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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4268 Data: 08 de
setembro de 2013
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SABADOIDO DE SETE DE SETEMBRO
-No Dia da Independência, nós
acordávamos com o barulho dos tanques de guerra passando por aqui em direção à
cidade.
-Mesmo depois de a capital mudar para
Brasília, eles passavam, Gina?
-Sim, Carlinhos; da Vila militar e
Deodoro até o Centro, a passagem era por aqui,
-Então, você assistia à Parada antes das
autoridades na Avenida Presidente Vargas. - interveio o Daniel.
-Eu preferia continuar dormindo, mas a
mamãe agitava tanto que nos levantávamos e íamos, eu e a Jura, sentar no
murinho para ver tanques e incontáveis veículos transportando soldados.
-Depois do desfile militar, o grande
acontecimento por aqui foi o desfile da escola de samba Beija-flor. Isso
aconteceu para celebrar o alargamento da Avenida Suburbana. Você lembra quando
foi?
-Carlinhos, foi logo no início dos anos
70. - respondeu-me ela.
Estávamos apenas nós três na casa, pois
o Claudio, indignado com a demora da entrega do jornal, rumou para o Carrefour.
Proseávamos sobre futebol, quando se
ouviu um baque.
-Chegou o jornal. - disse ela.
Ergui-me da cadeira, apesar dos seus
protesto, e peguei o jornal lá fora.
-Vai ler?
Como ela respondeu que agora não, voltei
a sentar e abri as páginas do Globo.
-Eu, na cadeira de leitura do Globo do
Claudio, tomando a frente dele.
-O velho só não gosta que os cadernos do
jornal estejam fora do lugar.
-Vê se não falta nada, Carlinhos. -
pediu a Gina.
Quem faltava era o meu irmão, mas não
por muito tempo, ele surgiu com uma sacola de compras e com a expressão
vitoriosa.
-Devolvendo o seu lugar... - fiz menção
de me levantar.
-Fique aí; a hora de eu ler o Globo já
passou, só de tarde, agora.
Sentou-se, então, na sua cadeira de
descascar metodicamente laranjas e chupá-las. Com a saída da mulher e filho
para o interior da casa, pôs-se a narrar a sua ida ao supermercado.
-Quem achar uma mercadoria fora da
validade, ganha o direito, no Carrefour, de ficar com uma de graça.
-Eu não sabia disso. - confessei.
-Então, no meio das garrafas de cerveja,
encontrei uma Baden Baden com o prazo de validade vencido. Levei-a a um
funcionário do Carrefour, que me pediu para esperar a garrafa de Baden Baden
que ele me daria. Disse-lhe para me dar aquela mesmo, ele falou que não podia,
que tinha de entregar um produto dentro do prazo legal. Ora, iogurte e outras
mercadorias perecíveis têm esse problema, cerveja, não; você pode beber daqui a
alguns meses que ainda está boa. A Baden Baden custa 14 reais. (*)
-Lembro-me que, numa sexta-feira, eu e
uma turma do trabalho, uns sete ou oito, entramos no Alentejano para almoçar e,
mal sentamos, o Dieckmann telefonou, de um pé-sujo, avisando que serviam Baden
Baden. Levantamo-nos e nos dirigimos para lá.
-Era um pé-sujo? - estranhou.
-Bem, não havia muita comodidade, mas se
achava lá um piano que, de noite, era tocado para os frequentadores comerem,
beberem e relaxarem, não, necessariamente, nessa ordem.
Ele voltou à sua narrativa.
-Esse funcionário do Carrefour me disse
que eles jogam no lixo, em média, 70 mil reais por mês de produtos fora do
prazo; que, antes, eles doavam, mas que não podem mais.
-Ouvi, no noticiário do rádio, hoje, por
coincidência, que várias crianças passaram mal depois de comerem alimentos com
prazos vencidos.
-Parece que foi numa escola da Bahia. -
disse ele.
E prosseguiu
-A Baden Baden que achei iria para o
lixo, disse-me o tal funcionário, enquanto me entregava uma garrafa nova, que
já guardei.
-Será que vai mesmo para a lixeira a Baden
Baden que você encontrou?...
-Ele vai beber, Carlão. - chamou-me como
o Daniel costuma fazer com uma sonora risada.
-Ele lhe disse isso?
-Claro que não, é uma suposição minha.
-Hoje é 7 de setembro e penso que o Luca
não vem. - previu a Gina de volta à cozinha.
-Por que não viria?... Ele vai
marchar?...
A garrafa gratuita de Baden Baden
melhorara muito o humor do meu irmão naquela manhã em que o Globo chegou com
horas de atraso.
-Se não for para marchar, vai para as
manifestações. - devolveu a Gina.
-Depois que o Caetano Veloso colocou a
burca dos “Black Blocs”?...
Vendo a foto do compositor no Globo,
tomei a palavra.
-O Caetano teve um apagão mental; pois
se mascarou como os “Black Blocs”, para
se mostrar favorável à não violência e ao carnaval, como se esse grupo não
fosse constituído de vândalos e como se o Brasil festejasse o carnaval 365 dias
por ano.
-Se você, que gosta do Caetano, está
esculhambando com ele, imagino o Luca, quando chegar aqui. - disse o Claudio.
-Eu já não entendia por que ele enaltecia
tanto, ultimamente, o Carlos Lamarca, compondo até música para ele.
-Eu ainda não ouvi. - aparteou-me o
Claudio.
-O Carlos Lamarca foi capitão do
exército, guerrilheiro comunista que pretendia colocar a ditadura da esquerda
no lugar da que se estabelecera aqui; Caetano, não, foi preso e exilado em
Londres porque cantava a democracia, não era ligado a grupo algum comunista.
-Creio que o Caetano viajou pouquíssimas
vezes para Cuba. E, quando para lá foi, a motivação era a curiosidade, não a
ideologia.
-O próprio Vladimir Palmeira, muito mais
engajado no confronto com a ditadura militar, declarou na televisão, que não
gostou quando os guerrilheiros o levaram para Cuba, pois o que pretendia mesmo
era ir para Paris.
-Eu vi, Carlinhos, essa entrevista dele
no Canal Câmara.
-Li artigos em que falam que a idade
está afetando a lucidez do Caetano Veloso, e o comparam ao General Pétain que,
de herói francês da Primeira Guerra Mundial, se transformou em títere do
nazismo. Mas o General Pétain era octogenário, Caetano ainda é um garoto.
-O que é isso, Carlinhos? Só nós
envelhecemos? - protestou a Gina.
-É o Luca. - disse meu irmão ao ouvir o
som do telefone.
(*) Biscoito
Peg-e-Lev, órgão de defesa da economia popular do seu O BISCOITO MOLHADO,
informa: no Mundial, a Baden Baden sai por 12 reais.
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