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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4215 Data: 23
de junho de 2013
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O SABADOIDO SEM PASSEATA
-Daniel, nada contra o Tahiti, os
jogadores são de uma simpatia contagiante, mas por que eles participam da Copa
das Confederações?
-Porque eles são os campeões da Oceania?
-Espere lá, eles não tem futebol para
ganhar da Austrália.
-Carlão, a FIFA é tão poderosa que
colocou a Austrália na Ásia, ela disputa as eliminatórias da Copa do Mundo,
agora, na chave do Japão.
-Sei que ela é poderosa, Daniel. A FIFA
manda hoje mais no Brasil do que o FMI em anos passados.
-Nesse instante, o Claudio interveio:
-A FIFA colocou Israel na Europa, ela
disputa a ida para o Brasil, em 2014, na chave de Portugal, Rússia...
-E Portugal sofreu para empatar com
Israel por 3 a
3, o gol do Coentrão foi no último apito do juiz. - atropelou-o com sua fala o
Daniel.
-Nesse caso, a FIFA está certa. Já
imaginou partidas da seleção de Israel contra Irã, Iraque?...
-Não seria a primeira guerra a começar
num estádio de futebol. - lembrei o jogo Honduras e El Salvador de 1969.
Daniel se levantou da cozinha informando
que iria sair do carro e o tema entre mim e o Claudio passou a ser os filmes em
cartas na TV a cabo.
-Abriram os canais da HBO na NET para
degustação.
-Eu sei, Claudio, mas isso não me
empolga. Há alguns meses que a qualidade dos filmes programados pela HBO caíram
de qualidade. Quando quero ver um bom clássico do cinema, compro pela NET, não
demora mais de cinco dias para chegar o DVD. Ontem mesmo, comprei “Uma Noite na
Ópera”, dos Irmãos Marx.
-Nas Lojas Americanas do Norte shopping,
você encontra bons filmes e bem mais baratos.
Acham-se lá também filmes lançados há pouco tempo, como “Lincoln”.
-Bem lembrado, Claudio; ainda não vi.
O telefone tocou, era o Vagner. Meu
irmão pediu que aguardasse mais quinze minutos para aparecer no Sabadoido.
Em seguida, ergueu-se da cadeira com um
pacote de painço na mão e foi para frente da casa alimentar as rolinhas. Peguei
o Globo, com os cadernos do jornal espalhado pela mesa e passei a ler.
Daniel passou pela cozinha com a rapidez
de um atleta jamaicano, mas como a sua velocidade ainda não era maior do que a
do som, ouviu-me perguntar-lhe se ia a alguma passeata.
-Irei à da semana que vem.
As notícias e comentários sobre as
manifestações populares contra o poder legislativo e executivo tomavam o espaço
de quase que todo o jornal. Distraí-me tanto na leitura, que não ouvi que as
vozes do Claudio, do Vagner e a do Luca já soavam há algum tempo. Fui para mais
uma sessão do Sabadoido, e lá me assustei ao rever a muleta do Luca.
-O que houve?
-Deixa-me acabar de contar isso, e
depois eu passo para as desgraças.
O velho clichê: uma notícia boa e uma
ruim. A notícia boa, que contava, era que ganhou uma bolada no jogo do bicho.
Mostrou o resultado de duas extrações e sabatinou meu irmão.
-Claudiomiro, por que joguei nesses
números? Claudio não queimou as
pestanas, pelo contrário, respondeu sem pestanejar.
-Porque 19/06/1944 foi o dia em que o
Chico Buarque nasceu e ele aniversariou esta semana.
-Acertou, Claudiomiro.
Em seguida, Luca contou os malabarismos
que fez com os algarismos da data de nascimento do seu compositor preferido,
cercando, invertendo, etc, para ganhar, nas duas vezes que jogou, mais de 3 mil
reais.
-Papai dizia que os bicheiros iam
matá-lo de tanto que você ganha. - lembrei. - disse.
-O pai sempre foi exagerado. - criticou
o Claudio.
-Você sabia desse comentário do meu pai,
Luca?
-Sabia, Carlinhos.
Agora, a notícia ruim:
-Estou com uma fratura por stress. -
disse, envolvendo com a mão a perna direita.
-O que houve com o outro pé? - mostrei
apreensão ao notar que o seu sapato mal continha o seu pé.
-Está inchado.
E narrou o seu problema:
-Com dores na perna, fui tirar uma
radiografia, no Pasteur, e o médico disse que o caso era para exame de imagem.
Feito o exame, ele diagnosticou fratura por stress. Eu confesso que me
espantei.
-Por stress, doutor?!... tentou
reproduzir a sua perplexidade.
-O Dedé, quando jogava no Vasco, teve
uma fratura por stress. - manifestei-me.
-Ficou muito tempo parado? -
interessou-se.
-Mais de um mês.
A minha resposta o deixou um pouco
desolado, mas prosseguiu na sua narrativa.
-O médico queria me imobilizar ali
mesmo, mas eu lhe disse que vim dirigindo.
Certo, era uma boa desculpa, mas havia certa
rebeldia da sua parte, pois não engessou a perna posteriormente. - pensei sem
me manifestar.
-Depois do atropelamento, fiquei com uma
perna mais curta do que a outra. Há cinco anos que eu jogo o peso do meu corpo
nesta perna. Isso provocou a fratura por stress na perna sobrecarregada, por
isso, voltei a usar a muleta.
-Você ainda faz caminhadas?
-Carlinhos, eu só tenho jogado,
atualmente, pingue-pongue.
-Depois que o Gordo me inscreveu na
Associação Atlética Banco do Brasil, eu tenho jogado muitas vezes por semana,
fui até ranqueado.
-E tem vencido o Gordo?
-Claudiomiro, não há muita lógica
naqueles resultados. O mesatenista que ganhou do Gordo perdeu para mim,
enquanto eu perdia para o Gordo, e por aí vai.
-E continua segurando a raquete como
caneta? - quis saber meu irmão, enquanto o Vagner seguia a conversação com
olhares irônicos.
-Jogo como caneteiro há 50 anos e não dá
mais para mudar. - enfatizou.
E prosseguiu:
-Sei que fico com menos recursos
segurando a raquete assim, mas é um vício que não sai mais de mim. E há
jogadores lá de 15 anos, eu tenho 68.
-Esses jogos de pingue-pongue contínuos
contribuíram muito para essa fratura por stress. - observei.
Veio-me, então, à mente um documentário
sobre Cassius Clay que, depois de derrotar George Foreman, na África,
prosseguiu com o boxe mesmo depois da chegada do peso dos anos. Um jornalista,
que não era o Norman Mailer, citou, então, o filósofo Nietzsche:
-Se você não destrói aquilo que ama,
aquilo que ama o destruirá.
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