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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4941 Data: 07 de setembro de 2014
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SABADOIDO SEM AS PASSADAS DO PEZÃO
PARTE II
-De que vocês falam tanto?
-De cinema, de Fórmula 1, dos dois ao
mesmo tempo.- respondi à Gina.
A palavra retornou ao Daniel:
-Carlão, o Alain Prost seguiu os 20% de
limite de segurança do Niki Lauda. Ele parou o carro por causa de uma chuvarada
que caía na pista.
-O Senna nem queria saber de 20%. No
filme, o James Hunt contesta esse limite de segurança do Niki Lauda que,
segundo ele, estragava a beleza do esporte. - disse o Claudio.
-E corrida de carro é esporte?- entrou a
Gina na conversa.
-O jogo de xadrez não é também... Aliás,
o João Saldanha disse: “Se o jogo de xadrez é esporte, São Jorge é turfe.” -
lembrei.
Daniel anunciou que iria tocar um pouco
de teclado. Ele, que trouxe o assunto automobilístico, levou-o consigo.
Gina, que veio com o seu tablet,
distraía-se com ele.
-Claudio, encontrei o DVD do “Amei um
bicheiro” na Saraiva do Norte Shopping.
-É uma raridade, Carlinhos. O preço devia estar nas alturas.
-Foi o que imaginei, pois encontrei o
DVD do “Êxtase”, filme de 1930, em que a futura Hedy Lamarr aparece nua e o
preço era salgado. É claro que não estou comparando uma fita com a outra.
-Ela casou com um milionário judeu,
fabricante de armas, que ordenou que todas as cópias da mulher despida fossem
recolhidas, mas algumas escaparam, até o Mussolini tinha uma consigo.
-E “Amei um bicheiro”? - não conteve a curiosidade
meu irmão.
- O ano do filme, eu não me lembro. Sei
que assistimos a ele, por volta de 1957, num Festival do Cinema Brasileiro que
houve no Cinema Cachambi, um filme por dia.
E acrescentei:
-Era o filme da segunda-feira, o de
domingo seria “Nem Sansão nem Dalila”, os outros cinco sumiram todas da minha
cabeça.
-“Amei um bicheiro” é um filme de 1952.-
interveio a Gina depois de consultar o seu tablet, demonstrando que não estava
alheia à nossa conversa.
-Quando vi que o filme custa 12 reais e
alguns centavos comprei.
-Comprou por essa lembrança? -
indagou-me a Gina.
-Foi a principal razão, também comprei
porque o Dieckmann diz que aparece o carro da mãe do Dick e do Cyl Farney nas
ladeiras de Santa Teresa, e porque o Paulo Francis, que dissolvia tudo com a
sua crítica ácida, elogiou a fita.
-Eu me lembro que o Grande Otelo morre
numa caixa de gás, onde se esconde.
-Claudio, revendo esse filme, depois de
décadas, eu só me recordava dessa cena, de tanto que ela me marcou e do apelido
dele, Sabiá.
-Há também alguma coisa com cavalo, não
há?.
-Há sim; o Cyl Farney, precisando de
dinheiro, banca as apostas no cavalo, no dia de São Jorge, enganando o chefão
dele, o José Lewgoy.
-E deu cavalo?
-Deu leão e o Cyl Farney pôde pagar a
operação da mulher.
-Carlinhos, na realidade, qualquer
pessoa que der um golpe num chefão do jogo do bicho é um futuro cadáver.
-Sempre sobressai a parte fictícia,
falávamos há pouco do “Rush”, que mostrou uma rivalidade de anos entre o Niki
Lauda e o James Hunt que não existiu, porque o austríaco era bem superior.
-E o carro da mãe dos Farney de que o
Dieckmann falou?
-Gina, eu não reconheci nem Santa Teresa
no filme.
-Nós conhecíamos o Grande Otelo pelas
chanchadas da Atlântida, mas ele era ótimo ator dramático; a morte dele
envenenado por gás é impressionante. - frisei.
-Morte que impressionou vocês dois até hoje.
- comentou a Gina com um sorriso irônico.
-Há uma cena do “Amei um bicheiro” em
que o Cyl Farney diz para Grande Otelo que iria jogar na borboleta e no macaco
para ganhar um bom dinheiro, é interrompido pelo Grande Otelo que lhe pergunta
se sonhou com ele, Cyl Farney responde que não. “Então, jogue só na borboleta”
- aconselhou.
-Carlinhos, você leu a crônica de ontem
do Paulo César Caju?
Claudio não aguardou a minha resposta
afirmativa e seguiu adiante.
-Ele escreveu que, no meio dos torcedores
racistas do Grêmio, estavam dois negros xingando o goleiro Aranha de macaco.
-Li também, Cláudio, que ele escreveu,
nesse texto, que, em 1968, os jogadores do Botafogo foram jogar em Bagé e
toparam com um cartaz na porta de um restaurante: “Proibida a entrada de
negros”.
-O Rio Grande do Sul é o estado
brasileiro onde há mais racistas. - atalhou a Gina.
-O Alceu Collares, no entanto, que
passava de moreno, foi eleito governador do Rio Grande do Sul de 1991 a 1995. -
lembrei.
-O Alceu Collares era apoiado pelo
Brizola que, na época, embranquecia qualquer candidato que apoiasse. - avaliou
o Claudio.
-No meio de uma torcida de futebol, a
pessoa perde sua individualidade e age de acordo com a massa, talvez essa moça,
que está sendo execrada, só tenha um pouco de preconceito que quase todas as
pessoas têm, inclusive os negros. - contemporizei.
-Certo, Carlinhos, mas existe diferença
entre preconceito e racismo. - interveio a Gina.
O assunto não prosperou, porque
estávamos de acordo, e eu me reportei à minha volta ao trabalho na
quinta-feira.
-Logo nesse dia, tive de fiscalizar um
terminal em Niterói. Fui almoçar depois das duas horas da tarde.
-Você que acorda tão cedo, não morreu de
fome?
Ouvi a pergunta do meu irmão e
prossegui:
-Fui, com meus dois colegas de
fiscalização, almoçar no Mercado São Pedro. Era a minha primeira vez. Lá, você
compra o peixe, sobe para o segundo andar, onde há pequenos restaurantes,
entrega o dito cujo que eles fritam, cozinham, grelham para depois servi-lo.
(*)
-Então, você almoçou às 3 horas da
tarde? - calculou a Gina.
-Na espera, eu pensava em uma entrevista
do Ariano Suassuna sobre um jantar de gente rica a que compareceu; morto de
fome, porque a comida saiu quase meia-noite, ele enchera as mãos de petiscos
para se manter de pé.
-Foi o que você fez também, Carlinhos? -
queriam saber.
-Eu queria pão, que embucha um pouco,
mas perdi para a maioria que preferiu um diminuto bolinho de bacalhau, enquanto
o cherne era grelhado.
-Ariano Suassuna, não, Ariano Suassuana,
como diz a Dilma. - lançou a Gina a sua farpa.
-E a bebida? - quis saber o Claudio.
-Depois de muitos e muitos anos, tomei
uma Caracu. Mas valeu a pena, voltaria lá de novo, mas com meia dúzia de
bananas na mochila.
-Tem sabido do Luca, Carlinhos?
-Gina, se ele não estiver jogando tênis
de mesa, está assistindo ao US Open. - respondi.
De volta para casa, passando pela
pracinha tomada por peladeiros, torcedores e crianças, reparei numa moça meio
atarantada olhando de um lado para outro.
-Cadê o Pezão? - murmurava.
Nesse sábado, o Pezão não deixaria as
marcas das suas passadas na Praça Manet, mais conhecida por Praça Mané.
(*) Deve
haver um exagero do redator do seu O BISCOITO MOLHADO. Habitualmente se
encontra peixe cozido, ou frito, ou grelhado. As três operações no mesmo peixe
não prometem bom resultado. Mas é só a opinião do Distribuidor, nada além
disso.
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