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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4278 Data: 21 de
setembro de 2013
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168ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
Era pule de dez, como
dizem os turfistas, que o Sarará me perguntaria sobre o metrô. E não perdi a
aposta que fiz comigo mesmo.
-Às 5h 50m da manhã,
ele está com bem mais passageiros do que agora... (olhei para o relógio), 4
horas da tarde.
-Eu só me locomovo de
carro, mais com este táxi do que o FIAT particular que tenho na garagem lá de
casa.
Eu sabia que ele é
uma espécie de centauro moderno – com quatro pneus em vez de quatro patas. Já
me contou isso em corridas passadas, podia pular essa parte. Preferia conhecer
o metrô mais por relatos do que in loco.
-Colocaram umas televisões
nos vagões para os passageiros se distraírem.
-E os passageiros
olham para elas?
-Não aqueles que se
sentam indevidamente no banco laranja, reservado aos idosos, aos deficientes
físicos, às grávidas e aos passageiros com crianças no colo, não olham, pois
sempre estão dormindo.
-É só propaganda que
exibem?
-Não. Nessas TVs
passam trechos de filme, como “Don Juan”, de 1926 e “Elefantes Voadores”, de
1929.
Esta última fita, com
o Gordo e o Magro, aparece, na verdade, com o nome original, “Flying Elephants”;
como não sei com que nome foi lançado no Brasil, preferi a tradução literal.
-Voam os elefantes
pela tela. - disse com um sorriso.
-O que se vê, em
poucos minutos, é uma cena da Idade da Pedra, em que o Magro tenta derrubar o
Gordo de uma ribanceira para ficar com a mocinha, mas vacila. Vem, então, um
bode e, com uma chifrada, arremessa o Gordo no abismo. O Magro vibra de
contentamento e corre para a mulher, os dois se sentam para namorar, mas são
derrubados, pois, na verdade, o banco era um urso que estava deitado.
-E o elefante voador?
-Deve aparecer em
alguma sequência da película.
E prossegui:
-Surge também uma
pergunta com três opções: “Quem foi o melhor jogador da Copa de 2010: Messi,
Cristiano Ronaldo ou Forlan?
-Mas isso todo dia?-
perguntou com um tom de crítica.
O que me satura é uma
musiquinha de dor de corno que é tocada nas estações do metrô. Não viram o
disco.
-É música
clássica?
-Não; alguns anos
atrás, ouvia-se boas músicas clássicas nas plataformas de metrô. De repente,
passaram a tocar apenas um trecho da Sinfonia Titan, de Mahler. Pensei, naquela
época, que tivessem roubado todos os outros CDs do metrô. Veio, em seguida, um
longo período de silêncio, e agora, eles puseram para tocar essa musiquinha
irritante.
-Rua
Modigliani. - anunciou.
A efusividade com que
o 053 me recebeu foi tamanha e eu nem tinha entrado ainda no seu táxi, que
julguei já ter viajado umas cinquenta vezes com ele. Como a minha memória
fraqueja no quesito fisionomia, concluí que não havia necessidade de eu dizer o
meu destino.
-Para onde?
-Praça Manet.
-Praça Mané?!...
Vamos lá.
Mais um que confunde
o Edouard Manet, que pintou uma mulher nua no gramado, com Manuel dos Santos, o
Mané Garrincha, que pintou o sete nos gramados.
Não pude me entregar
aos pensamentos, pois ali estava um taxista dado à interlocução.
-Depois do calorão de
segunda-feira, esfriou, meu amado.
Meu amado?.. Aquele
tratamento, inteiramente novo, para mim, me assustou. Preferi julgar que essas
palavras carinhosas são próprias de algumas regiões nordestinas, onde há muitas
pessoas... como direi?... dengosas, pessoas dengosas, que nós, do sul e sudeste do Brasil,
estranhamos. De qualquer maneira, fiquei precavido.
-Sim, a temperatura
foi atípica para o inverno. Enviaram-me um e-mail com uma foto de um pombo na
sombra do fino caule de um coqueiro.
-Só faltou a água
fresca para o pombo. - deu uma gargalhada com a própria piada.
-Pelo menos, veio uma
rajada de vento na madrugada de terça-feira que refrescou o tempo. - observei.
-Estragou a praia do
pessoal.
-Sim, estragou, mas
os dias de ir à praia são sábado e domingo. - manifestei-me apenas para não
deixá-lo falando sozinho, pois não considero que os dias úteis existem apenas
para o trabalho.
-Chega o final de
semana e chove, - gargalhou de novo.
-O Climatempo está
acertando. Uma colega minha de trabalho, dessas que se esquecem da vida nas
areias praianas, disse-me, com os olhos grudados no computador, que o
Climatempo previa uma temperatura média de 32º para a semana que vinha, a
passada, e acertou em cheio.
-Eles agora consultam
satélites, meu querido,
Bem, meu querido já é
um tratamento mais usual.
-Nessa segunda-feira
quente como não sei o quê, foi difícil dirigir. Em casa, corri para o chuveiro
e molhei a nuca por uns dez minutos, mas antes disso tudo, bebi um litro de água
gelada.
-Por aí não. - elevei
a voz ao perceber que ele desceria toda a Rua Van Gogh.
Houve tempo,
ainda, para ele dobrar à esquerda e entrar na Rua Sisley. A partir de então,
paramos de prosear sobre dias de chuva e sol e passei a orientá-lo até a frente
do meu prédio, sem deixar de dizer aquelas palavras que se fixaram na mente da
Rosa Grieco: “depois do segundo poste”.
Eu não tenho a sorte do médico Fernando Borer,
que entra em táxis em que o motorista conhece a letra de “Tereza da Praia”, do
Tom Jobim e do Billy Branco. Da Cooperativa Metrô, o único taxista do meu
conhecimento que sintoniza emissoras que tocam música popular brasileira é o
017. Mas como os nossos poucos leitores sabem sobejamente, ele é, neste
periódico, chamado de “Dedão do Arqueiro Inglês” porque seu carro foi fechado
por um colega de profissão e, ao clamar pelos seus direitos, o errado, segundo
ele, lhe fez o gesto obsceno que, segundo os estudiosos, se originou dos
exímios arqueiros medievais da Inglaterra em represália aos franceses, que lhes
cortaram os outros dedos.
Aliás, o desejo de prosear sobre música, logo
se desfez quando vi que o táxi 184, o do Vereador, me esperava. Agora, vem uma overdose de política, previ.
Tentei, porém, um estratagema para fugir desse tema constrangedor, atualmente,
no nosso país.
-O Demerval (o
Paizão) estava, agora, com o táxi dele logo atrás do seu.
-Pois é.
-Ele me disse que fez
80 anos, Ele se encontra muito bem de saúde.
-Demerval... Sim, o
Demerval... Ele começa a trabalhar agora, 4 horas da tarde; não se estressa.
-Ele me disse que já
está aposentado e que trabalha com o táxi para a cabeça funcionar, apenas isso,
que o dinheiro que ele vai fazer não tem a menor importância. Creio que o
segredo da saúde do Demerval está aí, além das três caminhadas por semana. -
tagarelei.
-Mas com essa
história de ele não se preocupar com as férias, recusou um passageiro para o
Galeão e eu tive de levá-lo na hora de entregar este carro para o meu
motorista. Outra vez, era uma passageira que pretendia ir para Copacabana,
Demerval a enviou para mim.
-Ele é uma boa
pessoa.
-Ele é sensacional. -
tonificou ainda mais a minha afirmação.
-Uma vez, ele me
disse que levou um casal para Madureira. - lembrei-me,
-É mentira dele; não
passa do Engenho de Dentro.
Assim, é o Vereador,
mesmo quando não fala em política, critica.
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