Total de visualizações de página

sexta-feira, 12 de julho de 2013

2419 - vim de táxi



---------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4219                                   Data:  29 de  junho de 2013
-----------------------------------------------------------------

163ª  CONVERSA COM OS TAXISTAS

Eu estava no táxi do “Meu Nobre”, que não é refratário a uma conversa e, por isso, levei o assunto para a China.
-Recebi uma mensagem eletrônica sobre as observações de um brasileiro que vive na China. Disse ele que os chineses obedecem às leis, que são rigorosas, mas não às leis de trânsito.
-Aqui também não. - aparteou.
-Sim, mas lá, eles dirigem, segundo essa testemunha, como loucos. Guiam os carros como se fossem bicicletas, dão ré na autoestrada, entram na contramão, fazem retorno onde não podem...
-Imagino que os acidentes de trânsitos sejam muitos.
-Segundo ele, não há muitos acidentes porque os chineses dirigem devagar.
-São como as mulheres daqui.
Depois dessa observação verdadeira, mas preconceituosa, virou sua bateria contra os chins.
-Eles trabalham dezesseis horas por dia e o salário é pequeno.
-As construções lá ficam logo prontas, não existem obras de igreja...
E não perdi a piada:
-Eles não são religiosos.
E segui adiante:
-Para que não haja perda de tempo nessas edificações, eles dormem no próprio serviço.
-No Brasil, as construções atrasam porque as empreiteiras visam o superfaturamento. - não perdeu a crítica, aliás, pertinente.
-Não se pode confundir um chinês com japonês, eles se ofendem.
-Mas o padrão de vida do povo japonês é infinitamente superior. - frisou.
-Os chineses não desconhecem a sua história, sabem das perversidades cometidas pelos nipônicos contra seus pais.
Terminei de fazer essa observação, e ele me disse:
-Chegamos, meu nobre.

O Botafoguense, como diria o Nélson Rodrigues, exalava uma cava depressão.
-O time do Botafogo, que não perdia desde fevereiro, que está justinho – todas as peças se encaixando – se desfaz. Foi-se o primeiro jogador para o estrangeiro, outro mais, mais outro...
Como as pombas do Raimundo Correia. - pensei, mas nada disse, pois, talvez, ele desconhecesse o soneto.
-Paciência: tem-se de fazer caixa, agora que ficou sem o Engenhão, para pagar o salário dos jogadores que está atrasado dois ou três meses. - conformou-se.
-Eu, como torcedor, me refugio muito no passado.
-Eu não posso fazer isso, como você, pois o meu passado de torcedor vai de 1969 a 1990, quando ficamos na seca.
-Mais vinte anos e nós, botafoguenses, ficaríamos como os hebreus liderados por Moisés.  - não perdi a piada.
-E então? - estimulou-me a continuar.
-Quando eu tinha 15 anos de idade, Mosquito, um amigo bem mais velho do que eu, da Rua Americana, compositor de Samba do Inferno Verde...
-Conheci, passou a se chamar Unidos do Cachambi. - interrompeu-me com essa lembrança.
-Mosquito, que também torcia pelo Botafogo, chamou a minha atenção, em 1963, para o time juvenil. “Se jogar contra os titulares, vence.” - garantiu-me.
-Vencia mesmo?...  - mostrou-se incrédulo, não percebendo a imaginação inflamada do meu amigo compositor de samba enredo.
-Leio “Há 50 anos”, do Globo e me transfiro para aquela época, ou sou transferido, pois a memória afetiva é muito atuante.
-Deixa-me fazer os cálculos... Isso foi em 1963. - disse ele.
-Em 1963, o Botafogo levantou o título carioca de juvenis derrotando o Flamengo por 6 a 0.
-Parece que essa goleada é uma sina que persegue os jogos entre os dois clubes. - comentou com uma gargalhada que lhe estremeceu a pança.
-Quem jogava nesse time? Arlindo, Óton, Jairzinho, Roberto... - citei.
-Jairzinho e Roberto Miranda seriam tricampeões do mundo em 1970. - animou-se.
-Eu não gosto de falar tri, tetra, penta... Tudo é invenção da mídia; o Brasil seria tricampeão do mundo se levantasse a Copa do Mundo em 1966 e penta, se ganhasse a de 1974.
Como eu não pretendia tirar-lhe o entusiasmo com essa crítica àqueles que desvirtuam os fatos, voltei para a epopeia do nosso clube.
-Mesmo com todos os campeões do mundo, no time titular, eram cinco, alguns juvenis subiram para o primeiro time.
-Jairzinho foi um deles?- deduziu.
-No final de junho de 1963, o Botafogo pretendia levar o Jairzinho para o Peru, quando jogaria contra o Alianza de Lima, e o Exército não liberava, então, o Ministro da Guerra interveio e ele foi liberado.
-Mesmo o Pelé serviu o Exército, e jogou pela seleção das Forças Armadas. Vi isso num filme. - disse ele.
-Também foram na delegação o Óton, o Arlindo...
-O Jairzinho entrou  no lugar de quem?
-Creio que no lugar do Garrincha, pois ele já sentia o problema crônico no joelho. Infelizmente, para o futebol, a última grande exibição do Garrincha foi na final de 1962 contra o Flamengo.
-Sabe por que o Botafogo tinha essa garotada excelente?
Era uma pergunta retórica, pois não me deixou responder:
-Por causa da escolinha do Neca, aqui no Nova América, do Armando Bebianno. Este sim, foi um empresário que não usou o Botafogo para ganhar dinheiro, pois os tecidos já o enriqueciam. Armando Bebianno gostava do Botafogo como nós.
E não pôde prosseguir, pois já estávamos na Rua Modigliani.

No dia subsequente, peguei o carro do Sarará (como já expliquei, assim o trato por desconhecer seu nome e nunca decorar o número do seu táxi).
Como ele sempre se mostra curioso com as viagens de metrô, porque não se locomove com outro veículo que não seja o seu, antecipei-me:
-O metrô estava, agora, melhor.
-Você saiu mais cedo por causa das manifestações na cidade?
-Sim, mas saí, ontem, às 3h da tarde, e o metrô foi um sufoco. Para evitar as passeatas, muitos saíram do emprego mais cedo.
-E na ida?
-Algumas vezes, pego o trem do metrô antes das 6h da manhã, viajo, então, confortavelmente... bem, em termos relativos, pois não dá para sentar.
-Você sai tão cedo assim?
-Como existe um banco de horas no meu trabalho, às 3h 30min, mais ou menos, eu já completo as 8 horas exigidas.
-Você vem até aqui, Maria da Graça?
-Não, na ida, ando até a estação de Del Castilho. Para não praticar caminhadas só aos sábados, domingos e feriados, nos outros dias, alongo meu caminho até a estação subindo o viaduto e, em seguida, passando defronte ao Shopping Nova América para subir as duas rampas que me levam até lá. Cronometrados, são 23 minutos, tempo que o trem me leva de Del Castilho à estação Carioca.
-E amanhã, vai haver manifestação?
-Nunca, na história deste país, no segundo governo do Lula, se viu as burras tão cheias de dinheiro, mas, em vez de se investir em infraestrutura, na melhoria da educação e saúde, principalmente, visaram o interesse das empreiteiras. Diga-se de passagem, o Lula é lobista delas.
-Ontem, na manifestação de Niterói, queimaram um ônibus e um amigo morreu.
-Houve mortes lá? - perguntei.
-Houve, mas não estão informando.
E o diálogo parou ali porque já estávamos na Rua Modigliani.

Nenhum comentário:

Postar um comentário