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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4240 Data: 30 de
julho de 2013
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A SURPRESA NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE I
E a surpresa anunciada pelo Jonas
Vieira no Rádio Memória do Sururu na Roda se confirmou.
-Apresentamos hoje um musicólogo,
escritor, jornalista, historiador, tradutor, crítico, editorialista...
-E acadêmico. - acrescentou o Sérgio
Fortes.
E, então, o apresentador do programa
anunciou o ilustre nome:
-Luís Paulo Horta.*
De todos esses predicados, detive-me,
em primeiro lugar, no crítico de música erudita do Globo. Quando Antonio
Hernandez morreu, duvidei que surgisse alguém que o substituísse com um texto
tão brilhante, apesar de ele ser boliviano, mas Luís Paulo Horta o substituiu à
altura. E passou a ser mais uma das minhas invejas por conhecer o arcabouço das
grandes obras musicais. Eu, repetindo uma imagem de Balzac, sei onde está a
luz, voejo ao seu redor, como as mariposas, sem conseguir penetrá-la.
-E mais: Luís Paulo Horta é um teólogo.
- frisou o Jonas Vieira que, em seguida, lançou a pergunta:
-Por que você é católico?
O convidado respondeu a princípio como
camoniano, porque viajara por mares nunca dantes navegados e, depois, enveredou
pela sua autobiografia, seu relacionamento com o pensamento oriental, até
voltar às suas raízes católicas.
E mais um predicado do Luís Paulo Horta
foi lembrado pela dupla de apresentadores do programa:
-Ele é enxadrista.
Não, não era, segundo suas palavras,
porque o xadrez exige muito tempo - uma partida dura quatro horas, quatro horas
e meia. Lembrei-me, então, de uma piada narrada por Alexandre Dumas numa das
suas obras: Balzac, ao saber que ainda lhe restavam nove horas de vida, disse
que ainda tinha tempo para escrever mais um romance. Ou seja, as horas gastas
em dois jogos pelos enxadristas seriam necessárias para Balzac elaborar mais um
livro.
-Há jogos de xadrez disputados por
correspondência. - assinalou o Luís Paulo Horta.
Jonas Vieira aludiu a um conto em que
dois enxadristas são os personagens, e seu convidado, por sua vez, um tanto
dubitativo, citou um conto de Nabokov sobre o jogo de xadrez como sua
derradeira obra.
Talvez houvesse mais o gosto pela
música do que pela literatura como o principal motivo de ele deixar para o
segundo plano o tabuleiro o que o assemelhava com Mário Henrique Simonsen, que
deixou de ser enxadrista para se dedicar à critica da música erudita, Ficando a
sua esposa, Iluska Simonsen, que até empatou com Boris Spassky, representando a
família.
-Há jogos de xadrez que são autênticas obras-primas.
– assinalou, com a imediata concordância dos apresentadores do programa.
Jonas Vieira deixou, então, o rei, a
rainha, cavalo, torre e peão, para se fixar no bispo, ou melhor, no papa.
-O Papa Francisco me encantou, apesar
de eu não ser católico.
-Hoje, qual é a personalidade mundial
que está no nível do Papa Francisco?... Temos o Mandela, mas está muito doente.
-Está na fronteira. - aditou Jonas
Vieira suas palavras às do teólogo.
Ex-alunos
do Santo Inácio, Sérgio Fortes e Luís Paulo Horta se referiram à presença
marcante do papa jesuíta,
Como ele chegou ao papado, depois de
uma renúncia que não ocorria há séculos na igreja, foi explicada,
descontraidamente, pela atuação do Espírito Santo como enxadrista.
Em seguida, todas as vozes se calaram e
a música de Handel se elevou absoluta. Soada a última nota, Luís Paulo Horta se
revelou um Handeliano e se queixou que seja um compositor subavaliado.
Jonas Vieira, como fizera no programa
do Sururu na Roda, mas com menos veemência, referiu-se às iniquidades do Vaticano,
citando o Banco Ambrosiano, e pediu uma explicação ao seu convidado.
-O ser humano é falível e essas falhas
repercutem mais quando cometidas por religiosos.
Prosseguindo, falou da longa doença do
Papa João Paulo II, em que a administração da Cúria ficou largada e que seu
sucessor, Bento XVI, é um grande teólogo, mas não um administrador...
-É
um pianista. - aparteou o Sérgio Fortes.
-Um pianista – confirmou – mas não um
administrador, o que deixou um vácuo na Cúria. A grande esperança agora é o Papa
Francisco.
-Imaginava-se que recairia a escolha de
um papa da América do Sul e que ele seria do Brasil. - manifestou-se o Jonas
Vieira.
-O critério não é geográfico. -
esclareceu o Luís Paulo Horta.
-Então, o Espírito Santo entrou como
enxadrista e o Cardeal Bergoglio foi o escolhido. - recorreu à imagem do seu
convidado.
-Ninguém em sã consciência quer ser
papa. - declarou o teólogo, provocando risos no Jonas Vieira e no Sérgio
Fortes.
Houve, de fato, nesse aspecto, uma
mudança radical na igreja católica, mormente para quem conhece as artimanhas
usadas pelo pai de César e Lucrécia Bórgia para se tornar o Papa Alexandre VI.
- pensei.
Luís Paulo Horta prosseguiu:
-Bento era muito ligado ao Papa João
Paulo II, acompanhou os seus últimos momentos.
-De fato. - repetiu o Sérgio Fortes.
Em seguida, todas as vozes se calaram,
e foi ouvida a Marcha Turca de Mozart num arranjo filarmônico.
-E, então? - perguntou o Sérgio Fortes
ao convidado com um orgulho que nos levantou a suspeita de que a refinada
seleção musical fora realizada por ele.
-Mozart é o gênio dos gênios.
O crítico de música lembrou, em
seguida, um teólogo protestante que declarara que os anjos tocam Bach para
Deus, mas, entre si, tocam Mozart, e Deus escuta atrás da porta.
Enquanto riam, continuou:
-Beethoven é racional, bem construído,
poderoso, mas você explica Beethoven.
Mozart não se explica, é um mistério.
E votou a aludir, descontraidamente, ao
Espírito Santo no surgimento de Mozart, provocando mais risos de alegria de
todos.
Jonas Vieira e Sérgio Fortes retornaram
ao tema da visita do Papa Francisco ao Brasil e à política do Vaticano.
-É surpreendente a aceitação popular
que o papa vem conseguindo. A figura de um argentino... Mas o Cardeal arcebispo
Dom Odilo Scherer foi cogitado como substituto do Bento XVI.
-Eu nunca achei que Dom Odilo tenha
sido apontado para enfrentar Angelo Scola, o Cardeal de Milão.
E reforçou a sua declaração ao dizer
que essa especulação sempre lhe pareceu artificial.
Mas Jonas Vieira insistia nos casos
escabrosos ocorridos nos papados.
-Stendhal escreveu as “Crônicas
Italianas”, baseado em documentos obtidos em cartórios, em que conta casos
horríveis acontecidos entre os papas.
Luís Paulo Horta confessou que ainda
não lera essas crônicas, mas disse que esses fatos não aconteciam mais, que não
acreditava numa teoria conspiratória.
-A primeira vez que você veio aqui,
falou do seu livro, como está ele?
Caramba, perdi esse programa! - disse
comigo mesmo, logo que ouvi a indagação do Jonas Vieira.
-O livro está na quarta edição.
-Qual é o nome?
-A Bíblia – Um Diário de Leitura.
Noto que me precipitei na narrativa do
diálogo. Mea culpa, mea maxima culpa.
Procurarei acertar a cronologia das falas na segunda parte, em que procuro, até
onde permite a minha memória e o meu gravador, reproduzi-las fielmente.
*As edições sobre esse programa foram
redigidas antes do falecimento do Luís Paulo Horta, depois, elas não seriam
possíveis, pois escrever é, para nós, um ato de alegria.
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