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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4211 Data: 17 de
junho de 2013
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CARTAS DOS LEITORES
“Sobre o “Tiro ao Álvaro”, pedido pelo
Dieckmann no Rádio Memória, quando lá esteve, quais foram mesmo as palavras do
Ronaldo Costa Couto concernentes ao dialeto usado pelo Adoniran Barbosa?” Joca
BM: Talvez algaravia seja a palavra mais exata do que
dialeto, Joca, mas vamos lá.
O historiador, na sua biografia sobre o
comendador Francesco Matarazzo, escreveu o que se segue:
-”Há um enxame delas (frases anedóticas
no português italianizado) nas letras luminosas do sol do samba paulistano, o
filho de imigrantes de Treviso, norte da Itália, João Rubinato (1910-82), mais
conhecido como Adoniran Barbosa. Pequenino, comicidade inata, brincalhão, tinha
um quê de chapliniano. Cara engraçada, bigode fino, paralelo à boca, o chapéu
entortado, cigarro amassado, gravata-borboleta. Bom contador de casos e
anedotas. Mas consta que um dia disse que se considerava um palhaço triste.
Será?”
“Seus versos quase sempre descrevem
aspectos do dia a dia paulistano. Em geral, parodiam o português macarrônico e
o linguajar caipira. São criativos e espirituosos, cometem deliciosos atentados
contra a gramática. Melodias simples, letras originais e interessantes.
Talento, originalidade, emoção, graça.”
Depois de reproduzir a letra de
“Saudosa Maloca”, Ronaldo Costa Couto conclui:
-“Forma popular, gramática anárquica,
lirismo e poesia minando sem parar. Português duvidoso? Adoniran: “Não é fácil
escrever errado como eu escrevo, pois tem que parecer bem real. Se não souber
dizer as coisas, não diz nada...”
Essa lembrança do grande compositor de
samba pelo biógrafo vem do fato de o criador das Indústrias Reunidas Fábricas
Matarazzo S/A ter vindo da cidade de Castellabate para São Paulo e, durante
seus 83 anos de vida, ter falado um português carregado de sotaque e palavras e
expressões italianas, apesar de o historiador saber que Adoniram Barbosa
usava outra vertente de fala.
“A tossigosa na ópera. Li a edição do
Biscoito Molhado sobre a velhinha que não parava de tossir numa récita da
Madame Butterfly e leio agora sobre a tosse eterna de um espectador durante a
encenação da peça “Vermelho”, no teatro Sesc Ginástico. Como frequentador
assíduo de espetáculos artísticos, posso
testemunhar que a medicina não avançou muito na elaboração dos xaropes. Alberto
BM: É tosse demais ou, então, de menos. Assisti, por curiosidade, ao
filme “À Noite Sonhamos”, que pretende retratar a vida de Frederic Chopin. Digo
por curiosidade porque talvez tenha sido o único filme que meus viram juntos,
em 1945, pois, a partir de então, minha mãe, cinéfila, só carregou os filhos
para a frente das telas de cinema, meu pai ficou à parte.
O que mais me espantou no filme
dirigido por Charles Vidor é que Chopin não tosse. O genial compositor,
personificado por Cornel Wilde, morre corado, robusto, cheio de saúde. Não foi
difícil para Paul Muni, no papel do Professor Joseph Elsner, roubar todas as
cenas, ainda mais que a Merle Oberon também não convenceu como George Sand.
Por outro lado, assisti a um filme
sobre Noel Rosa em que o poeta da Vila sempre que era mostrado pelas câmeras
vestia um terno branco amarfanhado, sempre tossindo. Tive a impressão que Noel
Rosa encontrou a roupa para o samba em que foi convidado, mas não conseguiu
mais na vida outra vestimenta. E tossindo daquela maneira, ele não podia compor
um samba, no entanto, tem mais de trezentas criações, dezenas delas
obras-primas.
“Impoluto Carlos:
Sois um fidalgo, suas gentis xerocações
iluminam minha Tebaida e os BMs desmentem o Caetano, que alega só é possível
filosofar em alemão. Ele
não conhece os taxistas de Del Castilho. Está desmentido.
A mamã me deixou de herança os
provérbios e a artrose, estou a “mi-chemin” de empunhar uma bengala, até agora
tenho pedido a variados mancebos que cruzem meu caminho e me deem a mão para
galgar o meio-fio,atual fobia de uma claudicante celibatária.
A Dilecta me emprestou um tijolaço de
música clássica, biografias, gravações e quase 500 páginas que me fizeram
sofrer horrores, trazendo à combalida memória tudo o que já não ouço. Como
diria o semiótico L. Vaz de Camões: “Tenho tão presente a grande dor das coisas
que passam, que as magoadas iras me ensinaram a não querer já nunca ser
contente.”
Até as andanças do Centro Excursionista
Brasileiro me estão fazendo falta, um bando peripatético, caminhadas de 5 horas
no mínimo, guias se perdendo, urubus rondando,São Tomé das Letras, Paraty sem
conforto (1972), Floresta da Tijuca de cabo a rabo, e até conheci um dito
naturopata (nada a ver com polímata).
Nada a temer,já dizia Longfellow que
alguns dias “must be dark and dreary.
Ósculos.”
Rosa
BM: Mais uma missiva da nossa polímata de muito saber em
diferentes matérias. Iniciaremos nossos
comentários pelo final, pois essa palavra, que já lhe dedicamos, foi associada
à naturopata. Não creio que esse naturopata tenha conseguido submeter à Rosa a
terapia de dieta vegetativa e produtos naturais.
Agora, o princípio da carta. Tebaida
significa retiro, e ela alude, com toda certeza, ao soneto “Na Tebaida”, de Olavo Bilac, com os seguintes
versos: “Que ao ermo frio da Tebaida vinha/ trazer a tentação do amor ardente.”
Sobre os taxistas de Maria da Graça,
posso garantir que eles não filosofam nem em francês. Para ser
entendido por eles, tenho de falar Praça Mané em vez de Manet.
No trecho em que a nossa querida Rosa
escreve que é ajudada por variados mancebos para galgar o meio-fio, veio-me
logo à mente a peça de Tennessee Williams, “Um Bonde Chamado Desejo”. A personagem
Blanche DuBois, em certa passagem dramática, diz que depende da bondade de
estranhos. Não é, com toda certeza, o caso da Rosa.
Dilecta é a sua sobrinha Ignez. O Duque
de Mântua, no Rigoletto de Verdi, referia-se à Gilda como Dilecta.
Nem consigo imaginar o sofrimento da
Rosa em não poder ouvir mais as músicas que tanto a encantaram, como a Sétima
Sinfonia de Beethoven e o salmo Miserere do quarto ato do Trovador, de
Verdi.
O semiótico do texto não é o estudioso
da ciência dos signos e da semiose, ela assim chama Camões porque ele foi cego de um olho.
Não pude deixar de me lembrar da
Elizabeth, de Orgulho e Preconceito, que andava quilômetros de uma propriedade
à outra, quando li as caminhadas de cinco horas da nossa missivista.
E Rosa termina citando o escritor
americano Longfellow, amigo de Dom Pedro II, que estava esquecido. Fez bem em
lembrá-lo, mesmo num dia escuro e sombrio.
Para encerrar o soneto de Olavo Bilac,
como bônus.
NA TEBAIDA
Chegas, com os olhos úmidos, tremente
A voz, os seios nus, - como a rainha
Que ao ermo frio da Tebaida vinha
Trazer a tentação do amor ardente.
Luto: porém teu corpo se avizinha
Do meu, e o enlaça como uma serpente...
Fujo: porém a boca prendes, quente,
Cheia de beijos, palpitante, à minha...
Beija mais, que o teu beijo me incendeia!
Aperta os braços mais! que eu tenha a morte,
Preso nos laços de prisão tão doce!
Aperta os braços mais, - frágil cadeia
Que tanta força tem não sendo forte,
E prende mais que se de ferro fosse!
A voz, os seios nus, - como a rainha
Que ao ermo frio da Tebaida vinha
Trazer a tentação do amor ardente.
Luto: porém teu corpo se avizinha
Do meu, e o enlaça como uma serpente...
Fujo: porém a boca prendes, quente,
Cheia de beijos, palpitante, à minha...
Beija mais, que o teu beijo me incendeia!
Aperta os braços mais! que eu tenha a morte,
Preso nos laços de prisão tão doce!
Aperta os braços mais, - frágil cadeia
Que tanta força tem não sendo forte,
E prende mais que se de ferro fosse!
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