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O BISCOITO MOLHADO
Edição
4936 Data: 31 de agosto de 2014
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SABADOIDO
Claudio abriu o portão
para sair no exato momento em que eu chegava.
-Entre, Carlinhos, vou ao
Carrefour e volto rapidinho.
-Eu trouxe painço para as
suas rolinhas.
-Deixe na mesa.
-Aquela do cavalo que
substitui os ausentes do Sabadoido?
-Essa mesma.
-E deixa a porta –
indicou-a com um gesto de cabeça – apenas encostada.
-Há alguém em casa?
-O Daniel e a Gina estão
aqui.
-Esse diálogo se deu com
uma velocidade de atleta jamaicano de curta distância, indício de que tinha
pressa tanto para ir quanto para voltar.
Entrei e fui em frente,
calculando que ele já lera o jornal do dia. Ao pisar o chão da cozinha, vi que
acertara: cadernos do Globo estavam espalhados pela mesa. Mal tive tempo de
pegar um deles para ler, pois o Daniel logo apareceu.
-Oi, Carlão.
-Tudo certo?
Inusitadamente, Daniel
abordou a política.
-Você vai votar no Aécio?
-Daniel, eu quero longe
do poder os corruptos e os incompetentes que estão acoplados no PT; para isso,
eu não vejo problema algum em votar na Marina.
-Então, você esqueceu o Aécio?
-Daniel, o que me
entusiasmava muito mais do que ele era o fato do Armínio Fraga pertencer à sua
equipe. Soube, agora, que o Eduardo Gianetti, grande economista e possuidor de
uma cultura humanística enciclopédica, afirmou que não aceitaria o cargo de
ministro da Fazenda de um provável governo dela, que preferia o Armínio Fraga.
-Esse Eduardo Gianetti é
da equipe dela, então?
-Ela sabe escolher as
mentes mais ilustradas deste país. O André Lara Resende, do time do Fernando
Henrique Cardoso do Plano Real, também é um dos seus conselheiros.
-Mas a Marina era
petista, Carlão.
-Ferreira Gullar,
Fernando Gabeira, Hélio Bicudo, entre muitos outros, também eram; quando
perceberam o que o PT fazia no poder pularam fora. O jurista Hélio Bicudo, por
exemplo, fundador do PT, desfiliou-se em 2005; declarou o seu voto em Marina
Silva, em 2010, no primeiro turno, e no José Serra, no segundo.
-Um colega meu de
trabalho é fanático pelo Lula; chega a irritar.
E acrescentou:
-Todos eles são Lula;
dizem que o Fernando Henrique Cardoso ia privatizar a Casa da Moeda. Nos
Correios, também dizem que ia ser privatizado com o PSDB.
-Seus colegas não gostam
de celulares?... Eles só foram possíveis com a privatização da Telebras e
outras estatais. Não gostam de computadores?...Eles só foram possíveis, na
enorme quantidade de hoje, graças à privatização da telefonia.
-Eles acham que o PSDB
vai privatizar tudo.
-São uns desinformados. -
avaliei.
Nesse instante, a Gina
adentrou a cozinha. Depois das habituais saudações, ela me informou que o
Daniel fora sabatinado durante um bom tempo pelo IBOPE. Intuí que estava aí a
razão do repentino interesse do Daniel pela política.
-Desses nomes que
você falou, Carlinhos, eu me lembro do Armínio Fraga; diziam que era o vampiro
que vinha cuidar do banco de sangue quando aqui chegou.
-E não foram só os
petistas que disseram essa idiotice, Gina, recordo-me que, na sabatina a que
foi submetido no Senado, para ser presidente do Banco Central, o Pedro Simon
falou besteira parecida.
-O Pedro Malan não foi
também presidente do Banco Central? - perguntou-me ela.
-Sim, depois se tornaria
ministro da Fazenda do governo FHC. Ele foi o grande nome para a solução da
nossa dívida externa, que era fundamental na elaboração do Plano Real.
E voltei-me para o Daniel.
-Há credores que vendem a
sua dívida por um valor menor. A dívida é transformada em bônus e negociada. O
Brasil, com o Pedro Malan no comando, passou a comprar os bônus da nossa dívida
discretamente, se não, o valor subia. Assim, ela foi sendo paulatinamente
resgatada.
E prossegui:
-Faltou um Pedro Malan na
Argentina, ou talvez houvesse, mas faltou sustentação. Como a Cristina Kirchner
é incompetente, não fez a mesma coisa que o FHC, então, os fundos compraram os
bônus da dívida argentina e, agora, o país caiu na moratória mais uma vez.
Fazendo-se sempre de vítima, ela acusa esses fundos de abutres. O pior é que o
Brasil se une, nestes doze últimos anos, ao que há de mais rastaquera na América Latina.
-Carlinhos, você não vê
que a Cristina Kirchner, só coloca jovem bonitão para administrar a economia?
Ela lá quer saber de velho com cara de chinês como o Pedro Malan. - pilheriou
com a minha ingenuidade.
-Falando nela, o taxista
que me levou, ontem, do Norte Shopping para casa, bradou que tem o maior tesão
pela Cristina Kirchner.
-Cruzes! - arrepiou-se a
Gina, enquanto o Daniel gargalhava.
-Deve ser fetiche por
viúva, vestida de preto e com cara repuxada por plásticas em que o cirurgião
errou a mão. - alfinetou a Gina.
Eu peguei esse táxi, com
o Lopo e ele passou a esculhambar os paulistas porque eles querem pegar a água do Rio de
Janeiro. E o Lopo deu a maior corda a ele. Em dado, momento, o taxista disse
que é ótimo falar mal dos paulistas. Dos paulistas e dos argentinos – emendei.
Ele revelou, então, o seu tesão pela Cristina Kirchner.
-Tarado. - concluiu a
Gina.
-Depois, disse que o
outro sonho de consumo dele é a Rosinha Garotinho.
-Bem, nesse caso, é capaz
de o Claudio concordar com ele.
Por coincidência, meu
irmão voltava com tempo de ouvir a parte final do diálogo.
-A Rosinha é tricolor,
vale a pena. Sou até capaz de votar no Garotinho por causa dela. - disse o meu
irmão com um sorriso malicioso.
-O taxista garantiu que
até se tornaria cabo eleitoral do Garotinho, caso ele lhe oferecesse a Rosinha
por algumas horas.
-E o seu irmão? - quis
saber a Gina.
-O Lopo caía na
gargalhada, enquanto falava que a Rosinha ainda vai, mas a Cristina Kirchner de
jeito nenhum. O taxista era guloso, queria as duas.
-Ele não deve ver mulher
há muito tempo. - diagnosticou a Gina.
-Vou para o computador. -
anunciou o Daniel erguendo-se do sofá de alvenaria.
-Claudio, lembra-se
quando o Luca deixou o fusca dele na oficina do Bill e do Moacir naquele
período da Copa do Mundo de 1974?...
Como ele se mantivesse
calado, continuei:
-Nós três voltamos de
táxi, e o taxista começou a falar da tara que sentia pela Eliana Pittman. E
pior: ele narrava o que ia fazer na cama com ela.
-E o Luca?
-O Luca ria e dava corda
como o Lopo fez agora.
-Mas a Eliana Pittman, na
época, era novinha. - justificou o Claudio.
E arrematou:
-Não era eu que estava no
táxi com vocês, devia ser o Lopo. Ele é que atrai esses taxistas.
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