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O BISCOITO MOLHADO
Edição
4945 Data:
13 de setembro de 2014
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SABADOIDO INUSITADO
O Sabadoido da segunda semana deste mês de
setembro de 2014 caiu numa sexta-feira. E não foi só: ocorreu numa festa
infantil. É verdade que os leitores de boa retentiva se lembrarão de um
Sabadoido numa festa de aniversário de um ano de uma pequerrucha, cinco anos
atrás, mas se deu no dia usual, apenas foi adiado do período da manhã para o da
tarde.
Das 1708 sessões do Sabadoyle, houve alguma
que aconteceu fora do sábado?... Não, tanto que um dos seus frequentadores
escreveu em seu louvor o poema “Pão Nosso de Cada Sábado”. Muitos leitores
argumentarão que isso não se deu porque era proibida a ingestão de bebidas
alcoólicas nessas reuniões na casa do Plínio Doyle. Mas isso não se sustenta
porque o Claudio e o Luca, os bicadores de água que passarinho recusa, não
compareceram à mencionada festa de sexta-feira, lá, no entanto, estiveram o
Daniel, a Gina e demais participantes bissextos do Sabadoido, como os meus
irmãos Lopo e Suzete, e a Jura, irmã da Gina.
Isso posto, vamos em frente.
Um animador, de microfone na mão, agitava a
petizada, num jogo de adivinhações, enquanto os pais no entorno (entorno...
sempre fujo desse clichê, mas sexta-feira é o dia das exceções) torciam e, se
possível, comentavam.
Enquanto isso, Daniel manejava com o joystick
de um fliperama, juntamente com o primo, um garoto de uns 10 anos de idade.
Perto dos dois, eu observava bem mais a disputa da criançada do que a deles.
Depois de alinhar umas doze crianças lado a
lado e se colocar a alguns metros de distância, o animador, com o microfone na
mão, informou que faria uma pergunta, contaria até três e quem soubesse a
resposta deveria correr até ele, logo que ele falasse – já – bater na palma da
sua mão e responder. Vieram, então, as perguntas e a correria até ele soubessem
ou não as respostas.
-Qual o personagem de filme que é verde?
-Hulk. - foi a resposta da meninada com
repetidos não do animador.
Daniel, mesmo diante da máquina de fliperama,
mostrou-se atento e comentou:
-Hulk é um personagem traseirudo.
Seu primo não se conteve, largou o joystick,
saiu em desabalada carreira, bateu na palma da mão do divertido perguntador e
respondeu:
-Shrek.
Com a confirmação, retornou ao fliperama com
outra corrida de velocista jamaicano, enquanto as outras crianças iam, uma a uma,
até onde ele fora responder a indagação, repetir a resposta correta. Com a
idade delas variavam de quatro a oito anos, nem todas pronunciavam o nome
corretamente.
-Carlão, você ouviu “xereca” como eu?
-Se não foi, Daniel, esteve bem próximo. -
disse-lhe.
E veio outra pergunta.
-Qual é o rato que é muito famoso e rico? Vou
contar: um, dois, três... já.
-Ratatouille. - respondeu a menina mais veloz.
Apesar do não, as outras crianças que batiam
na mão espalmada repetiam: “Ratatouille”.
Não será o Jerry?...Mas ele não é rico. -
pensei no meio do alarido.
-Mickey. - bradou o animador.
Uma moça, provavelmente mãe de uma das
participantes da brincadeira expressou sua surpresa.
-Mas Mickey é um rato?!...
Com o microfone ainda mais próximo da boca, o
animador não deixou passar incólume o que ouvira.
-Minha senhora, o Mickey tem 95 anos de idade
e a senhora não sabe que ele é um rato.
Ela, certamente, não é amiga de Facebook do
Dieckmann, pois ele posta, religiosamente, todas as semanas, capas de números
antigos da revista do mais famoso rato da história.
-Não saber que o Mickey é um rato!... Minha
nossa! – insistiu ele.
De volta às mesas onde se encontravam os
convidados adultos, fui até o meu irmão Lopo, sentei-me.
-A mulher não sabia que o Mickey era rato?
-Você escutou daqui? - espantei-me.
-Ela não deve saber que o Pateta é cachorro, o
Tio Patinhas é pato, e por aí vai. - lançou também as suas farpas.
-Vou tirar mais algumas fotos. - disse-lhe
levantando-me enquanto sacava uma pequena máquina fotográfica do bolso.
-Paparazzo. - chamou-se a minha sobrinha, de
longe, ao me ver clicando.
Depois das fotografias, retornei à mesa do meu
irmão.
-A Verônica me chamou de paparazzo. Por
coincidência, o último filme a que assisti foi “La Dolce Vita”, de
Fellini. Pararazzo é um amigo do Marcello, Marcello Mastroiani, que,
junto a um bando de fotógrafos, fotografam alucinadamente tudo o que é notícia
ou pode se tornar notícia.
-A palavra paparazzo não vem desse filme de
Fellini?
-Vem, Lopo e paparazzi é o plural de
paparazzo, quase que o coletivo, pois eles aparecem em bando como as moscas.
E prossegui:
-Há uma cena no filme, que é de 1960, que
parece uma premonição do que ocorreria com a Lady Di e o namorado Dod Al-Fayed,
em 1997: Marcello Mastroiani, com a Anouk Aimé ao seu lado, acelera o carro
para fugir dos fotógrafos e passam, pareceu-me, por um túnel.
-E terminou bem? - indagou-me.
-Terminou com os dois na cama, mas eu não
diria que terminou bem porque a mulher com quem vivia, tomada pelo ciúme,
tentou o suicídio e ele teve de levá-la ao hospital.
Depois, fui para a mesa da Gina, ocupada,
naquele momento, pela sua irmã e pela sobrinha Roberta.
-Como vai a sua mãe, Carlinhos? - perguntou-me
a Jura.
-Com problemas de alergia e surdez.
-O Claudio disse que, além do Beethoven, há
outros casos de surdez na família dele. - lembrou-se a irmã da Gina com um
sorriso.
-Católica fervorosa de umas décadas para cá, a
mamãe escuta muito a Rádio Catedral. Nesta semana, voltando do trabalho, ouvi
um religioso falando acaloradamente de Jesus. Suspeitei logo que não era um
padre.
-Era um pastor. - adivinhou a Gina.
-Mãe, você sintonizou uma rádio evangélica,
avisei, e ela, rapidamente, desligou o rádio.
-Muitas vezes, são estações piratas que
invadem aquelas que são legais. - avaliou a Suzete, que passava por perto e nos
ouviu.
-Vocês souberam da moça que não sabia que o
Mickey é um rato?
-Ele só não é afrescalhado como o Topo Giggio.
- lançou a Gina a sua farpa.
-O animador da brincadeira disse que o Mickey
tem 95 anos, mas ele não tem tanto tempo assim.
-Foi uma força de expressão, Carlinhos.
-Eu sei, Gina. Se não me engano, nos Estados
Unidos, os direitos autorais caem no domínio público depois de 70 anos e os
Estúdios Disney conseguiram estender por mais tempo esse prazo.
-Mais de 70 anos, ele tem, então. -
concluímos.
Daniel, que chegara à mesa minutos antes,
disse:
-Não seja por isso.
Sacou o celular, tocou com o dedo o visor e
leu:
-Mickey Mouse surgiu em 1928; foi criado por
Walt Disney e desenhado por Ub Iwerks. (*)
Afastou os olhos do celular e disse:
-86 anos de idade; de qualquer maneira, o
Mickey Mouse é um rato idoso.
Com o chamamento para o canto do “Parabéns”,
obedecido por todos nós, esse Sabadoido inusitado foi chegando ao seu
término.
(*) O rato Mickey
surgiu no desenho “Steamboat Willie”, de 1928 e foi personagem de uma série de
desenhos animados que foram incorporando outros personagens. Daí para os
quadrinhos foi um pulo e o auge dessa produção esteve nas décadas de 50 e 60.
Hoje, as aparições do Mickey não se dão em histórias e a aposentadoria dele
veio em forma de mestre de cerimônias, quando teria sido melhor um par de
bengalas. Certamente, as crianças de hoje não entendem o porquê do
Mickey.
teste
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