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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4209 Data: 15 de
Junho de 2013
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CARTAS DOS LEITORES
-Sou um ouvinte contumaz do instigante
Rádio Memória, da Roquette Pinto, mas tenho notado que o inefável Dieckmann
exagera nos adjetivos para expressar a sua infinita admiração por uma cantora,
orquestra, compositor, coral, gravação, enfim, dizendo na maioria das vezes que
são “arrebatadores”. Ele não poderia ser mais substantivo nos seus comentários
radiofônicos? Tomás
BM: Como o nosso amigo, de participante bissexto do
programa Rádio Memória, mais cedo ou mais tarde, irá formar um quarteto mágico
(coisa do Felipão) com Jonas Vieira, Sérgio Fortes e José Maurício, aqui vão
algumas palavras para ele expressar a sua admiração depois de as gravações
serem tocadas, ou mesmo, antes:
Vibrátil, ardente, arrebatante,
impressionante, eletrizante, cintilante, chispante, empolgante, elevada,
grandiosa, sublime, majestosa, opulenta, apaixonada, eloquente, intensa,
penetrante, férvida, fremente, flamifervente, flamante, fascinante,
avassaladora, indestrutível, eterna, comovente, palpitante, comovedora.
Já imaginaram o Dieckmann dizendo, por exemplo, que a
interpretação da Clementina de Jesus do “Incompatibilidade de Gênio”, do Aldir Blanc e João Bosco, foi flamifervente?
-Soube, pelos jornais, que a presidente
Dilma foi a Portugal, mas retornou falando ainda o “dilmês”, dialeto em que o
feminino de presidente é “presidenta” e em que, muitas vezes, as palavras se
juntam numa frase que fica sem sentido. Todavia, ela veio citando uma
personagem de Camões, o poeta mais festejado pelos lusitanos; trata-se do
“Velho do Restelo”. Não contente em não ajudar os nossos velhinhos aposentados,
ela usa o de Camões para defender a sua calamitosa política econômico-financeira
que afunda ainda mais o Brasil. Ademir
BM: Foram vários os colunistas que comentaram essa incursão da nossa
presidente pelos Lusíadas e procuraram fazer uma tradução plausível do “dilmês”
para o português do seu discurso. Merval Pereira, o mais esforçado desses
colunistas, para tanto, recorreu ao historiador e escritor Alberto da Costa e
Silva, à Cleonice Berardinelli, a nossa maior especialista em literatura
portuguesa, ao professor e filósofo Eduardo Lourenço e ao pensador Antonio
Sérgio.
Reproduz ele o que Alberto da Costa e
Silva registrou, que o Velho do Restelo disse várias coisas que realmente
aconteceram em Portugal: o esvaziamento demográfico do país por causa da ida
das pessoas para o Oriente em busca de riqueza fácil, o sacrifício de gerações
que acabaram enriquecendo os holandeses e os ingleses, a decadência da
agricultura e das manufaturas lusas. E finaliza Merval Pereira:
“Como se vê, a oposição pode bem
representar uma visão crítica do modelo instalado pelo governo Dilma no país,
sem ser pessimista e muito menos antipatriótica, como tanto Dilma quanto Lula
gostam de dizer, confundindo críticas ao governo com críticas ao país.”
O que a redação do Biscoito Molhado
estranhou foi o fato de ninguém lembrar que o Velho do Restelo foi fartamente
citado pelo deputado Ulysses Guimarães, no Congresso Nacional, quando investiu
contra aqueles que criticaram a Constituição de 1988. Eis que o cronista Jorge
Bastos Moreno, que já escrevera uma pequena biografia dele, em capítulos, no
Globo, refrescou a memória do nosso mundo político. De lambuja, cita, ipsis
litteris, um trecho do Ulysses Guimarães em que fala de Cassandra, porém
como agoureira, como ficou popularmente conhecida.
A bem da verdade, Cassandra, que sofreu uma maldição
do deus Apolo, porque não correspondeu aos seu assédio sexual, acertou em todas
as suas previsões.
-Fui uma das 200 mil pessoas que
estiveram no Maracanã que não viram essa bofetada do Obdúlio Varella no Bigode,
que só o Mário Filho viu, comentada na Folha de São Paulo pelo Ruy Castro. - Moacyr
BM: Meu caro Moacyr, li recentemente a crônica do Mário
Filho sobre o Fla x Flu da Lagoa, decisão do campeonato carioca de 1941, e
considerei uma página admirável, pois nela se via o historiador com o pulso de
literato. Todavia, ao escrever sobre a final da Copa de 1950, o irmão do Nélson
Rodrigues, com essa bofetada que “ardeu no rosto da multidão”, deixou que o
ficcionista sufocasse o historiador, incorrendo em leviandade. Nélson
Rodrigues nunca incorreu em erro parecido, ainda mais que a
sua pretensão, nas crônicas de futebol, era só literária.
Discordo, porém, da especulação feita,
não pelo Ruy Castro, mas por outro cronista, que os torcedores invadiriam o
campo e linchariam os uruguaios, caso esse tapa na cara ocorresse. Assisti, há
um ou dois anos, um documentário sobre essa decisão. Alguns jogadores uruguaios
contaram que, já campeões do mundo, saíram na noite desse domingo pelas ruas do
Rio de Janeiro, para espairecer e não foram perturbados. Naquela época, os
delinquentes não vestiam a camisa de um clube e se agrupavam nos dias de jogo.
Evaristo, que nos anos 50 e 60
conseguiu a façanha de ser ídolo do Real Madri e do Barcelona, além de ter sido
festejado pelos flamenguistas, tornou-se, depois, técnico de futebol, e disse,
dia desses, com toda experiência que acumulou: “Antes, os torcedores ficavam
tristes, cabisbaixos quando seus times perdiam, hoje, ficam furiosos,
agressivos.”
Concluímos que, caso uma seleção vença
o Brasil na Copa do Mundo de 2014 e seus jogadores saiam à noite, acabarão
pendurados em ganchos de açougue como bois esquartejados, no mínimo...
A Copa do Mundo no Brasil, em 1950,
basta ler os historiadores sem laivos literários, foi perdida na véspera,
quando os famigerados cartolas mexeram na programação dos atletas, trocando o
local da concentração, acrescida da missa de quase duas horas a que os
jogadores tiveram de assistir, de pé, horas antes da partida e outros fatores
extra-campo. Culpar jogadores, como fizeram com Barbosa e Bigode, pior do que
um crime foi um erro – como teria dito Talleyrand.
Recordo-me que, logo depois do fracasso
da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1966, o presidente da CBD, João
Havelange, afirmou na televisão que, em 1958 e 1962, o Brasil teve excelente
jogadores, mas que, em 1966, tínhamos apenas bons jogadores. Ocultou o fato de quatro seleções terem sido
convocadas para essa Copa, por pura politicagem sua e de demais cartolas, e o
Brasil ter saído dessa derrocada sem que ninguém soubesse qual foi, de fato, o
time titular.
Quatro anos depois, com quase os mesmos
jogadores 1966, o escrete brasileiro alcançou o seu terceiro título, no México,
de maneira inesquecível.
E, assim, chegamos ao apito final desta
edição.
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