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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4951 Data: 20 de setembro de 2014
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188ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
Fazia tanto tempo que eu não pegava o
táxi do 026 (deve ser outro número, mas vai este mesmo) que lhe disse o meu
destino: Rua Modigliani.
-Eu sei; você mora onde existem tantos
nomes franceses.
-Isso mesmo.
-A principal rua de lá é a “Renoar”
(Renoir).
Fiquei estupefato, porque ele pronunciou
o nome corretamente e me congratulei com ele.
-Quase todo o mundo diz Renoir como se
escreve, você é dos poucos que pronunciam corretamente.
-”Renoar”. - repetiu inflado pelos
elogios.
-Estudei francês, no antigo ginásio e
meus professores exigiam a pronúncia certa, se não, a nota era zero. Assim,
esses erros me ferem os ouvidos. Acredito que não se trata de pedantismo da
minha parte.
-Eu também estudei francês. Nós tínhamos
de optar entre o francês e o inglês. - disse-me ele.
-Não; éramos obrigados, no meu colégio,
a estudar as duas línguas.
Não se sentiu apequenado com essa
observação e bradou que, no nosso tempo, o ensino era bem melhor do que o de
hoje.
-Só passava de ano quem soubesse mesmo a
matéria. - frisou.
-Então, vamos para a praça que o pessoal
chama de Mané, falei, enquanto o seu táxi ainda trafegava pela rua Domingo de
Magalhães.
-Ou, então, falam Manete (abriu o
primeiro e fechou o segundo e).
-Isso mesmo. - concordei.
-Escreve-se “Manete”, mas se pronuncia
“Monê”.
Ele estava indo tão bem... - pensei sem
me manifestar. Depois, intentei corrigi-lo sem melindrá-lo.
-Não; Manet é um, Monet é outro.
-Então, eles eram irmãos. - concluiu.
Piora cada vez mais...
-Não; um é Edouard Manet e o outro,
Claude Monet.
Como, pela sua aparência, não se
mostrava convencido, passei para outros pintores e escultores próximos da minha
rua.
-Eles não aprenderam a língua francesa
como nós, por isso, erram tanto. - gabou-se.
E fez um acréscimo:
-Van Gogh eles falam direitinho. (*)
-Esse era holandês. Em 1990, colocaram
uma placa comemorativa do centenário de morte do pintor. Foram até lá
autoridades da prefeitura e alguns repórteres.
E voltei-me para ele:
-Lembra-se disso?
Balançou afirmativamente a cabeça, mas
não me convenceu. Prossegui:
-Li, depois, no jornal, que, na ocasião,
os pedestres que por lá passavam, eram abordados com perguntas sobre Van Gogh.
Ninguém soube responder quem foi Van Gogh.
-Devem ter dito que ele foi um jogador
de futebol.
Soltou uma estrondosa gargalhada, divertindo-se com a
própria piada, enquanto eu saltava na Rua Modigliani.
A
prefeitura multa se a gente joga lixo no chão, mas toda essa porcaria de
propaganda eleitoral, que suja tudo, pode. - queixou-se o 151.
-Há galhardetes de candidatos colocados
nos postes que tiram a visão tanto do motorista quanto a do pedestre. -
solidarizei-me com a indignação dele.
-Na esquina da Rua Cachambi com a Avenida
Suburbana, colocaram um galhardete de cada lado. Um desrespeito.
-Eu já vi; para você atravessar a rua,
com visão completa do tráfego, tem de se afastar da faixa de pedestre.
-As pessoas são obrigadas a cometer uma
infração para passar de um lado para o outro da rua. - seguiram-se suas
palavras às minhas.
-Recorda-se que fui votar, uma vez,
levado pelo seu táxi?
Como a sua expressão era dubitativa, fui
mais minucioso.
-Eu peguei seu táxi de manhã. Você
seguiu pela Suburbana, fez o contorno pelo viaduto Cristóvão Colombo, em
Pilares e passou para o outro lado da avenida onde fica a rua da minha seção
eleitoral.
-Rua Henrique Scheidt. - bradou.
Eu tinha de ser mais minucioso.
-Não; uma rua com uma subida tão íngreme
que exige fôlego de maratonista para se subir a pé. Votei num colégio perto de
uma praça. Eram tão poucos os eleitores, que você disse que me esperaria e eu
não demorei mais do que dez minutos.
Então, ele se lembrou, ainda assim,
sacrificava a memória para saber o nome exato dessa rua. Desistiu, e foi em
frente:
-Você vota lá, e eu voto em frente à sua
casa no Colégio Manoel Bomfim.
-Eu votava no lado da minha casa, na
LBA.
-LBV. - cortou-me.
-Não; LBA, Legião Brasileira de
Assistência, que foi fechada depois das falcatruas da mulher do presidente
Collor. Hoje, é chamada de Clube da Amizade, depois de ter sido o
quartel-general do Biliu.
-Isso mesmo! - exclamou, contrariado com
o seu esquecimento.
-Houve um cadastramento eleitoral e me
jogaram nessa rua distante; acomodei-me e não pedi a transferência para o
Manoel Bomfim, onde fiz o curso primário.
-Como você disse, são tão poucas pessoas
na sua zona eleitoral.
-Uma vez, apenas, enfrentei uma fila
enorme, naquela eleição em que se candidataram o Mário Covas, o Ulisses
Guimarães, o Aureliano Chaves, o Brizola, o Lula, o Collor, o Eneias, o
Marronzinho... mais de vinte candidatos.
-Havia mais candidatos do que eleitores.
- não perdeu a piada.
-Nessa eleição, havia uma grande
quantidade de idosos, parecia até zona eleitoral de Copacabana. Acredito que
quase todos já partiram, por isso, não enfrento mais filas.
-Certamente. - concordou.
-Esses senhores repetiam o bordão
jocoso: “Meu nome É Eneias”,
-Com isso, ele recebeu mais voto do que
o Ulisses Guimarães. - assinalou.
-Um bordão de programa humorístico
derrotou a “Constituinte Cidadã”, do Ulisses Guimarães. - comentei.
-O brasileiro vota muito, muito mal.-
concluiu com ceticismo.
-O diabo, desta vez, é o calendário
eleitoral. Temos de votar para presidente, senador, governador, deputado federal
e estadual.
E espalmei a mão:
-Cinco.
-Não vou demorar mais de dez segundos:
-Vai anular o voto?- deduzi.
-Menos o da presidência da República.
Em seguida, encarou-me desoladamente e
disse:
-É duro ter de votar na Marina. Mas qual
é o jeito?
Como o táxi já estava parado na Rua Modigliani, não
tive tempo de lhe mostrar que a coisa não era tão má assim.
No táxi do 040, o assunto era o mesmo.
-O 184 é mesmo candidato? Ele me disse
que vai erradicar todas as favelas do Rio de Janeiro, construindo prédios de
100 andares para colocar todos os desalojados lá.
Ele sorriu com o seu jeito manso e me
disse que garantiu ao 184que podia contar com o seu voto.
-Vou votar nele nada. - confessou-me.
-Parece-me que a pretensão dele é a
Gaiola de Ouro, a Câmara Municipal.
-É isso mesmo, ele já se candidatou uma
vez. - informou-me.
A conversa seguiu com o assunto político
por uma boa parte do trajeto, Já estávamos na Rua São Gabriel quando falamos
das entrevistas da TV Globo com os candidatos.
-A TV Globo coloca os entrevistados
contra a parede. - comentou.
-Aquilo é mais um interrogatório do que
uma sabatina. Insistiram com o aeroporto do Aécio, com o avião do Eduardo
Campos, com a dança do Sérgio Cabral com lenço na cabeça em Paris...
-A Marina teve de responder pelo Eduardo
Campos, o Pezão pelo Sérgio Cabral... comentou.
-Parece que esses sabatinadores ou
inquisidores trabalham para uma empresa que é uma vestal, um exemplo de
moralidade.
-Caramba, a Globo se envolve em tantas
sujeiras. - concordou comigo.
-Não vou votar no Garotinho, mas vibrei
quando ele saiu da defensiva e se referiu às estarrecedoras acusações feitas à
Globo na Justiça com envolvimento de laranjas.
-Ele fez muito bem; até a Dilma baixou a
crista quando foi no Jornal Nacional.
-Garotinho aprendeu com o Brizola a reagir
às Organizações Globo. - disse-lhe, enquanto saltava na Modigliani.
(*) O
Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO suspeita que a pronúncia tenha sido “vangôgui”
quando o certo é “vangorhr”. Apenas belgas, holandeses e cariocas têm a
habilidade lingual (a anatômica mesmo) para usarem e abusarem dos fonemas
guturais, mas é factível supor que o populacho da Praça Mané não exerça essa
habilidade.
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