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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4210 Data: 16 de
Junho de 2013
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A VOLTA DO SABADOIDO
Com a finalização das obras no local das reuniões do
Sabadoido antes do início da Copa das Confederações (o que nos dará a chance de
criticá-la em bloco) a inauguração foi programada para o mês de junho, voltei,
então, à casa de Gina. Cheguei antes da hora, o que me deu tempo para admirar
os feitos arquitetônicos e dizer mais adjetivos laudatórios do que o Dieckmann
quando participa do Rádio Memória.
-Pelo visto, você já leu o jornal. -
disse ao meu irmão quando vi, sobre a mesa da cozinha, os cadernos do Globo
desarrumados.
-O entregador veio cedo. - esclareceu.
Com a Gina no supermercado e o Daniel
na Lagoa Rodrigo de Freitas, as ideias eram trocadas por mim e meu irmão.
-Domingo, às 8 horas da manhã, vai
haver o programa da Roquette Pinto?
-Sim; agora reforçado com a volta do
tricolor Sérgio Fortes.
-Ele estava contundido como os
jogadores do Fluminense? - pilheriou ele, que também torce pelo clube das
Laranjeiras.
-Não; ele estava na Europa. Quando
retornou, pediu, no programa, Mireille Mathieu e Michel Legrand.
-Voltou afrancesado?
-Carmem Miranda voltou americanizada e
Sérgio Fortes afrancesado.
-E o Dieckmann? - provocou-me o Claudio.
-Conhece aquela frase de Manuel
Bandeira: “Quem chega de Paris, espera-se que chegue cheio de Paris, entretanto
Villa Lobos chegou cheio de Villa Lobos”? Pois, o Dieckmann sempre chega da
Europa cheio de Dieckmann. É um pavão.
-Mas foi o Manuel Bandeira quem disso
isso mesmo? - mostrou-se cético.
-Foi, embora, você saiba, que as
citações são costumeiramente deturpadoras. Eu mesmo, ao citar agora o Manuel
Bandeira, não reproduzi fielmente o que ele disse.
-Parece que deu a entender que o Villa
Lobos era um ególatra.
-E não foi bem isso, pois em seguida, o
Manuel Bandeira escreve que o Villa Lobos lhe confessou que, em Paris, teve a
maior emoção musical da sua vida ao assistir à “Sagração da Primavera”, de
Stravinsky.
-Há também as diversas interpretações
sobre o que foi dito. - comentou.
-Como eu lia desde garoto as crônicas
do Nélson Rodrigues, decorei o trecho em que ele escreveu que, como dizia Ivan
Karamazov, se Deus não existisse, tudo seria possível. Anos depois, quando li
“Os Irmãos Karamazov, busquei essa frase até com um pouco de ansiedade e nada
encontrei. Ou o Nélson Rodrigues viu de mais, ou, eu vi de menos.
-O Sérgio Fortes, como faz com a
programação da Orquestra Sinfônica Brasileira, também lhe envia as gravações
que serão tocadas no Rádio Memória?
-Não, Claudio, mas enviou, dia desses,
mensagens eletrônicas de amigos com sugestões. Um deles enalteceu um LP em que Elza Soares e
Miltinho cantaram juntos, comparando-o ao de Stan Getz e João Gilberto.
Percebi que meu irmão pretendia me
interromper, mas segui adiante:
-Comparação perigosa, pois Stan Getz e
João Gilberto são dois músicos consagrados internacionalmente.
-Carlinhos, eu procurava discos de
vinil, num sebão, quando um americano, na língua dele, mas que deu para
entender, me perguntou se eu vira algum disco da Elza Soares; disse-lhe que,
caso descobrisse um, passaria para ele.
-Eu sei que ela faz aqueles scats
do Louis Armstrong.
-O Louis Armstrong, quando esteve no
Brasil, ficou encantado com a voz da Elza Soares. Depois do Garrincha, ela não foi a mesma,
pois Garrincha foi um fardo e tanto que
carregou, embora as pessoas não reconheçam isso.
Nesse momento, o sonoro tilintar do
telefone o interrompeu.
-Luca!.. Trate de vir correndo, se não,
o Vagner corta a fita de inauguração na sua frente.
Não sei quem cortou a fita, pois quando
lá cheguei os dois, Vagner e Luca, já estavam. Garanto apenas que a Dilma
Rousseff, em campanha política, lá não esteve, pois eu teria ouvido as vaias.
Luca exibia as radiografias que tirara
em Ourinhos dos membros inferiores e superiores. Constatamos que não havia parafuso
algum a menos. Falou das muitas horas de viagem de carro da sua casa até a do
Zé da Luz.
-Não sei se Ourinhos já pertenceu ao
Paraná... - mostrou-se o Claudio dubitativo.
-Fala-se lá, quando se observa o tempo,
de nuvens do Paraná. - comentou o Luca.
-Mas você, na viagem para Ourinhos, não
revezou com o Pedro (seu filho) na direção? - perguntei.
-Quando vi que ele estava rodando a 175 quilômetros por
hora, peguei o volante de volta. Em Ourinhos, eu já estava exausto.
Caramba, assim o Pedro vai tirar a pole
position do Thor. - pensei sem me manifestar.
Mais o sucesso maior trazido pelo nosso
amigo foi um vibrador. Aqui cabe um esclarecimento: trata-se de um aparelho, made
in China, que, ao contato com qualquer parte do nosso corpo, vibra,
mitigando a dor.
-Eu saio quebrado das partidas de
pingue-pongue e uso, então esse vibrador.
-São as partidas com o Gordo? -
manifestou-se o Vagner.
-Ele me inscreveu na AABB, onde há
jovens tenistas e “rankeados”. Eu fico
numa situação má, pois se me ganham, não tem graça, pois sou caneteiro, se
perdem para mim, é uma vergonha.
-O que é caneteiro?- mostrei
curiosidade, enquanto passava o vibrador na região lombar.
-O caneteiro segura a raquete
erradamente, como se fosse uma caneta, é um vício que tenho e não dá mais para
corrigir.
Nesse ínterim, Gina veio das compras e
examinou as radiografias do Luca, enquanto recebia elogios pela supervisão das
obras.
Faltou uma Gina para supervisionar as obras do Engenhão. - não
verbalizei essa frase porque ela já havia se retirado para dentro de casa.
Infelizmente, a reinauguração do
Sabadoido não foi das mais festivas, pois o assunto passou a ser doenças e
mortes. Depois, passou a ser político, mas com o ranço do patrulhamento, que
ainda não foi escoimado dos moradores da antiga Chaves Pinheiro, apesar da
passagem de anos e décadas.
Quando a política do governo Fernando
Henrique Cardoso com os bancos foi criticada, intervim.
-Que falta fez um PROER nos Estados Unidos;
os bancos quebravam, o governo injetava uma quantia fabulosa e os banqueiros,
na maioria das vezes, não perdiam o banco. Com o PROER, até o ministro da
Agricultura do FHC, o Andrade Vieira, perdeu o Bamerindus.
Pretendia falar que a crise de 2008 foi
deflagrada quando o Lehmann Brothers, o quarto maior banco de investimento dos
Estados Unidos, com 10 mil empregados, faliu, mas não consegui: o éter estava
congestionado de frases.
Por incrível que possa parecer, não se
falou de música popular brasileira, com a honrosa exceção do Paulo Vanzolini.
Mas ele foi lembrado mais como cientista do que compositor e isso porque o Luca
aludiu a um artigo do Drauzio Varela sobre o autor de “Samba Erudito”, como seu professor na Faculdade de Medicina
da USP e como o estudioso da evolução
das espécies que, à frente do Museu de Zoologia, chegou a colecionar 220 mil
répteis e anfíbios.
Saí do Sabadoido à cata desse texto.
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