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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4271 Data: 12 de
setembro de 2013
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ACONTECEU NO METRÔ
Parecia uma viagem serena, mas não
existe serenidade no metrô, nem mesmo nos trens chineses que têm TVs espalhadas
pelos vagões, em que vi, certo dia, cenas do filme Don Juan, de 1926 com
legendas que diziam que John Barrymore dá 191 beijos na mulherada, com a média
de 1 “bitoca” a cada 53 segundos..
-Esse lugar não é para crianças, é para
pessoas idosas. - esbravejou uma senhora.
Olhei e vi duas crianças, de seis a oito
anos, dividindo um mesmo lugar no banco laranja. Vai aqui uma explicação para o
leitor que não utiliza o Metropolitano: banco laranja é aqueles em que as pessoas,
nele sentadas, fingem que dormem para não o ceder aos idosos, deficientes
físicos, grávidas ou passageiros com bebês no colo; quanto ao outro, o sinal
está verde para se continuar nele sem fingimentos.
E prosseguiu a mulher com uma ira de
Herodes:
-Além disso, eu estou grávida.
Entre os passageiros de pé, surgiu um
braço roliço e moreno de alguém que estava sentado na carreira oposta de bancos
e logo veio um gesto para os dois meninos se levantarem e se juntaram a um
terceiro, de pé, provavelmente irmão dos dois. Em um segundo, ou em menos tempo,
a reclamante se acomodou no espaço vago.
Não contente em conquistar o cobiçado
lugar, ela declarou em alto e bom som que vinha do trabalho, não da praia. É um
clichê, mas não podemos fugir dela: era a gota d' água.
Então, não foi só o braço roliço e moreno
que se viu, mas todo o corpo robusto de uma mulher de uns 40 anos, que trajava
uma bermuda umedecida pela água do mar.
-Os meninos pagaram a passagem. E eles
se levantaram educadamente. O que falta
a você é educação.
Não foram palavras proferidas de dedo em
riste, cara a cara. A mãe dos três pimpolhos (deduzia-se que eram seus filhos)
expressava mais indignação do que agressividade. Quanto aos guris, portavam-se
com uma quietude que todas as professoras do ensino fundamental sonham para os
seus alunos.
-Além do mais, se venho da praia, o
problema é meu. Você não tem nada a ver com isso.
A grávida ouvia calada. Dera os seus
trinados, não agradou e teve de ceder a vez a uma voz mais possante. Grávida...
Estava ela mesmo grávida?... Parecia-me, não vai aqui nenhuma maldade, que ela
já se achava na menopausa. Eu não notei a sua barriga nos poucos minutos em que
esteve ereta, porém, agora, via que carregava, junto à bolsa, um envelope do
Laboratório Sérgio Franco.
Tendo se erguido, a moça indicou seu lugar
para os petizes sentarem, e eles logo a obedeceram; um sentou no colo do outro,
enquanto o maiorzinho foi para perto deles, permanecendo de pé.
A indignada, encostada num balaústre,
repetiu algumas frases que dissera, mas em tom mais baixo, a sua raiva dava
sinal que partia para retornar em contendas futuras.
Os passageiros das proximidades ou, como
se faz atualmente no rádio, na televisão e nos jornais – no entorno –
olhavam-se uns para os outros com cócegas nas línguas para comentarem a
escaramuça, mas ninguém se arriscou naquele clima ainda quente. A uns cinco
metros de mim, um senhor e uma moça sussurravam, provavelmente sobre o caso.
Olhei, então, mais além e vislumbrei uma
mãe com o seu rebento de uns dois anos de idade, no colo. Ela se amparava num
balaústre, mas era um amparo frágil, pois um solavanco mais brusco do trem
poderia jogar os dois no chão. Passou
uma estação, Cidade Nova, outra, São Cristóvão e nenhum cristão tirou o
traseiro do banco para ceder o lugar para eles.
Meu Deus do céu, que povo é esse?
Minha mente me levou para o julgamento
dos embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal e o pessimismo tomou
conta de mim. Os embargos infringentes serão aceitos pelos juízes. Esse povo
explica a nossa elite.
Por várias vezes, olhei a cena
balançando a cabeça negativamente, maldizendo-me por não ter a ousadia de um
passageiro que, meses atrás, numa viagem de metrô, bradou: “Gente, vamos ser
solidários, há uma senhora, de pé, com uma criança no colo”.
E, como eu, todos estavam acomodados no
silêncio. Então, uma cidadã, porque estava um tanto afastada, solicitou a um
rapaz , através de um gesto, que fosse até aquela mãe sacrificada e a avisasse
que cedia seu lugar, num banco verde, a ela. E assim foi feito.
Nem tudo está perdido. - disse comigo
mesmo,
Anunciada a estação de Maria da Graça
pelo alto-falante, pouco depois de o trem sair de Triagem, a grávida se pôs de
pé e rumou para a porta de saída com uns dois minutos de antecedência, pois a
distância entre uma estação e outra é longa.
Vago o lugar, os dois meninos, sempre
silenciosos, retornaram a ele. Deduzia-se que eles queriam que a mãe voltasse a
sentar no lugar que ocuparam; ela,
porém, já inteiramente acalmada, mandou
que eles voltassem para onde estavam e permaneceu de pé. Pouco depois, uma
idosa se acomodou no lugar desocupada pela grávida.
A história não termina aqui. Descendo as
rampas da estação de Maria da Graça, a grávida mostrou uma disposição que me
impressionou. Imaginei que aquelas passadas de praticante de jogging era
devido à pressa para pegar o táxi do ponto da Rua Domingo de Magalhães. Enfim,
a mesma razão minha, embora os meus passos apressados me deixassem a uns dez
metros atrás dela. Na última rampa a ser descida, ela já abrira uns quinze
metros de dianteira. Veio, em seguida, a surpresa: ela não rumou para os carros
da Metrô Táxi, e sim para o Moto-Táxi, onde se achavam três motoqueiros com
suas respectivas motocicletas.
-Caramba, do banco das grávidas, idosos
e deficientes físicos para o banco de uma motocicleta. - disse, sem temor de
ser ouvido, pois só os alunos do CEFET se encontravam perto de mim e eles
estavam ocupados demais com a alegria.
Agora sim, esta história termina. E o
pior de tudo é que nada dela é ficção. É tudo verdade.
(*) A história é verdadeira, mas a afirmação deu ao Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO a lembrança de um dos melhores momentos da Audrey Hepburn em Charade. Depois do Cary Grant mentir em diversas oportunidades,
ele pergunta a ela se pode contar a história de sua vida; era a
oportunidade certa para enviar-lhe uma censura nas fuças, mesmo
apaixonada.
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