nossa história foi o antissemitismo,
porque Jesus era judeu, Maria também. Se você é antissemita, você não pode ler
a Bíblia. Veja esta frase de Bergoglio: “Antes de ser cristão, você tem de ser
judeu.”
E continuou inspirado pelos bons
fluidos:
-O Papa Francisco é preparado para o
ecumenismo. Vivemos numa sociedade pluralista: católicos, evangélicos,
islamitas...
E citou o ateu, como aquele que não
teve formação religiosa, enfim, todos, sem exceção, que o papa quer unidos num
grande encontro.
Durante alguns minutos, a música de
Bach reinou absoluta.
Veio, em seguida, a parte mais profana
do Rádio Memória desse domingo.
-Não é preciso dizer que é Bach. -
disse o titular do programa.
-O compositor que a minha mestre
chamava de Tião Medonho.
Entendi que o Tião vinha de Sebastian,
mas o Medonho?... os risos impediram a explicação do musicólogo e mais ainda a
intervenção do Jonas Vieira.
-No meu livro sobre Gonzagão e
Gonzaguinha, aproveito para fazer a propaganda do livro...
Enquanto eu pensava nesse livro,
“Encontros e Desencontros”, que escreveu com Simon Khoury, ele prosseguiu:
-Bach tocava também nos enterros.
-Bach dirigia um coro de meninos que
cantava nos enterros porque não podia
levar o órgão para o cemitério. - acrescentou o crítico de música.
Jonas Vieira retomou a palavra:
-Numa carta, Bach reclama do prefeito
que morria pouca gente em
Leipzig. Como pode um gênio capaz de compor obras tão
sublimes ter esse pensamento tão mesquinho?
-Padrão Odorico Paraguaçu.- encaixou o
Sérgio Fortes a sua piada.
-Ele teve vinte filhos, era um
reprodutor.
-Teve duas esposas. - interferiu de
novo o Sérgio Fortes,
Mas o musicólogo continuou como se
Maria Barbara Bach tivesse os vinte filhos, e não treze, que também é um número
assombroso.
-Imagino a mulher dele.. Ele precisava
de dinheiro para sustentar a família. Naquela época, também, a mortalidade
infantil era brutal.
E os instigantes fuxicos foram adiante
até o Luís Pulo Horta chegar à explicação definitiva:
-É a fúria germânica.
Jonas Vieira interveio com mais uma
pergunta sobre o papa, Depois, ouviu-se o dueto da Boheme, “Oh soave
fanciulla”, com Pavarotti e Mirella Freni; os
dois cantores de Modena, que nasceram no espaço de quatro meses e
mamaram na mesma ama de leite. Diria o Luís Paulo Horta, caso esse fato fosse
abordado, que houve intervenção do Espírito Santos nesse leite.
-Gostou? - perguntaram ao convidado.
-Uma beleza...
-Você que não gosta de óperas... -
brincou o Sérgio Fortes.
-Algum livro? - indagou o Jonas Vieira.
-Estou escrevendo um livrinho, que
espero terminar logo, chama “De Pedro a Francisco, História de Papas.”
E fez a ressalva que não era “dos
papas”, senão, seria um calhamaço. Em seguida, reportou-se ao jornalista Elio
Gaspari, uma inteligência cintilante que, embora não seja católico, está
fascinado com o Papa Francisco.
Penalizado, Jonas Vieira, agradecendo
ao seu convidado, anunciou o encerramento do Rádio Memória daquele domingo.
Bem, nós, do Biscoito Molhado,
procuramos, dentro das nossas possibilidades, reproduzir a conversação que, sob
os bons fluidos da visita papal, tanto nos enriqueceu os espíritos.
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