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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4949 Data: 18 de setembro de 2014
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ANDREA LEMBRA MOACIR SANTOS NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE II
Quando o Jonas Vieira informou que, na
gravação da música do Pixinguinha, prefixo do Rádio Memória, a flauta é tocada
pela Andrea, Sérgio Fortes ficou abismado.
-É mesmo?!...
-Seu nome... Ernest?... - expressou o
Simon Khoury a sua dúvida.
-Ela explicou que o seu avô era
mauriciano, das Ilhas Maurício, onde os colonizados adotavam os nomes dos
colonizadores, no caso, os ingleses.
E acrescentou que aconteceu algo
parecido no Brasil, avassaladoramente com os escravos, que aqui desembarcaram
sem identidade, mas ela não tocou nesse ponto.
-Andrea, a sua obra tem muito a ver com
a sua mãe...
Por não citar Odette Ernest Dias,
nascida em Paris, concertista e flautista da Orquestra Sinfônica Brasileira,
Simon Khoury foi repreendido pelo titular do programa, o que gerou mais uma
rusga entre eles.
Sérgio Fortes acalmou os ânimos com uma
reminiscência:
-Andrea fez um espetáculo com papai, no
Teatro Rival, há alguns anos. Era uma garotinha, frise-se. E foi um espetáculo
emocionante, um sucesso, era para ficar uma semana, e ficou seis meses.
-Lindo! “Ternas e Eternas Serestas”.
Ela citou o disco, que teve algumas
faixas tocadas no programa “As Melhores Vozes do Mundo”, como “Eu Sonhei Que Tu
Estavas Tão Linda”, cuja história da composição de Lamartine Babo foi contada
pelo Sérgio Fortes na época.
Lembraram
um lundu, criação história de Joaquim Calado, gravado pela convidada, e o Simon
Khoury não conteve a sua curiosidade.
-Andrea, onde você encontrou essa peça
do Calado?
-Através da minha mãe. O lundu é a base
da música popular brasileira. Era uma música de terreiro e Joaquim Calado levou
esse gênero musical para o salão de concertos. Ele compôs um lundu que para
concertistas, é muito difícil de ser tocado pelo seu virtuosismo.
E informou que essa peça do criador do
primeiro grupo de choro chegou à sua mãe através do violonista e principalmente
musicólogo, Mozart de Araújo, que escreveu o livro “A modinha e o lundu no
século XVIII – uma pesquisa histórica e bibliográfica”, que é sempre consultado
por todos os estudiosos dessa matéria.
-Mozart da Araújo puxou a partitura do
seu acervo e minha mãe fez a gravação. Eu sempre estudei essa partitura, a
nossa versão ficou diferente da dela, nós realçamos ainda mais o ritmo. -
assinalou.
Peter imediatamente acionou as
carrapetas do áudio e a composição de fundamental importância para a música
popular brasileira, de Joaquim Calado, reinou absoluta. Inicia-se dolente, em
seguida, se torna buliçosa, bem ritmada, como a flautista havia dito.
-O lundu está na origem do choro.
Jonas Vieira não citou o maxixe porque
interrompeu a si próprio diante daquela virtuose da flauta.
-Que maravilha! Como você toca bem!
A elogiada agradeceu e assumiu a sua
timidez.
-Você começou pela flauta? - voltou o
Simon Khoury a reviver, mais uma vez, o seu tempo de entrevistador do Jornal do
Brasil.
-Eu comecei pelo piano, com a professora
Salomé Gantra, no PROARTE, e continuei em Brasília.
Citou o nome da sua mestre de piano, em
Brasília, cujo nome, infelizmente, nos escapou.
-Do piano, eu pensei em passar para o
cravo, mas me decidi, com doze anos de idade, pela flauta.
Antes de seguirmos adiante com a resenha
do Rádio Memória com a Andrea Ernest Dias, vamos fazer uma pausa para que o
tempo do Jornal do Brasil também seja revivido por nós.
Alguns anos antes de eu fundar o
Biscoito Molhado, trabalhei no Jornal do Brasil, precisamente em 1977, quando
lá entrei como estagiário. Como meu avô e meu pai eram jornalistas, eu me vi na
obrigação de manter a dinastia. O Jornal
do Brasil me atraía pela sua história, chamava-se “Jornal do Brazil” desde
1891, ano da sua fundação, até que, dois anos depois, Ruy Barbosa assumiu o
cargo de redator-chefe e a sua primeira medida foi tirar o “z” de Brazil e
todos passaram a escrever o nome do nosso país corretamente, menos os
estrangeiros.
E não foi só isso que Ruy Barbosa fez
nessa sua missão jornalística: publicou o manifesto do contra-almirante Custódio
de Mello, na Segunda Revolta da Armada. Sentindo-se afrontado, o
presidente/ditador Marechal Floriano Peixoto mandou prender Ruy Barbosa e o
Jornal do Brasil ficou fechado por mais de um ano.
Já falamos muito de Ruy Barbosa, falemos
agora de mim e do Simon Khoury.
Quando lá cheguei, o Jornal do Brasil
estava instalado no faraônico prédio da Avenida Brasil, 500. Se a memória não me trai, o andar dos
comes e bebes era o quarto, onde todos se encontravam. Não vi o Simon Khoury, e
sim, o Carlos Eduardo Novaes e aquele que para mim era, como colunista
esportivo, o que o Zizinho era para o Jonas Vieira como jogador de futebol:
João Saldanha. Como a Andrea, sou tímido, por isso, não abordei o meu ídolo,
técnico do Botafogo campeão em 1957. Ser tímido tem as suas vantagens, como
vimos com a decepção do Jonas Vieira causada pelo Zizinho.
Quantas vezes eu devo ter cruzado com o
Simon Khoury naqueles corredores sem saber, pois, para mim, ele era apenas uma
voz.
A política do jornal era defender o
empresariado e criticar a estatização, o que desagradou o General Geisel, que
criou mais de setenta estatais no seu governo. Por isso, as verbas de
propaganda de órgãos públicos diminuíram – dizia-se na seção em que trabalhava.
Com o Jornal do Brasil, aprendi que não
se deve investir em instalações suntuosas, pois os leitores não pagam dízimos,
apenas o preço do jornal. Passaram
poucos anos, o Jornal entrou em crise financeira (já estava, apenas veio a
piora) e fechou.
Com o aprendizado, fundei o Biscoito
Molhado sem instalações faraônicas, com apenas uma mesa, uma cadeira e um
computador, e o Simon Khoury certamente concorda comigo.
Mas voltemos a exímia flautista Andrea
Ernest Dias mostrando a sua arte refinada no Rádio Memória.
Agora, não, pois o Jonas Vieira anunciou
a “Pausa para meditação” com a crônica do Fernando Milfont.
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