------------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4261 Data: 31 de
agosto de 2013
-------------------------------------------------------------------------
GUERRA DAS MALVINAS
O barulho foi ensurdecedor.
-A Guerra das Malvinas chegou aqui. -
alardeou numa voz trêmula a secretária do nosso chefe.
Bem, o General Figueiredo deu o apoio do
Brasil à Argentina contra a Inglaterra, mas não era caso de os ingleses nos
bombardearem, o máximo que eles fizeram, até então, contra nós, belicamente
falando, foi se apossar da Ilha Trindade que, poucos anos depois, eles
devolveriam sem a necessidade de trocas de tiro. E o apoio dado, agora, pelo
nosso governo à Argentina, além disso, fora diplomático apenas.
Passada a barulheira, que parecia
eterna, embora não tenha durado um minuto, colegas meus de trabalho, ainda
assustados, se debruçaram nas janelas do 11º andar, do nº 115 da Avenida Rio
Branco, onde se achava a nossa sala e anunciaram que viam vidraças de prédios estilhaçadas, mas que o nosso
edifício suportou o impacto.
Enquanto isso, outros ligaram o rádio em
busca de notícias que chegavam em edição extraordinária. Um supersônico
britânico, o bombardeiro Vulcan, com problemas de abastecimento de combustível,
invadiu o espaço aéreo brasileiro e dois caças F5 alçaram voo para
interceptá-lo.
Correu o boato que o Brasil reteve o
Vulcan e o deixou partir sem um míssil, que seria copiado para ser
posteriormente fabricado. Tudo é possível, até mesmo a negociação de
combustível por um artefato de ataque entre o Brasil e o Reino Unido.
No nosso serviço, o conflito já se
refletia desde a invasão das Ilhas Malvinas/Falklands pelo governo ditatorial
argentino; os pedidos dos armadores para a implementação da Sobretaxa de Risco
de Guerra para cobrir os seguro da carga e do casco dos navios subiram
exponencialmente. E o Bureau de Fretes, que tinha uma metodologia de cálculo
para tudo, pegou a que usava para a área do Oriente Médio, mudou os números e
os fretes dos navios subiram como os aviões supersônicos.
Na época, eu era um frequentador assíduo
da Corretora Caravello, da Rua da Alfândega. Almoçava em quinze minutos, saía
do restaurante, ia para lá, onde ficava até 13h 30min, quando encerrava o
pregão na Bolsa do Rio de Janeiro.
Os preços das ações caíram,
evidentemente. Eu e os demais investidores que encaravam fixamente o monitor de
vídeo com as últimas cotações, ficávamos decepcionados, outros exasperados:
-Esses ditadores alcoólatras da
Argentina exageraram na dose e se meteram logo com a Inglaterra, que enfrentou
sozinha Hitler e Stalin. Nós é que sofremos com a queda da bolsa. - vociferou
um desesperado, que apostara no mercado de opções, com o ímpeto de um jogador
de cassino e sofria com os fortes prejuízos.
-Carlos, a Argentina infringiu todas as
normas internacionais seculares ao invadir as Ilhas Falklands, que eles chamam
de Malvinas. - sussurrou-me o Coronel, o frequentador mais ligado a mim, na
Corretora, avesso à jogatina com ações.
Sim, a Argentina dera um tiro no
concerto das nações, pensei, mas apenas demonstrei minha concordância com o
parecer do Coronel, meneando a cabeça.
-E foram se meter com a Margareth
Thatcher!... - bradavam.
Nardelli, meu agente na Caravello,
confessou-me a sua preocupação com uma guerra tão pertinho de nós.
-As sobretaxas de guerras estão sendo
homologadas na SUNAMAM. - informei-lhe.
E como as minhas colegas de trabalho
(parece coisa do Sílvio Santos) reagiram ao confronto? Uma delas, moradora no
Leblon, reportou-se a uma família argentina que morava num apartamento vizinho
ao seu. Tratava-se de um casal com um filho de seis anos. Seus amiguinhos, com
a crueldade própria das crianças, zombaram da força do seu país e lhe disseram
que a Inglaterra venceria a guerra com os pés nas costas.
Para quê?... Segundo as minha colega, ele reagiu como um adulto
fanático, bradando:
-”Las Malvinas son nuestras”.
Essa mesma colega chamava carinhosamente
o seu filho indisciplinado ao extremo de “Meu Exocet”. Por que Exocet?...
Explico aos que se esqueceram dessa guerra ou nasceram depois dela. Pilotando
um avião Super Étendart, um piloto disparou mísseis Exocet, que atingiram em
cheio o poderoso navio Sheffield, que se tornaria a primeira embarcação de
guerra britânico a ser afundada depois da Segunda Guerra Mundial.
-O Exocet passou a ser tema de todas as
conversas, sempre com a lembrança de que era uma arma francesa e seu valor
cresceu exponencialmente no mercado de armas.
-Ah, se eu tivesse comprado ações do
Exocet antes de estourar essa guerra!- exclamou um viciado em subidas e
descidas das cotações de papéis, na Corretora Caravello, como se existisse uma
empresa, ainda por cima sociedade anônima, que negociasse esses mísseis na
nossa bolsa.
Numa coisa, todos estavam de acordo: a
indústria armamentista francesa acarretaria rios caudalosos de dinheiro com
essa arma letal.
Mas voltemos à SUNAMAM, o órgão que
pagava meus caraminguás mensais. Lá, apareceram logo os expertos em estratégias
e táticas de guerra. Embora, esbarrássemos em comandantes da Marinha a cada dez
passos que dávamos, esses conhecedores profundos de conflagrações bélicas eram
civis. Entre eles, destacava-se o Mário Márcio, representante do Lloyd
Brasileiro nas Conferências de fretes, que sempre aparecia na nossa sala por
causa das questões operacionais dessa empresa. Com pose de General Patton,
tramando os planos do 3º Exército nas Ardenas, ele recapitulava os
acontecimentos no teatro da guerra e
dizia qual seria o próximo passo da Grã Bretanha.
Certa vez, quando ele chagou até nós, eu
me antecipei:
-Mário Márcio, o que você leu hoje no
Jornal do Brasil, para nos contar?
-Você é mau. - acusaram-me depois que
ele saiu da nossa sala de volta para o Lloyd Brasileiro.
Todas as pessoas lúcidas sabiam o porquê
da guerra; a economia do país governado por uma junta militar apresentava os
mais catastróficos indicadores, mesmo maquiados e a solução, para fazer o povo
argentino esquecer-se das agruras
internas foi clamar pelo patriotismo – o último refúgio dos canalhas, segundo
Samuel Johnson – e invadiram as Ilhas Falklands/Malvinas.
As forças argentinas obtiveram uma ou
outra façanha, mas quando o Cruzador General Belgrano foi afundado por um
submarino nuclear, fato inédito até então, não restou mais dúvidas de que o
Reino Unido não fora até os arquipélagos austrais para brincar.
Dois meses depois, em junho de 1982,
precisamente, a Argentina reconheceu a derrota. Restou, para o povo argentino,
o consolo de a derrocada antecipar a queda da ditadura, e, no ano seguinte, 1983,
Raúl Alfonsin se elegia presidente do país.
Antes, ou seja, na Copa do Mundo de
1982, um mês após a guerra, a Argentina seria eliminada pelo Brasil pelo placar
de 3 a 1. Na ocasião, um torcedor portenho, ouvido por um jornalista
brasileiro, desabafou:
-Perdemos as Malvinas para a Inglaterra,
perdemos para o Brasil no futebol, só falta agora nós descobrirmos que Gardel
não era homem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário