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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4277 Data: 20 de
setembro de 2013
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CARTAS DOS LEITORES
A Rosa Grieco continua lendo as minhas
obras? - Henri-Marie Beyle.
BM: Evidentemente que sim; apesar de ela já ter lido todos
os seus livros, inclusive os inacabados, aqueles que lhe provocam autênticas
jeremiadas por você não os ter finalizados, Rosa sempre relê toda a sua
criação. Recentemente, divulgou entre os conhecidos o seu “Cartuxa de Parma”,
depois de o ter lido pela décima vez.
Rosa costuma declarar que três barbudos
a tiram do sério: Freud, Verdi e Apolíneo. Desconfio que você seja o Apolíneo.
Por onde anda Rosa Grieco, sinto-me
carente das suas cartas reproduzidas no Biscoito Molhado? Manuel Maria
Barbosa du Bocage.
BM: Quando você vai me fazer uma visita, Manuel Maria, preciso
entrevistá-lo? Aliás, você até pode conceder uma entrevista numa cadeia de
televisão, em horário nobre, porque, hoje, os palavrões foram liberados.
Quanto à nossa estimada Rosa Grieco,
encontra-se firme e forte apesar de, hipertensa, só comer miojo, que contém uma
quantidade absurda de sódio. Eis o que
ele escreveu recentemente:
-”Não sabendo cozinhar causo piedade. Há
três dias não risco um fósforo para acender o fogão (café com leite, faço gelado).
A Vilma, na sexta-feira, me repassou peixe frito e, domingo, um cozido (adoro).
A Rejame me convocou sábado para um sopão de ervilha (rima rica para
maravilha). Sempre digo que não tive dinheiro nem saúde, que consegui
sobreviver com os amigos – até gelo um vizinho me dava por cima do muro, nem
geladeira eu tinha quando papá se foi.”
O papá dela, Manuel Maria, era o temível
crítico literário Agrippino Grieco, mas não fique aflito, pois seus versos são
rimados, com muitas rimas ricas e preciosas, além de bem metrificados.
O problema da Rosa é a voracidade com
que lia e lê, mesmo quando trabalhava no Itamaraty, que os mais íntimos, igual
a ela, chamam de Merré. Rosa revelou, por mais de uma vez, que no trem lotado,
indo e voltando do serviço, invejava a cauda preênsil dos macacos pois poderia
enrolá-la num daqueles balaústres ou barras e ficar com as duas mãos livros
para segurar um livro e ler.
Também conta que quando um pretendente à
sua mão enfrentou o seu pai, ele lhe sugeriu afastar-se da filha, pois ela não
fazia outra coisa que não fosse ler. Perguntará você, caro Manuel Maria, se ela
não leu livros de arte culinária. Certamente que leu o “Grande Dicionário de
Culinária”, de Alexandre Dumas, considerado por muitos a “bíblia gastronômica”;
porém, na hora de passar da teoria à
prática, ou seja, de cozinhar, nossa querida amiga se ocupou com outros
livros, talvez um deles fosse com os seus inspirados sonetos.
-Fiquei desvanecido quando soube que a
Rosa Grieco tomou conhecimento da palavra “tebaida” através de uma das minhas
obras. Gustave Flaubert.
BM: Antes de mais nada, meu caro Flaubert, como vai “Madame Bovary”,
suicidando-se de novo? Tenho acompanhado
uma minissérie num canal de televisão a cabo baseada na sua obra mais famosa,
que não esconde nada, nem mesmo a cena do fiacre, que foi censurada quando do
lançamento do seu livro. E a palavra bovarismo, originária do seu
romance mais famoso, continua em todos os dicionários: “disposição ou propensão
à evasão ou o desajuste em relação à realidade, geralmente por insatisfação ou
tédio”.
Mas a palavra da sua carta é outra,
“tebaida”, que, segundo o Caudas Aulete, significa retiro, ermo, solidão.
Quando a Rosa Grieco passou a encerrar suas cartas com as palavras “retiro-me à
tebaida”, O Biscoito Molhado acionou o seu Departamento de Pesquisas, e foi
encontrado o soneto de Olavo Bilac “Na Tebaida”. Ao saber disso, Rosa
retorquiu: a sua tebaida era casta, não tinha nada da lubricidade bilaquiana, e
esclareceu que foi apresentada à palavra através de um romance seu traduzido
para o português de Portugal.
Meu caro Gustavo, eu também aumentei meu
vocabulário, não tanto quanto a Rosa, lendo essas traduções lusas. Quase li todos
os livros de Zola em edições portuguesas e, assim, conheci, por exemplo, o vocábulo
assarapantado. O diabo é que quando o colocava no papel, poucos leitores sabiam
que eu estava espantado. Também conheci a expressão “não me chegues a mostarda
ao nariz”, que veio do idioma francês. Também tomei conhecimento da palavra
estopada (chateação), que seria usada, por coincidência, pela Rosa, ao se
referir à reação do seu pai quando era convocado pelo presidente Getúlio Vargas
para conversar sobre literatura:
-Que estopada. - bradava o bibliófilo
que preferia continuar lendo em sua casa.
Mas, dessas palavras, a que mais rendeu
para mim foi uma que pincei da biografia de Balzac por Stefan Zweig: chichisbéu
– galanteador inoportuno. “Balzac gastava como um chichisbéu.”
Como havia, no meu trabalho, uma pessoa
com essas características, apelidei-o de “chichisbéu” e, provavelmente pela
sonoridade, o apelido grudou nele. Primeiramente, chamavam-no assim, depois,
perguntavam-me o que significava “chichisbéu”.
-Como está o humor daquela que muitas
vezes visitou as minhas páginas, Rosa Grieco? - François Marie Arouet
BM: Aguçado,
bastante aguçado, caro Voltaire. Reli, certo dia, uma das suas epístolas e as
risadas provocaram um abalo sísmico no meu abdômen. Eis o que escreveu:
-... Morreu com 105 anos. Morava com meu
irmão tartaruga-ninja. Ela era gozada no 86 (na rua Aristides Caire, no Méier),
porque tinha tatuagens, o que é um galardão nas mulheres-frutas. Ela seria um
abacaxi...”
Uma
manhã, no trabalho, o telefone toca, atendo e recebo essa informação do Luca
com uma voz solene:
-Morreu o Donatelo.
Confesso que a primeira coisa que me
veio à mente foi a tartaruga ninja. Como a notícia não veio da sua netinha
Kiara, esperei prudentemente que ele desenvolvesse essa informação de impacto,
pois o defunto não poderia ser o companheiro do Leonardo, do Rafael e do
Michelangelo. Então, eu soube que fora o irmão mais velho da Rosa, o Donatelo,
que faleceu.
Senti um pouco de remorso pela
comparação, porém, ao ler esse trecho da sua irmã caçula, senti-me aliviado e,
repito, ri até não mais poder.
-Certa vez, dei 400 livros ao meu amigo
Antônio Cândido porque minha mulher reclamava do pouco espaço que ficava na
casa para as pessoas transitarem. A Rosa continua a dar livros também? Sérgio
Buarque de Holanda
BM: Sim, Sérgio; o Luca já deve ter ganhado uns 100 e eu, uns 50. Embora,
eu aniversarie em outubro, ela, com bastante antecedência, já me presenteou com
um livro de João Tordo pelo meu nascimento. Mas isso se explica pelo fato de a
Rosa Grieco ser shakespeariana: Macduff, na peça Macbeth, “foi rasgado do útero
da sua mãe antes do tempo” (from his mother womb's untimely ripp'd.”
Aqui vai meu muito obrigado a ela pelo
presente.
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