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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

2684 - Strauss


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4934                                      Data:  29  de  agosto de 2014

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136ª VISITA À MINHA CASA

 

-Richard Strauss, você no Brasil?!...- não contive a minha surpresa.

-Já estive neste país, em 1923, quando atuei em concertos no Rio de Janeiro e em São Paulo.

-Está fazendo uma ronda pelo mundo para ver as comemorações dos seus 150 anos?

-Por aqui, eu sou festejado? - demonstrou curiosidade.

-A Rádio MEC dedicou todos os domingos de junho a uma ópera da sua autoria e, quase que diariamente disponibiliza uma hora para falar da sua carreira ilustrando-a com gravações de obras suas, poemas sinfônicos principalmente.

-Imagino se eu ainda estivesse vivo, com 150 anos na carcaça... se vivo já me consideravam compositor de um romantismo tardio, meio ultrapassado, eu imagino hoje.

-Hoje, na música erudita, há mais ruídos do que outra coisa; assim, as pessoas de gosto refinado voltam-se para o passado, e as suas criações não estão fora de catálogo, pelo contrário.

-Criticavam a influência de Wagner na minha música, mas, na verdade, além dele, Mozart foi o meu  autor preferido.

-Quando Wagner morreu, você estava com 19 anos e já compunha desde garoto. Havia uma proximidade...

-Meu pai foi o primeiro  trompetista da orquestra da Ópera de Munique e participou da estreia de “Tristão e Isolda” e de “Os Mestres Cantores de Nurember. Wagner o ouvia com agrado.

-Mas você não estudou trompa?...

-Eu era muito criança, não tinha fôlego nem para soprar bola de festa infantil. Eu estudei violino e harpa, e os meus professores foram os colegas de orquestra do meu pai.

 -Ainda trajando calças curtas, já tinha composto obras até para o seu pai tocar. No meio de uma aula de matemática, você escreveu uma peça para violino.

-Eu não era um novo Mozart, mas mostrava que tinha aptidão para compor.

-Mas com pouco mais de 20 anos de idade, você deslumbrava o mundo musical com seus poemas sinfônicos e as suas óperas.

-Óperas, não; a minha primeira foi Guntram, eu já estava com 30 anos de idade; só depois dos 40, escrevi, modéstia parte, boas óperas. A amizade que travei com o poeta e dramturgo Hugo von Hofmannsthal foi de grande valia para mim; os seus belos versos me inspiravam. Pena que teve um derrame cerebral que o matou minutos antes do enterro do filho, que se suicidara.

-Quando se deu essa tragédia?

-Em 1929.

-Você é considerado o maior compositor de óperas das primeiras décadas do século XX; os amantes da ópera italiana, de Puccini, principalmente, discordam.

-Tanto Puccini como eu concentrávamos a nossa atenção, quase sempre, nas personagens femininas.

-Mas nenhuma das suas personagens, Richard Strauss, lembra Madame Butterfly...

-Ela é apaixonada e inocente demais. - interrompeu-me com um gesto crítico, silenciando-se  em seguida para que eu prosseguisse.

-Tosca também, não; ela possuía uma personalidade forte, mas também era passional, doida pelo Mario Cavaradossi.

-As mulheres de Puccini são criaturas doces, submissas aos seus amantes, dedicadas a eles até a morte.

-Turandot não era assim. - interferi, para depois me arrepender, pois ele raciocinava com a regra, desconsiderava a exceção.

-Nas personagens femininas de maior destaque das minhas óperas, encontram-se os mais variados tipos de mulher. Na “Ariadne em Naxos”, temos a mulher doente de amor; na “Salomé”, a revoltada capaz de tudo, até de pedir a cabeça de João Batista; no “Cavaleiro da Rosa”, desponta a Marechala, doce, sábia e delicada.

-E a heroína da sua ópera “Capriccio”?

-A Condessa Madeleine?... uma mulher de gosto refinado, que não se decide entre um poeta e um músico.

-Nessa sua ópera, você enaltece duas grandes artes, a poesia e a música.

-Intentei também homenagear o poeta Hugo von Hofmannsthal, meu amigo e parceiro.

-Penso na obra de arte total que vocês, alemães, chamam de “Gesamtkunstwerk”, conceito estético dos românticos, que Wagner levou ao paroxismo conjugando música, teatro, canto, dança e artes plásticas.

-Wagner acreditava que, na antiga tragédia grega, todas essas artes estavam entrelaçadas, mas que se perderam; assim, criticava as óperas que se faziam em que a ênfase convergia para a música em detrimento do drama. - disse-me em tom professoral.

-Você foi casado com Pauline de Ahna desde os 29 anos de idade, uma renomada soprano. Esse fato talvez explique por que as suas criações privilegiam tanto a voz feminina.

-Não era por medo dela. - comentou rindo, talvez aludindo ao temperamento difícil da diva.

-Você se casou em 1893, no ano seguinte, a viúva de Wagner o convidou para reger Tannhäuser em Bayreuth.

-Fiquei muito amigo da Cosima Wagner.

-Alguns anos antes, você trabalhou com o primeiro marido dela, Hans von Büllow. Estava tudo em casa, como se diz aqui no Brasil.

-Ele era um renomado maestro, Wagner o considerava seu melhor intérprete, romperam por razões bem conhecidas. Para mim, foi uma promoção, na minha carreira, ser o seu assistente, em Meiningen, com 21 anos de idade. Tornei-me logo regente titular da orquestra e diretor do Teatro de Ópera de Viena.

-A filha de Franz Lizst, esposa de Wagner, era muito influente, e cair nas graças dela era uma grande sorte.

-Não sei se fui diretor das Casas de Ópera de Berlim e de Viena por isso.- comentou com brusquidão.

-Os seus críticos o acusavam de wagnerismo, de pertencer a um romantismo ultrapassado, mas hoje se constata que você foi um compositor de estilo próprio e, nesses seus 150 anos, observa-se que cada vez mais a sua música é atemporal.

-Os meus personagens operísticos quase nada têm a ver com os de Wagner. Redigi algumas reflexões que me nortearam e até posso citar algumas de cór.

-Sou todo ouvido, Richard Strauss.

-Quando somos jovens, imaginamos que só importa um libreto com cenas violentas e assassinatos cruéis. Com o passar dos anos, começamos a compreender que também nos pequenos acontecimentos do dia a dia, há coisas que merecem ser notadas e exaltadas com intenso lirismo. É preciso aprender a descobrir o que existe de profundo nos fatos e nas coisas que parecem humildes. Sob um manto de púrpura, muitas vezes vive uma criatura mesquinha; e sob as vestes desalinhadas de um homem comum dos nossos dias, palpita, às vezes, o coração de um herói. Faz-se mister que nos curemos dessa mania do heroísmo cenográfico, que renunciemos, principalmente,  aos venenos, aos punhais e aos incestos.

Incestos?!... não me lembrei de nenhum nas ópera italianas, mas na alemã... e justamente nas “Valquírias” de Wagner, entre  os irmãos Siegmund e Sieglinde, mas nada falei, pois pretendia mudar de tema.

-Você foi acusado de simpatia pelo nazismo.

-Hitler me nomeou diretor da Reichsmusikkammer, em 1934, por que eu não aceitaria?

-Grandes nomes da música o criticaram por isso.

-Toscanini, Arthur Rubinstein e outros não estavam enraizados na Alemanha como eu; era muito difícil para mim viver em outro país.

Eu não trouxe à baila a canção que ele dedicou a Joseph Goebbels para não parecer uma espécie de inquisidor, ainda assim, ele continuava a se defender:

-Com toda a perseguição aos judeus, compus uma ópera com libreto de Stefan Zweig e protegi a esposa do meu filho, que era judia, e, naturalmente, dos meus netos.

-Foi uma época terrível. - limitei-me a dizer.

-Os aliados instalaram, em 1945, um comitê de ... como direi?

-Caça aos nazistas. - sugeri.

-Comitê de “Desnazificação”. Fui intimado a depor, o tribunal constatou que eu não fui filiado ao Partido Nazista.

-Além de você ser um dos maiores nomes da música erudita da época, se não, o maior, estava com 81 anos de idade. Não podiam lhe fazer nada de mal. Você era um ícone cultural.

-O entusiasmo com que os ingleses me receberam quando, em 1947, fui a Londres reger meus concertos, me deixaram com a alma leve, eu já podia morrer em paz.

-E morreu dois anos depois, em 1949.

-Foi bom você me lembrar que estou morto. Tenho quee partir.

E partiu.

  

 

 

 

 

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