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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4226 Data: 09 de
julho de 2013
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O SABADOIDO E O ARRAIAL DA DONA ZITA
O aquecimento para o Sabadoido não foi
o futebol.
-Vai assistir à luta do Anderson Silva,
Carlão?
-Ele não disse que perderia essa luta,
Daniel?
-Isso ele disse isso há uns quinze
dias, porque agora ele garante que vai esquartejar o americano, que na hora da
luta vai estar endiabrado. - imitou o Luca.
-A declaração dele... Sei não, esse MMA
envolve muito dinheiro, e onde há muitos dólares a máfia fica por perto.
-Você não gosta dessas lutas,
Carlinhos?- entrou a Gina na conversa.
-Na extinta TV Continental, nós víamos,
lá em casa, luta livre americana.
-O João Alberto da academia Gracie
quebrou o braço do Hélio Vinagre porque ele não deu os três tapinhas, que
significavam pedir penico. - reportou-se o Claudio também àquela época em que
nos juntávamos ao nosso pai diante da televisão.
-A mamãe dizia que era muita
brutalidade, e era mesmo. Com o passar dos anos, só a luta de boxe desperta a
minha atenção. - declarei.
-A luta de boxe é ainda mais violenta,
que causa até mortes, que não foram poucas. - retorquiu meu irmão.
-Concordo, o boxe é uma violência mais
limpa, mais asséptica, porém avassaladora. No entanto, o lutador cai, e o
adversário tem de ir logo para o seu corner, nessas lutas não; o sujeito
vai ao chão e o rival parte como um animal para socar a cara do adversário
caído.
-Eu também não gosto disso. - concordou
comigo a Gina.
-E as fotos da festa junina do Arraial
da Dona Zita? - passei para um assunto mais ameno.
-Há fotos no facebook?... -
surpreendeu-se a minha cunhada.
-A Candinha, que estudou comigo no
curso primário, é, agora, minha amiga virtual e postou algumas fotos da festa.
-Eu não vi. - lamentou.
-Eu apareci?
-Você esteve lá, Daniel?
Tomou a minha pergunta como uma piada e
desfilou um rosário de brincadeiras.
-Daqui, só o Claudio não foi. - trouxe
a Gina a seriedade ao diálogo.
-Com o fim da festa no Lar de Júlia, só
restou a da Dona Zita, na Chaves Pinheiro, porém, no ano passado, o espírito
junino da festa se perdeu com tantos convidados.
-Mas foi achado neste ano. - rebateu a
Gina as palavras do meu irmão.
Saiu, em seguida, para nutrir as
rolinhas de alpiste e ficamos nós três na cozinha proseando.
-Vão exumar o corpo do João Goulart
para saber se ele foi assassinado. - disse a Gina.
-Por que não fazem isso com o Napoleão
Bonaparte que, garantem, foi envenenado homeopaticamente pelos ingleses? -
manifestei-me.
-Carlão, nada mais resta do Napoleão. -
interveio o Daniel.
-Até rimou. - notou a Gina.
-Uns dizem que é rima, mas os
gramáticos exigentes afirmam que é eco, que deve ser evitado nas redações de
textos.
-Se for assim, as letras das músicas
estão repletas de eco.
-É verdade, Daniel, mas são reforços
fonéticos; ao escrever, devemos evitar palavras muito próximas uma da outra
porque fere o bom estilo. Letra de música é outra coisa.
-Você acha que o João Goulart foi
envenenado, Carlinhos?
-A princípio, não. Recordo-me que li,
quando ele se encontrava no exílio, que um médico lhe dissera que, se ele não
parasse de fumar, morreria e João Goulart continuou tabagista.
-E a morte do Juscelino Kubitschek não
foi estranha? - insistiu ela.
-Eu penso que mais estranho ainda foi
ele, que adorava viajar de avião, ter ido do Rio a São Paulo, de carro, para se
encontrar com a amante.
-Carlão, como você lança uma calúnia
dessas. - pilheriou meu sobrinho.
-Há até livro que diz que as mortes do
João Goulart, do Juscelino Kubitschek e do Carlos Lacerda, quase ao mesmo
tempo, antes da anistia, foram planejadas pelos militares.
-Sei que o Carlos Heitor Cony foi um
dos autores desse livro. Eu posso estar enganado, mas essa teoria da
conspiração é fruto de uma imaginação fértil. Por que não mataram o Brizola?...
Houve político mais odiado pela ditadura militar do que o Brizola?... Ele foi o
único exilado a causar problemas ao governo militar com criação de grupos de
resistência, tanto que, por exigência do Brasil, ele foi expulso do Uruguai e
se asilou nos Estados Unidos.
-Nos Estados Unidos? - gargalhou o
Daniel.
-Bem, dessa Comissão da Verdade da Dona
Dilma não vai sair nada mesmo. - demonstrou o seu ceticismo a Gina.
-Algumas coisinhas apareceram. Você
leu, Gina, que o diretor do Visconde de Cairu dedurou professores?...
-O Pena Firme?
-Não, o Eneias Martins Barros; quando
você entrou para o Cairu, ele estava saindo da diretoria.
-Mas ainda conheci o Eneias. O que
houve com ele?
-Ele alcaguetou professores que
simpatizavam com a ideologia da esquerda. A reportagem que li no Globo, há uns
três meses, traz o depoimento da família de um professor de geografia que teve
a carreira prejudicada pela delação do Eneias. Delator e delatados estão, hoje,
todos mortos.
-Lembro-me que ele era um lacerdista
fedorento. - criticou a Gina.
-Poucos dos meus professores faziam
catequese política no Visconde de Cairu. Um deles falou dos cangaceiros como
rivais da concentração de riquezas. Uma
professora de História falava do Mineirinho como se ele fosse um líder
revolucionário sem consciência dessa missão.
-Mineirinho, o refrigerante? - não
perdeu o Daniel a oportunidade para mais uma pilhéria.
-Mineirinho, o bandido. Essa
professora, que era botafoguense, dizia que, pelo fato de ele também torcer
pelo Botafogo (*), admirava ainda mais o meliante.
-E o Eneias entregou o nome dessa
professora aos militares? - interveio a Gina.
-Se entregou, parece que a Comissão da
Verdade não descobriu até agora.
Com a menção do Botafogo, meu sobrinho
passou a prosear sobre futebol.
-A Nigéria até que não foi mal na Copa
das Confederações.
-Eles são muito vigorosos, mas ainda
tratam a bola com cerimônia. - manifestei-me.
-Não há outros países, na África,
melhores do que a Nigéria?
À pergunta da Gina, vários países
africanos foram mencionados e, assim, passamos para a geografia.
-O problema de lá é que os nomes mudam.
-Sim, Gina, a Rodésia, por exemplo,
hoje é Botswana.
-E Zâmbia, Carlão? - acrescentou o
Daniel.
-Zaire já teve outro nome e a capital
de Moçambique, que era Lourenço Marques, hoje é Maputo.
-Carlão, aqui é uma casa de família. -
repreendeu-me meu sobrinho.
-Luca e Vagner estão chegando. -
anunciou o Claudio adentrando a cozinha.
(*) e ainda
dizem que time de bandido é o Flamengo. O Mineirinho e a Professora; isso dá
filme erótico, com bandeiras e uma Kombi para levar os torcedores.
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