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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4275 Data: 18 de
setembro de 2013
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AMPHIBIOUS NO RÁDIO MEMÓRIA
-Aqui estamos nós às 8 horas da manhã,
precisamente. - disse o Jonas Vieira.
-Precisão cirúrgica. - acentuou o Sérgio
Fortes.
Fosse o escritor Flaubert, na sua
incansável busca pela palavra exata (Le mot Juste) e diria, por se
tratar de um programa musical: precisão metronômica.
E prosseguiu o Jonas Vieira:
-Estamos recebendo um músico por quem
nutro uma grande admiração. Ele é excepcional, um grande arranjador. Vocês vão
primeiramente ouvi-lo e, depois, dizer quem é.
Então, entrou no ar “Quem te viu quem te
vê”, do Chico Buarque de Holanda. Contam que Chico Buarque despertou inspirado,
depois de uma soneca, quando era jurado do desfile das escolas de samba de
1967, e compôs esse samba. Houve
protestos do Martinho da Vila, porque o compositor se achava nos braços de
Morfeu quando a Vila Isabel passou e não deu uma boa nota para o seu
samba-enredo; mas isso é outra história. Importa que agora, escutava-se “Quem
te viu, quem te vê” numa fantasia inteiramente nova, isto é, num arranjo novo.
Nesse arranjo sobressaía o som de um
trombone. A pergunta que vinha a todos era: quem o toca?
Jonas Vieira desfez o mistério:
-Vittor Santos. Um trombone maravilhoso
no nível dos melhores trombonistas do mundo, e são todos americanos.
E se fez ouvir a sua voz:
-Bom dia, caro Jonas, Simon Khoury,
Peter, aqui na operação de som.
Simon Khoury se encontrava também
presente?... Algo de muito especial foi reservado para este domingo. - pensei.
-Vittor, você não tem vergonha de tocar
tão bem o trombone? - indagou o titular do programa.
Depois da demonstração de modéstia do
trombonista e arranjador, Jonas Vieira apresentou mais uma vez o filho da
pioneira da Rádio FM no Brasil.
-Temos aqui, também, o Simon Khoury, uma
das minhas amizades, também a amizade mais antiga que eu tenho.
A essas palavras, Sérgio Fortes reagiu
abismado:
-Vocês são amigos?... Mas brigam o tempo
todo!?...
-Há cinquenta anos que espero a herança
que o Simon vai deixar para mim. - manifestou-se o Jonas Vieira.
-Ele quer trocar a minha inteligência
pela beleza dele. - devolveu.
Sérgio Fortes disse que entendera,
talvez pensando na proposta que Isadora Duncan fizera a Bernard Shaw de um
filho com a inteligência dele e a beleza dela, não aceito pelo escritor que
temeu um filho com a beleza dele e a inteligência dela.
E prosseguiu o titular do programa com
as apresentações:
-Também temos aqui Raphael Berendt,
violonista e compositor.
E lhe veio a primeira pergunta:
-Seu primeiro disco foi o Vittor Santos
que produziu?
-Foi, e também os arranjos. Com os
músicos no estúdio, parecia um sonho...
Nesse instante, Simon Khoury interveio:
-Ele, Raphael Berendt, compôs uma música
chamada Afoxé, depois eu vi que há certa confusão... Para mim era uma toada,
uma toada-baião. Um arranjo tão estranho... Como você concebeu a música e para
onde o Vittor a levou?
-É
como se a música tivesse passeado em marte e voltado melhorada, evoluída. - disse
o compositor.
A gravação de “Afoxé para a menina”
calou todas as vozes.
Sons instigantes emitidos por cada
instrumento chegaram aos nossos ouvidos num arranjo arrebatador (copyright para
o Dieckmann).
-Está apresentada a outra fera: Raphael
Berendt. - registrou o Jonas Vieira, que quis saber da história dessa
composição.
Seu autor satisfez a curiosidade dele e
de todos nós.
-Eu dizia que era afoxé e Vittor Santos
disse-me que não, que afoxé era um aglomerado...
-Agremiação. - corrigiu o arranjador.
E Raphael Berend continuou na sua
explicação:
-Vittor Santos me afirmou que afoxé não
pode ser confundido com o gênero musical Ijexá, que afoxé é a agremiação que
sai tocando Ijexá.
-Raphael, quem fica mais com quem: você
com ele ou ele com você?
Entendemos que o compositor e o
arranjador se completam, quando responderam ao Simon Khoury, que foi adiante na
apreciação da música:
-Não teria uma voz aí?...
O compositor esclareceu:
-Teria um vocalize, com o Vittor
dobrando a melodia, mas na hora H, na mixagem, a coisa foi para uma região
muito grave, e pedi para não botar. Mas até hoje ouço a voz, ela está lá.
-Está grudada. - disse o Jonas Vieira.
-Ficou com receio que parecesse o Dori Caymmi
- alfinetou o Simon Khoury.
-Eu queria o Dori Caymmi, mas ele anda muito
ocupado.
-Quando você começou com a música? -
indagou o Jonas Vieira.
-Pedi o meu primeiro violão com sete
anos de idade. Na adolescência, toquei guitarra, rock, essas coisas. Fui
conhecer música popular brasileira quando entrei na PUC para estudar Desenho
Industrial, em 1996, eu estava com 20 anos de idade. Escutei o disco do
Cartola, e a minha atenção foi para o violão. Que violão é esse?...
-Foi uma epifania, diria o Jonas Vieira
que, no entanto, não se manifestou.
-Era o violão do Dino fazendo aqueles
contrapontos. No dia seguinte, eu quis um violão daquele (de sete cordas).
Conheci o Dino, fui estudar com ele, durante seis meses, no Centro. Eu fui me
envolvendo com a música popular brasileira...
E lhe veio outra pergunta:
-Por que você escolheu o Vittor como
arranjador, como produtor do seu disco?
-Compareci a uma série de shows do
Moacir Santos, “Ouro Negro”. Quando vi a banda, aqueles sopros, eu disse: isto é o que eu quero fazer quando crescer.
No meio dos instrumentistas do sopro, eu vi uma cabeça. Era a do Vittor, que
era o professor de todos. E me decidi: eu tinha de chegar nele.
-Era o “capo di tutti capi”. - interveio
o Sérgio Fortes.
E Raphael Berendt falou de um amigo seu,
publicitário, que já estudava com o “capo”, ele, então, que era músico tinha a
obrigação de conhecê-lo.
-Raphael, compor choro em 2013 não é
estranho? - provocou o Simon Khoury.
-Estranho por quê? - reagiu o
compositor.
-Nem todo o mundo no Brasil é burro. -
insurgiu-se o Jonas Vieira.
Veio outra pergunta do Simon Khouri ao
compositor do CD “Amphibious”:
-Você acha que o choro é o gênero mais
difícil de se compor, de se tocar?
-Foi através do choro que cheguei à
música instrumental.
E falou em choro e em chorinho, o que
levou a pronta intervenção do Jonas Vieira.
-O choro é instrumental, o chorinho é o
choro cantado, com letra.
Grande conhecedor de música popular,
Jonas Vieira sabia que o choro instrumental é a nossa música de câmara e,
quando cantado, torna-se mais informal a ponto de ser chamado de chorinho.
Mas Simon Khoury não deixou de ser
provocativo e trauteou um “chorinho” instrumental de Hermeto Pascoal.
-“Jonas, basta me seguir, você estará
indo para o lugar certo.” - diria mais tarde o Simon Khoury.
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