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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4219 Data: 29 de
junho de 2013
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163ª CONVERSA
COM OS TAXISTAS
Eu estava no táxi do “Meu Nobre”, que
não é refratário a uma conversa e, por isso, levei o assunto para a China.
-Recebi uma mensagem eletrônica sobre as
observações de um brasileiro que vive na China. Disse ele que os chineses
obedecem às leis, que são rigorosas, mas não às leis de trânsito.
-Aqui também não. - aparteou.
-Sim, mas lá, eles dirigem, segundo essa
testemunha, como loucos. Guiam os carros como se fossem bicicletas, dão ré na
autoestrada, entram na contramão, fazem retorno onde não podem...
-Imagino que os acidentes de trânsitos sejam
muitos.
-Segundo ele, não há muitos acidentes
porque os chineses dirigem devagar.
-São como as mulheres daqui.
Depois dessa observação verdadeira, mas
preconceituosa, virou sua bateria contra os chins.
-Eles trabalham dezesseis horas por dia
e o salário é pequeno.
-As construções lá ficam logo prontas,
não existem obras de igreja...
E não perdi a piada:
-Eles não são religiosos.
E segui adiante:
-Para que não haja perda de tempo nessas
edificações, eles dormem no próprio serviço.
-No Brasil, as construções atrasam
porque as empreiteiras visam o superfaturamento. - não perdeu a crítica, aliás,
pertinente.
-Não se pode confundir um chinês com
japonês, eles se ofendem.
-Mas o padrão de vida do povo japonês é
infinitamente superior. - frisou.
-Os chineses não desconhecem a sua
história, sabem das perversidades cometidas pelos nipônicos contra seus pais.
Terminei de fazer essa observação, e ele
me disse:
-Chegamos, meu nobre.
O Botafoguense, como diria o Nélson
Rodrigues, exalava uma cava depressão.
-O time do Botafogo, que não perdia
desde fevereiro, que está justinho – todas as peças se encaixando – se desfaz.
Foi-se o primeiro jogador para o estrangeiro, outro mais, mais outro...
Como as pombas do Raimundo Correia. -
pensei, mas nada disse, pois, talvez, ele desconhecesse o soneto.
-Paciência: tem-se de fazer caixa, agora
que ficou sem o Engenhão, para pagar o salário dos jogadores que está atrasado
dois ou três meses. - conformou-se.
-Eu, como torcedor, me refugio muito no
passado.
-Eu não posso fazer isso, como você,
pois o meu passado de torcedor vai de 1969 a 1990, quando ficamos na seca.
-Mais vinte anos e nós, botafoguenses,
ficaríamos como os hebreus liderados por Moisés. - não perdi a piada.
-E então? - estimulou-me a continuar.
-Quando eu tinha 15 anos de idade,
Mosquito, um amigo bem mais velho do que eu, da Rua Americana, compositor de
Samba do Inferno Verde...
-Conheci, passou a se chamar Unidos do
Cachambi. - interrompeu-me com essa lembrança.
-Mosquito, que também torcia pelo
Botafogo, chamou a minha atenção, em 1963, para o time juvenil. “Se jogar
contra os titulares, vence.” - garantiu-me.
-Vencia mesmo?... - mostrou-se incrédulo, não percebendo a
imaginação inflamada do meu amigo compositor de samba enredo.
-Leio “Há 50 anos”, do Globo e me
transfiro para aquela época, ou sou transferido, pois a memória afetiva é muito
atuante.
-Deixa-me fazer os cálculos... Isso foi
em 1963. - disse ele.
-Em 1963, o Botafogo levantou o título
carioca de juvenis derrotando o Flamengo por 6 a 0.
-Parece que essa goleada é uma sina que
persegue os jogos entre os dois clubes. - comentou com uma gargalhada que lhe
estremeceu a pança.
-Quem jogava nesse time? Arlindo, Óton,
Jairzinho, Roberto... - citei.
-Jairzinho e Roberto Miranda seriam
tricampeões do mundo em 1970. - animou-se.
-Eu não gosto de falar tri, tetra,
penta... Tudo é invenção da mídia; o Brasil seria tricampeão do mundo se
levantasse a Copa do Mundo em 1966 e penta, se ganhasse a de 1974.
Como eu não pretendia tirar-lhe o entusiasmo
com essa crítica àqueles que desvirtuam os fatos, voltei para a epopeia do
nosso clube.
-Mesmo com todos os campeões do mundo,
no time titular, eram cinco, alguns juvenis subiram para o primeiro time.
-Jairzinho foi um deles?- deduziu.
-No final de junho de 1963, o Botafogo
pretendia levar o Jairzinho para o Peru, quando jogaria contra o Alianza de
Lima, e o Exército não liberava, então, o Ministro da Guerra interveio e ele
foi liberado.
-Mesmo o Pelé serviu o Exército, e jogou
pela seleção das Forças Armadas. Vi isso num filme. - disse ele.
-Também foram na delegação o Óton, o
Arlindo...
-O Jairzinho entrou no lugar de quem?
-Creio que no lugar do Garrincha, pois
ele já sentia o problema crônico no joelho. Infelizmente, para o futebol, a
última grande exibição do Garrincha foi na final de 1962 contra o Flamengo.
-Sabe por que o Botafogo tinha essa
garotada excelente?
Era uma pergunta retórica, pois não me
deixou responder:
-Por causa da escolinha do Neca, aqui no
Nova América, do Armando Bebianno. Este sim, foi um empresário que não usou o
Botafogo para ganhar dinheiro, pois os tecidos já o enriqueciam. Armando Bebianno
gostava do Botafogo como nós.
E não pôde prosseguir, pois já estávamos na Rua
Modigliani.
No dia subsequente, peguei o carro do
Sarará (como já expliquei, assim o trato por desconhecer seu nome e nunca
decorar o número do seu táxi).
Como ele sempre se mostra curioso com as
viagens de metrô, porque não se locomove com outro veículo que não seja o seu,
antecipei-me:
-O metrô estava, agora, melhor.
-Você saiu mais cedo por causa das
manifestações na cidade?
-Sim, mas saí, ontem, às 3h da tarde, e
o metrô foi um sufoco. Para evitar as passeatas, muitos saíram do emprego mais
cedo.
-E na ida?
-Algumas vezes, pego o trem do metrô
antes das 6h da manhã, viajo, então, confortavelmente... bem, em termos
relativos, pois não dá para sentar.
-Você sai tão cedo assim?
-Como existe um banco de horas no meu
trabalho, às 3h 30min, mais ou menos, eu já completo as 8 horas exigidas.
-Você vem até aqui, Maria da Graça?
-Não, na ida, ando até a estação de Del
Castilho. Para não praticar caminhadas só aos sábados, domingos e feriados, nos
outros dias, alongo meu caminho até a estação subindo o viaduto e, em seguida,
passando defronte ao Shopping Nova América para subir as duas rampas que me
levam até lá. Cronometrados, são 23 minutos, tempo que o trem me leva de Del
Castilho à estação Carioca.
-E amanhã, vai haver manifestação?
-Nunca, na história deste país, no
segundo governo do Lula, se viu as burras tão cheias de dinheiro, mas, em vez
de se investir em infraestrutura, na melhoria da educação e saúde,
principalmente, visaram o interesse das empreiteiras. Diga-se de passagem, o
Lula é lobista delas.
-Ontem, na manifestação de Niterói,
queimaram um ônibus e um amigo morreu.
-Houve mortes lá? - perguntei.
-Houve, mas não estão informando.
E o diálogo parou ali porque já
estávamos na Rua Modigliani.
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