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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4950 Data: 19 de setembro de 2014
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ANDREA LEMBRA MOACIR SANTOS NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE III
-Rádio Roquette Pinto. 94.1 Programa
Rádio Memória.
Evidentemente, não foi o Sérgio Fortes
que disse isso, pois ele sempre esquece.
Recomeçava, assim, o programa, depois
das irritantes propagandas eleitorais obrigatórias. Necessitávamos, então, de
uma boa música para desintoxicar o espírito, mas a flauta da Andrea Ernest Dias
não soou logo, porque o Simon Khoury deu início a uma observação.
-Tudo o que essa moça grava é de suma
importância, como esse lundu do Calado. Ela grava Cachimbinho, Jacob do
Bandolim, o que há de melhor na música popular brasileira, mas não é tocado.
-Não se toca, Simon, porque o dinheiro é
que manda.- interveio o Jonas Vieira - o mercado se guia pelo dinheiro.
E continuou na sua indignação:
-Esse programa “Fantástico” gastou três
domingos com esse negócio rural...
-Música sertaneja. - aparteou o Sérgio
Fortes.
A palavra voltou para o titular do Rádio
Memória:
-Isso, tomando um espaço de vinte
minutos, claro que o horário não foi de graça. Tem dinheiro, aparece, não tem,
não passa nem na porta, mesmo que tenha o talento de um Frank Sinatra, de um
Orlando Silva, ou de quem for.
Como falamos nas “irritantes propagandas
eleitorais”, lembramos que os candidatos procuram aparecer ao lado de artistas
com muita popularidade e pouca arte.
Mais uma pergunta do Simon Khoury à
convidada:
-Andrea, você gravou “Gostosinho”, do
Jacob do Bandolim. O “Apanhei-te Cavaquinho” também é um desafio para o
flautista?
Ela respondeu que sim, mas que é uma
música tão bem construída que se adapta à técnica da flauta.
-Nazareth era um gênio do piano e é
muito bom tocar na flauta peças que foram escritas originalmente para esse
instrumento. - acentuou ela.
-Agora, “Gostosinho”. - anunciou o Jonas
Vieira.
Apesar de o Simon ter dito, minutos
antes, que é o “Crocante Inesquecível”, não ousou concorrer com a composição do
Jacob do Bandolim, que reinou absoluta com Andrea na flauta, Cristóvão Bastos
no piano, Bernardo Aguiar na percussão e João Lyra no violão.
A introdução, seguida de uma pergunta,
partiu, dessa vez, do Jonas Vieira.
-Temos grandes flautistas na música
popular brasileira: Joaquim Calado, Pixinguinha... Há ainda dois por quem tenho
grande admiração: Benedito Lacerda e Altamiro Carrilho... e mais o Dante
Santoro, lembro-me agora. Andrea, qual
desses que eu mencionei, tirando o Calado e o Pixinguinha, evidentemente, é o
da sua preferência?
-Ou outro flautista que você queira acrescentar.
- aditou o Sérgio Fortes.
-Eu acrescentaria o Copinha, um
estilista.
-Sim, o Copinha. - penitenciaram-se
todos pelo esquecimento.
Algum ouvinte desavisado, admirador da
dupla sertaneja Cacique & Pajé e coisas parecidas, que sintonizasse a
Roquette Pinto naquele momento, julgaria – imaginamos – que se tratasse da Copa
das Copas que, depois da derrota do Brasil por 7 a 1 pela Alemanha, se
transformou, para os brasileiros, em Copinha; não, tratava-se agora do grande
instrumentista e compositor Nicolino Copia.
-Ele era um estilista, todos os citados
são estilistas do instrumento. Eu tenho forte admiração por esse tipo de
músico.
-Copinha também era saxofonista?
-E clarinetista. - respondeu ela ao
Jonas Vieira.
-Paulinho da Viola tinha grande
admiração pelo Copinha. - assinalou o Jonas Vieira.
-Ele gravou todos os discos do Paulinho.
- ressaltou a flautista.
-Sabem que o Copinha compôs um choro
para mim?
Não, ninguém sabia que o filho da
introdutora das frequências moduladas no rádio do Brasil inspirou o compositor.
Assim, Simon Khoury contou mais um causo. Levado pelo Sebastião Tapajós, foi
visitar o Copinha, que se encontrava doente. Diferentemente da maioria das
pessoas, chegou ao enfermo alegremente e lhe disse:
-Copinha, eu só falto beijar os seus
pés, vem a Margarida Autran, elogia o seu show e você faz uma valsa para ela.
Contou ele que o Copinha riu do seu
ciúme e pegou uma música que transcreveu para o piano porque estava proibido de
tocar flauta. Era o “Choro para o Khoury”; uma surpresa geral e emocionante que
até citava a sua cidade natal, Cambuci.
Vida que segue.
-Nesse meu disco, tem uma valsa do
Copinha, “Reconciliação”...
-Vamos ouvir agora ou depois?... -
cortou o Simon Khoury.
Não se ouviu agora, pois lhe foi cobrada
a resposta que não foi dada.
-Eu respondi, cada um deles trouxe
alguma coisa para mim. Peguei coisas do Altamiro...
-Algum deles exerceu maior influência? -
interromperam-na.
-Somos influenciados todos os dias. -
escapou daqueles que exigiam que ela fosse menos política.
-Você gostaria de tocar como quem? -
insistiu o Jonas Vieira.
-Como tanta gente... Gosto da
desenvoltura do Copinha, da técnica do Altamiro e do Benedito.
Jonas Vieira foi incisivo:
-O meu favorito é o Benedito Lacerda.
-Os choros do Benedito com as músicas de
Beethoven, de Vivaldi são maravilhosos.
-E não deixou de ser ele, deixou a sua
marca. - seguiram-se as palavras da Andrea às do Simon Khoury.
Jonas Vieira voltou à sua escolha:
-Se o Altamiro estivesse vivo, diria:
“Poxa, Altamiro, me traindo!”... Mas o próprio Altamiro dizia que era
continuador do Benedito Lacerda.
E voltou-se para a convidada do
programa?
-E agora?
-”Reconciliação”.
-Nicolino Copia. Grande Copinha! -
extasiou-se o Jonas Vieira com a valsa.
Andrea citou o arranjo de Cristóvão
Bastos e mais os músicos que tocaram com ela (os mesmos do “Gostosinho), e
aludiu ao trabalho que fizeram juntos no “Pife Moderno”, dirigido pelo Carlos
Malta.
O titular do programa pediu um espaço do
tempo com um tom de voz dissonante que quebrava a descontração reinante.
-Um registro desagradável: a morte do
meu amigo e vizinho Miltinho. Doente há quatro anos de enfisema, teve uma morte
terrível como o Roberto Paiva. Eu dedicarei a ele, oportunamente, um programa.
E prosseguiu.
-Lamento não ter conseguido escrever a
biografia dele, porque sentia medo de morrer logo em seguida.
Sérgio Fortes interferiu para falar de
uma possível biografia da Fernando Montenegro e de pessoas que advogam que as
homenagens devem ser prestadas enquanto a pessoa estiver viva.
Simon Khoury se referiu a uma entrevista
que fez “espiritualmente” com a Henriette Morineau e se voltou para a
flautista.
-Andrea, a sensibilidade você tem. A técnica... Você tem um concerto para o
público, você fica preocupada?... porque é uma missão.
-Vou me preocupar até o último dia.
E Simon Khoury contou um causo
relacionado à sua pergunta.
-Paulo Autran, um monstro sagrado do
teatro, ficava irreconhecível antes de pisar o palco; parecia um franguinho, um
pintinho. Ele me olhava e não me via. “Você, um monstro sagrado do teatro, vai
estrear amanhã e está assim.” E ele me disse: “Vou usar um termo chulo: quem
tem cu tem medo.” Isso na estreia, porque a técnica ele tinha, depois do
segundo dia, vinha a emoção , e Paulo Autran arrebentava.
Nesse instante, Sérgio Fortes interveio.
-Eu acho, Simon, que isso é proporcional
à grandeza do artista. Uma vez, o meu pai foi cantar uma matinê no Teatro
Municipal que era às 5 horas, ele chegou 1 hora da tarde. Alguém falou para ele
de um barítono, cuja carreira correu paralelamente com a do meu pai, e lhe
perguntou por que, com 50 anos de carreira, chegava tão cedo, enquanto esse
barítono aparecia 10 minutos antes do espetáculo. Resposta do meu pai: “Ele não
se chama Paulo Fortes”.
-E agora? - pediu o Jonas Vieira mais
música à sua convidada.
-Eu sugiro Tom Jobim. - entrou
intempestivamente a voz do Jonas Vieira.
-Claro. Nessa faixa, que você já
escolheu, Tom Jobim homenageia dois ídolos dele, dois ícones: um compositor e
um jogador de futebol, Radamés Gnattali e Pelé.
-Vamos ouvir antes que o programa acabe.
- interrompeu-a o Simon Khoury.
-”Homenagem ao Pelé”. - anunciou o
Sérgio Fortes.
O titular do programa lamentou ter
sacrificado a “Homenagem ao Pelé” no meio da gravação, e perguntou à Andrea
onde se encontra seus discos.
-Nas melhores lojas, entre elas a
Arlequim, a Livraria da Travessa, a Livraria Folha Seca, que foi a editora do
meu livro “Moacir Santos ou os caminhos de um músico brasileiro.”
E o programa chegou ao final sem o
“demorado abraço”, porque já tinha sido dado no seu início.
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