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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4216 Data: 25
de junho de 2013
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O SABADOIDO SEM PASSEATA
PARTE II
Gina veio das compras e também se
preocupou ao ver, depois de mais um ano, a muleta. Luca repetiu o que nos
dissera com alguns acréscimos.
-Perguntaram-me onde fui socorrido
depois de atropelado pela motocicleta, respondi Salgado Filho e Rio Mar. Causei
espanto: “Hospital Rio Mar?!... Aquela merda.”
Aguardei, assim como a Gina, o Claudio e
o Vagner, a defesa veemente do Luca, e não nos decepcionamos:
-Meu amigo – disse-lhe – fiquei mais de
setenta dias internado no Rio Mar e fui tratado da melhor maneira possível, as
enfermeiras sempre à disposição, médicos especialistas sempre apareciam para me
assistir...
-Mas por que essa má vontade com o
hospital? - interveio o Claudio.
-Porque a pessoa que criticou o hospital
é advogado de uma família que sofre com a morte da menina que foi atendida por
um falso médico. Mas isso acontece em qualquer hospital.
-O Salgado Filho tinha um enfermeiro
mancomunado com uma casa funerária, que aplicava injeção nos doentes para que
eles partissem mais rápido.
-Bem lembrado, Claudiomiro. Há agora o
caso da médica, no Paraná...
-Que fazia eutanásia?...
-Antes fosse, Claudiomiro; ela matava os
pacientes para desocupar os leitos.
-Como ela é feia! A própria cara da morte.
- manifestou-se a Gina.
-Tenebrosa. - saiu o Vagner da mudez.
-Luca, enquanto isso, atendia, no seu
celular, um telefonema de Ourinhos, era o Zé da Luz, médico radiologista, amigo
e parente.
Meu irmão se levantou da cadeira e,
usando apenas o dedo polegar e o indicador, quis saber do Luca se iria beber,
ele movimentou a cabeça afirmativamente, se falasse, confundiria o seu
interlocutor no celular. Depois dessa mímica etílica, Gina se dirigiu ao Vagner
ao notar manchas no seu braço.
-Isso, Vagner, são vasos que estouram
sob a pele.
-Pois é, Gina, apareceram algumas dessas
manchas nos meus braços.
Enquanto ela indicava o remédio próprio
para isso, Claudio retornava com dois copos vazios até a metade. Luca, que já
fechara o flap do celular, estendeu o braço, enquanto cantava um trecho
de uma canção de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos:
-”Eu bebo para ter argumentos.”
Gina se levantou e se dirigiu para
dentro de casa.
Mas o grande assunto do momento era o
despertar do gigante adormecido: as manifestações de revolta popular de sul a
norte do Brasil.
-Eu não vou às passeatas, a Carolina e o
Pedro me representam. - citou os filhos.
-Pelo Facebook, eu vi que a Carolina não
está indiferente.
-Ela, com os outros professores da
UNIRIO, foi para a passeata.
-Vê-se muitos vândalos nessas passeatas.
- observou o Vagner.
-Carlinhos, quantas pessoas que praticam
vandalismo você calcula que participaram da passeata na Avenida Presidente
Vargas?
Como a pergunta me chegou de supetão,
respondi sem refletir:
-50.
-Julgo que há mais, digamos, 150.
Participaram da passeata 300 mil pessoas. Dez por cento disso é 30 mil, um por
cento é 3 mil, 150 vândalos são 0,0 mais alguma coisa.
Apesar de se considerar fraco em
matemática, o raciocínio do Luca era eloquente, pensei, enquanto já
reconsiderava que 300 vândalos seriam o mais próximo da realidade, além de
representar 0,01% do número de manifestantes.
São os 0,01% que ocupam 95% da mídia. -
concluímos.
-As televisões só mostram os saques, os
quebra-quebras, como se fosse só isso o que aconteceu. - vociferou o Luca com a
concordância de todos os presentes àquela sessão do Sabadoido.
-Eles pouco mostram os cartazes de
oposição aos descalabros que vêm acontecendo no Brasil. - bradou o Claudio.
Gina, que retornara, se referiu a alguns
manifestantes que, no dia anterior, sexta-feira, passara frete à sua casa rumo à concentração na Barra da Tijuca e em Jacarepaguá. E
repetiu alguns coros que cantaram que mais pareciam aqueles que os torcedores
de estádios de futebol entoam.
E os comentários pulularam:
-Os empresários de ônibus ganham rios de
dinheiro.
-Eles financiam campanhas eleitorais.
-E os candidatos eleitos, em troca,
aumentam as passagens.
-E o povo que se dane.
Depois de uma pausa para tomada de
fôlego, a voz do Vagner se fez ouvir:
-Domingo, vai haver outra manifestação.
-A todo o momento, passeata, eu não
concordo... - retorquiu o Claudio.
-Carlinhos, a Rosa pediu que eu lhe
entregasse este livro.
E passou-me às mãos um calhamaço de mais
de 400 páginas com o título “Epopeia do Pensamento Ocidental.”
-Creio que era o livro que iria lhe dar
no seu aniversário, em outubro, mas ela se antecipou.
Como tenho umas leituras na frente, devo
lê-lo mesmo em outubro. - calculei.
Em seguida, sacou uns papéis amarelos,
que logo deduzimos que eram cartas da Rosa.
-Ela escreveu que o “Velho do Restelo”,
citado pela Dilma, nada tinha de agourento.
-Eu falei com o Claudio, dias antes, que
nenhum jornalista lembrara que o Ulysses Guimarães já se referiu ao “Velho do
Restelo”. Depois, li a coluna do Jorge Moreno Bastos que faz essa ligação, mas
ele não disse que a citação do Ulysses se deu no discurso em que ele anunciou a
Constituição de 1988. - tagarelei.
-Citou-o como agourento? - indagaram.
-Sim, mas o “Velho do Restelo” não
errou, assim como Cassandra, que previu a derrota de Troia, no poema de
Virgílio, acertou. - respondi.
Gina retornou para dentro de casa, e eu
perguntei ao Luca se ouvira a Radio Memória com a presença do Simon Khoury.
-Eu sintonizava muito a Rádio Jornal do
Brasil, Carlinhos.
-A programação era ótima. - disse o
Claudio.
-A Rádio Roquette Pinto, graças ao
Arthur da Távola, é de novo uma excelente emissora. Durante muitos anos, eu
fugia dela. - frisei.
-O Arthur da Távola foi muito
importante.
-Mas você ouviu o Simon Khoury, Luca, os
casos que contou, as raridades do seu acervo?...
Carlinhos, não era só ele na Rádio
Jornal do Brasil, havia o Sérgio Chapelin, o …
-Eliakim Araújo.
-Isso. E outro... - falhou de novo sua
memória.
Leila Cordeiro. - não, eu não citei o
nome da sua parceira por muitos anos, perdi a piada.
-Lembra-se Luca, que nós ouvíamos o
programa do Simon Khoury, no rádio do seu carro, quando você me pediu para
dirigir seu fusquinha. Eu, que nunca guiei veículo algum, coloquei o pé direito
na embreagem? Gozaram-me muito, que eu ia pilotar de letra...
-O Cláudio ganhou uma viagem no ônibus
espacial Challenge, que explodiu, quando acertou o nome de uma gravação que o
Simon Khoury colocara como questão a ser decifrada pelos ouvintes.
E com essas lembranças da extinta Rádio
Jornal do Brasil o Sabadoido foi chegando ao seu final.
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