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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4260 Data: 30 de
agosto de 2013
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RÁDIO MEMÓRIA COM AS ALEGRIAS DO PRESENTE
PARTE II
A “Pausa para Meditação”, na locução do
José Maurício, nos transportou para uma sala de aula de português do curso
ginasial. O trio de apresentadores fez gazeta, pois as palavras do Sérgio
Fortes e do Jonas Vieira disseram tudo:
-Um uisquezinho não vai mal.
-Nunca vi alguém morrer por beber
uísque.
Depois dos verbos de ligação, das
concordâncias com o predicado direto e dos reclames, a voz do apresentador
retornou:
-Aqui é a sua Roquette Pinto, 94.1.
Programa Rádio Memória com a ilustre participação de Fernando Borer.
O titular do programa que quase foi
ultrapassado pelo Dieckmann, no último domingo, titubeou, mas seu convidado
meteu o pé no freio.
-Não é a minha vez, é a sua.
-Soy yo?... Não falo espanhol. Vai assim
mesmo.
-Su jou. - aproveitou o Sérgio Fortes a
pronúncia do seu parceiro para o trocadilho.
Jonas Vieira, na verdade, fala mesmo é
alemão. Quem o ouviu cantarolando “Lili Marlene” sabe disso.
E ele deu início a uma pequena
introdução:
-Pixinguinha era uma mente poderosa.
Entre as suas criações está “Valsa dos Ausentes”; que é uma das coisas mais
bonitas que conheço. O arranjo dessa gravação é dele também, com a Orquestra
Sinfônica da Petrobras sob a regência de Sílvio Barbato.
-Sílvio Barbato... - lamentou o Sérgio
Fortes, no tom da sua voz, a morte tão prematura do maestro naquele fatídico
voo do Air France em 2009.
Tínhamos sintonizado a Rádio MEC, a
menos de dez dias dessa viagem, em que ele proseava com o compositor Egberto
Gismonti. Falava-lhe o compositor da fase da sua carreira em que se interessou
pela música clássica contemporânea. Que, uma vez na Europa, num concerto, o
maestro fuzilou a pianista com o olhar e esta revidou à altura. A plateia,
julgando que aquilo fazia parte da música, aplaudiu entusiasticamente, ele,
inclusive. Na verdade, revelou o Egberto Gismonti, aquilo nada tinha de
encenação moderna, era o velho ódio que quase acabou em porrada. A partir de então, ele pôs
em dúvida se era aquilo que ele gostava mesmo. Sílvio Barbato o aparteava com
comentários alegres e pertinentes.
Mas a valsa lânguida do grande
Pixinguinha convergiu toda a nossa atenção. O que Robert Schumann disse sobre
as valsas de Chopin se ajustava a essa criação do compositor brasileiro: foram
feitas para os espíritos dançarem, não os corpos.
-E então, Sergio? - perguntou logo
depois de o último compasso ternário soar.
-Sinfônico. - realçou o Sérgio mais uma
das qualidades musicais do Pixinguinha que, campo da música, tinha todas.
-Uma maravilha de quem merecia muito
mais do que um nome mencionado. - disse o Fernando Borer que, em seguida, foi
cobrado pelo apresentador do Rádio Memória a apresentar sua gravação.
-Agora, Tom Jobim numa parceria com
Billy Blanco. Gravação de 1954, quando Tom Jobim era pianista de boate.
Como o tempo urgia e rugia, Fernando
Borer não podia se alongar nesse período da vida do maior compositor brasileiro
dos últimos 50 anos, quando, além de pianista, ele se enfronhava nas composições
de Villa Lobos e Debussy e muito aprendia com Radamés Gnatalli.
-E quem vai cantar é uma dupla
inesquecível: Dick Farney e Lúcio Alves. Dick Farney é o sexto dos cinco
melhores cantores dos Estados Unidos; e Lúcio Alves faz uns arranjos vocais na
sua interpretação. Ouçam: “Teresa da Praia”.
Eis um nome que nos confunde: Teresa com
“s” ou com “z”? Mas essa confusão não foi nada, perto da indignação da esposa,
na época, do Tom Jobim: Thereza Hermanny. Por que a leviana da canção,
disputada pela dupla de cantores, que depois a rejeitariam, recebeu o nome de
Teresa? Antonio Carlos Jobim teve de
praticar malabarismos de advogado para apresentar a sua defesa: a culpa foi do
letrista Billy Blanco que se esquecera do nome da sua esposa e, quando soube,
já era tarde demais.
-Maravilha. - exclamou o Borer
satisfeito com o seu pedido.
-“No comments”. - foi a reação do Sérgio
Fortes talvez sugestionado pelo americanismo do Dick Farney.
A palavra voltou para o Jonas Vieira.
-Eu quero registrar aqui um ouvinte
assíduo do Rádio Memória: Carlos, que trabalha no condomínio “Três
Mosqueteiros”.
Fernando Borer aproveitou o gancho para
também citar um ouvinte: Fábio Sampaio. Julguei que esse trabalhasse no
condomínio “O Conde de Monte Cristo”, mas não, tratava-se de um taxista que
trouxe o doutor até a Rádio Roquette Pinto e mostrou-lhe que conhecia toda a letra de “Teresa da
Praia”.
-E agora, Sérgio? - instou-o o titular do programa.
Ele escolheu um trecho do musical de
1927 “Show Boat”, de Jerome Kern com letra de Oscar Hammerstein II. Por que
Sérgio Fortes, adepto da ópera, não escolheu a soprano Anna Moffo?... Suspeito
que temeu os trocadilhos. Da intérprete,
talvez por causa do sobrenome Patton, o mesmo do General da Segunda Grande
Guerra, o prenome me escapou. Admitiu
que julgava que encontraria poucos dados sobre ela, mas constatou seu engano.
-Ela é famosa à beça; fez filmes, teatro...
Depois de tocada a última nota de “Can't
Help Man Loving That”, Jonas Vieira exclamou:
-Que piano!
-Daqui a doze encarnações, eu vou tocar
piano assim. - declarou o Sérgio.
O clima de descontração se desfez porque
o titular do programa Rádio Memória se voltou para o Brasil da atualidade:
-Parabéns ao governo de Pernambuco. Há
passeata, em Pernambuco, tudo bem, mas mascarado não, leva cacete. Já está
sacal esse negócio de protestar com violência.
E se reportou a uma senhora cardíaca que
não pôde receber atendimento médico, porque um bando de baderneiros lhe tiraram
o direito constitucional de ir e vir.
-Quero ver esses protestos em Cuba.
-provocou.
Seu parceiro confessou que era tirano em
casa, não atendendo aos protestos da sua esposa. (*)
Encerrados os comentários da atualidade,
voltaram à alegria e à música.
-Para encerrar Pixinguinha, por hoje,
vamos a uma criação dele com Vinícius de Moraes, “Mundo Melhor”, que foi
gravada pela Elizeth Cardoso. Mas a que vamos ouvir é com a Elza Soares. O
maravilhoso arranjo sinfônico é do próprio Pixinguinha, que contrasta com a voz
da Elza Soares.
E soaram o arranjo de Pixinguinha, em
que se sobressaíram os instrumentos de sopro e a voz peculiar da Elza Soares
que, em alguns momentos, enveredava pelo “scat” de Louis Armstrong.
-”Mundo Melhor”, Pixinguinha e Vinícius
de Moraes. - repetiu o Jonas Vieira depois da audição.
E coube ao Fernando Borer o encerramento
do programa, que escolheu “Imagem”, de Luiz Eça e Aloysio de Oliveira,
enaltecendo o pianista a quem comparou com Bill Evans, com a concordância de
todos.
Houve ainda tempo para o Jonas Vieira
registrar que o bandolinista Hamílton de Holanda está levando as composições do
Pixinguinha para os músicos americanos ignorantes da sua genialidade. Caso do
mais destacado animador cultural americano, o trompetista Winton Marsalis, que
confessou a sua dificuldade em tocar o choro “Um a Zero”.
(*) Se
parceiro significa Sergio Fortes, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO confirma
a acusação e se dispõe a testemunhar em qualquer juízo, pois é avesso ao uso da
força como argumento de convencimento expresso, seja lá o que isto queira
dizer. Mas um cara com um sobrenome desses é mesmo chegado.
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