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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4225
Data: 08 de julho de 2013
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PARA QUE A MEMÓRIA NÃO SE PERCA DE VEZ
O que testemunhei na Marinha Mercante
vou tentar aqui reproduzir no
corte temporal de 1979 a 1993 com o objetivo de espanar a poeira do
esquecimento sobre muitos fatos
relevantes para nós que lidamos com a matéria.
Citei 1979 porque, nesse ano, entrei,
como estagiário do Bureau de Fretes, da SUNAMAM, cuja atividade principal era
reajustar, anualmente, os fretes básicos praticados pelas conferências de
fretes e majorar, ou reduzir, as sobretaxas de combustível (bunker surchage)
caso elas variassem em mais de 1%, além de manter atualizadas as tarifas de
fretes de uma por uma das cargas transportadas pelas conferências, que formavam
verdadeiros calhamaços. O que
explica a multitude de páginas dessas tarifas de fretes era o fato de as chamadas
cargas nobre serem fragmentadas, na época; assim, o preço era praticado por
tonelada, nas mercadorias mais densas e por metro cúbico nas mercadorias mais
volumosas (outras bases de cobrança existiam, mas essas predominavam
largamente). Houve, por isso, até estatísticas por freighton, que somavam
tonelada com metro cúbico. Mais tarde, com o predomínio dos contêineres, o
frete da grande maioria dessas cargas passou a ser cobrada por TEU (Twenty
Equivalent Unit) ou FEU (Fourty Equivalent Unit). Antes, por exemplo, o
frete incidia até sobre a saca de
60 kgs, como no caso do café.
Em 1979, a carga geral (chamadas de
cargas nobres) eram transportadas northbound (exportação) e southbound
(importação) através do mercado cartelizado pelas conferências de fretes.
Cabendo aos armadores não conferenciados (os outsiders), apenas 20% do comércio
marítimo do nosso país. (*)
A primeira conferência de fretes surgiu
em 1875 nas rotas entre o Reino Unido e Calcutá. A introdução de velozes navios
a vapor havia trazido instabilidade ao mercado devido à concorrência com navios
que, até então, operavam. A solução para esses armadores enfrentarem a
concorrência foi firmar acordos para limitar a capacidade de transportes e
determinar os valores dos fretes. Mais de 100 anos depois, em 1980, havia mais
de 300 conferências de fretes no mundo.
No Brasil, as principais eram a CIAF
(Conferência Interamericana de Fretes), a BEB (Brasil/Europa/Brasil), a BMB
(Brasil/Mediterrâneo/Brasil) e a Far East (Brasil/Extremo Oriente/Brasil). A
SUNAMAM era o órgão normativo e o Lloyd Brasileiro era o braço operacional do
estado, a única empresa brasileira a
pertencer a todas as conferências de fretes. A partir de 1968, uma
empresa privada passou a dividir a parte brasileira com a estatal, Netumar, na
CIAF; Aliança, na BEB; CIA Paulista de Navegação, na BMB; Frota Oceânica, na
Far East.
Com o primeiro choque do preço do barril
do petróleo, em outubro de 1973, que o quadruplicou, e o segundo, em 1979, que
mais do que triplicou, as sobretaxas de combustível se tornaram elevadas; para
exemplificar, nos fretes básicos das mercadorias transportadas pela CIAF,
chegaram a incidir 26% e, para o Extremo Oriente, 33%, consequentemente, os
fretes brutos eram altíssimos.
Os exportadores, que arcavam com esses
altos custos, se uniram, nos anos 80,
formando a AEB (Associação dos Exportadores Brasileiros) para enfrentar
os armadores. O governo brasileiro, com sérios problemas no balanço de
pagamentos, lançou o slogan “O que exporta é o que importa”, o que fortaleceu a
posição dos exportadores e conteve as majorações dos fretes marítimos. No
entanto, as conferências de fretes ainda se mantinham absolutas.
Porém, uma bolha estava prestes a
explodir em meados da década de 80. Para entendê-la temos de recuar um pouco no
tempo. O governo Geisel, sob a batuta do ministro do Planejamento, Reis Veloso,
elucubrou o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979) com o
objetivo de estimular a produção de bens de capital, energia, etc. No seu bojo,
se achava o Segundo Plano Nacional de Construção Naval, que levaria o Brasil para o segundo lugar no mundo
em Construção Naval, mas não era um desenvolvimento sustentado: a bolha se
esvaziou, escândalos espocaram e a frota própria brasileira, no tráfego
internacional, despencou para 3% do total de embarcações que singram os oceanos.
Além da força que os exportadores
obtinham nas suas reivindicações, através da AEB, medidas internacionais
freavam o ímpeto das conferências de Fretes. Citaremos aqui o Consenso de
Washington, reunido em novembro de 1989,
um conjunto de medidas formuladas pelo Banco Mundial, o FMI e o
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que era composto de dez regras
básicas para promover o ajustamento macroeconômico dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades,
entre elas a abertura comercial e a privatização das estatais.
Feridas de morte, as conferências de
fretes se extinguiram nos primeiros anos da década de 90, a SUNAMAM já
fora extinta pelo Plano Verão de
16 de janeiro de 1989. Quanto ao Lloyd Brasileiro, que chegou a ter 122
embarcações em 1939, morreu com 107 anos de idade, em 1997, num abismo de
dívidas que afugentou até as empresas estrangeiras que pensaram em adquiri-lo.
No ano 1993, foi publicado um artigo no
Jornal do Brasil que afirmava que os fretes marítimos internacionais praticados
no Brasil caíram de 50 a 60% quando comparados com a década passada. Houve
dúvidas entre alguns funcionários do Departamento de Marinha Mercante, órgão
que abrigou os sobreviventes do naufrágio da SUNAMAM. Essas dúvidas não puderam
ser dirimidas porque as supramencionadas tarifas de fretes, aqueles calhamaços,
se perderam irremediavelmente com o fim da SUNAMAM e do Lloyd Brasileiro (mais
um exemplo do descaso pela nossa memória). Porém, como trabalhei mais de dez
anos com esses valores, lembro-me de alguns deles perfeitamente.
Como amostra, aqui vai o frete do café
para os Estados Unidos:
Frete básico em 1979: US$ 7,60 por saca
de 60 kgs
Sobretaxa de combustível: 26%, o que
perfazia um frete bruto de US$ 9,576 por saca. Considerando que num contêiner
de 20 pés cabem 300 sacas, o frete por contêiner seria US$ 2873,80.
Tendo em vista que o frete bruto por
contêiner do café, em 1993, era de
US$ 1500,00, havia uma redução de
52%.
E também vai aqui o frete do calçado,
exportado para o mesmo país. Essa
carga tinha um frete especial temporário caso o contêiner de 20 pés fosse otimizado com 3,8 ton ou
um peso próximo, assim, o valor era US$ 599,00 por tonelada. Logo, tínhamos:
Frete básico: US$ 599,00 por tonelada.
Sobretaxa de combustível: 26%, o que
perfazia um frete bruto de US$ 754,74 por tonelada Considerando as 3,8 ton que cabiam num contêiner de 20
pés, o frete bruto por contêiner
seria US$ 2868,01.
Tendo em vista que o frete bruto por
contêiner do calçado era de US$ 1600,00 , em 1993, havia uma redução de 55%.
Na verdade, os fretes caíram, de uma
maneira, geral drasticamente. O contraponto foi que, com uma frota própria
irrisória, não tínhamos mais condições de comercializar internacionalmente sem
que as nossas divisas fossem para o exterior na rubrica frete do balanço de
pagamentos. (**)
Bem, esse texto é apenas uma modesta
contribuição que almeja que o nosso passado recente não caia em total
esquecimento.
(*) O Brasil,
sempre inventando a roda e na contramão da História, não gostou de abrir 20%,
mas acabou praticando, com a pressão dos países outsiders – Noruega e Grécia,
protagonistas – a divisão 40% para cada nação, ou a exportadora, ou a
importadora e os 20% restantes para os outsiders. Na época, chamavam os
outsiders de piratas, porque prejudicavam as bandeiras nacionais, praticando
fretes baixos.
Hoje só há
outsider, a navegação é livre em todo o mundo, inclusive no Brasil e, por isso,
os preços estão mais baixos. Pode parecer estranho ao leitor, mas navegação é
como um caminhão, ou um taxi, você sempre escolhe o de menor custo, E, para botar
a cereja no bolo, se os outsiders eram chamados de piratas, o que dizer dos
Armadores brasileiros, um bando de bandidos equivalentes a qualquer grupo de
usineiros, que não honram empréstimos, especialmente se concedidos pela Viúva.
(**) Esta é
uma questão interessante, que envolve balanço de pagamento e noções de
soberania. Alguns países sustentam uma frota própria, subsidiando a operação
dos armadores nacionais. O Brasil já subsidiou, em parte devido aos nossos
tributos e carga trabalhista, depois desistiu da brincadeira e hoje temos frota
própria apenas na cabotagem. A Navegação Brasileira continua sendo um setor
fortemente regulamentado e burocratizado e o armador não pode competir de igual
para igual com o competidor estrangeiro. Não pode vender o navio que não lhe é
adequado e não pode comprar um usado de segunda mão. Em suma, o que vale para o
caminhão e avião não tem paralelo na navegação.
Depois nego
reclama que o transporte aqui é excessivamente rodoviarista.
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