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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4276 Data: 19 de
setembro de 2013
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AMPHIBIOUS NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE II
Com a provocação trazida à baila pelo
Simon Khoury sobre o que é choro ou chorinho, Jonas Vieira se irritou com as
confusões feitas pelos brasileiros e exemplificou com “forró”, que nada tem a
ver com “for all”, festas dos americanos na base militar de Natal na Segunda
Grande Guerra. Frisou que forró vem de forrobodó, burleta de costumes cariocas,
em três atos, de Chiquinha Gonzaga, com letra de Luiz Peixoto e Carlos
Bittencourt. Espetáculo que alcançou inacreditável sucesso desde a sua estreia
no Teatro São José, em 1912, com mil e quinhentas representações ininterruptas.
-O que é samango? - foi a pergunta do
Simon Khoury ao Raphael Berendt.
O compositor e violonista reconheceu que
a história era engraçada, porque ele e o seu amigo, cantor, sambista e
pandeirista, Pedro Miranda, se tratavam por samango, palavra que, no dicionário
deles, significa pessoa parruda, vitaminada.
E que uma noite, três horas da manhã, no computador, ele descobriu que
esse amigo samango estava on line; e como compôs um choro que ainda não
recebera um nome, batizou-o de “Samango na Madrugada”, por considerá-lo sonoro.
Bem, pelo menos a história é curiosa, haja vista o interesse do Simon Khoury.
E “Samango na Madrugada” se fez ouvir
com a singular sonoridade do Vittor Santos em que os breques tornam a música ainda mais buliçosa. Entre os
instrumentistas dessa gravação, encontrava-se o virtuoso clarinetista Cristiano
Alves, ex-integrante da orquestra Sinfônica Brasileira, tocando clarone.
Jonas Vieira enalteceu mais uma vez o CD
“Amphibious” e Simon Khoury esclareceu que o título do CD era uma homenagem ao
Maestro Moacir Santos, que criou uma composição com esse nome, encontrada na faixa 10 do mencionado CD.
-Foi através do Moacir Santos que
cheguei ao Vittor Santos e ao tipo de música orquestrada que ele concebe. -
afirmou o compositor e violonista Raphael Berendt.
Jonas Vieira exultava com o CD, sem se
desprender do seu espírito crítico com as coisas no Brasil, como se verá no
comentário que se segue:
-É um disco, senhores ouvintes, de
extraordinário valor, que não toca na nossa mídia, infelizmente. No Brasil, um CD dessa qualidade é um insulto;
pois para eles, quanto pior, melhor. Isso não acontecia na era do rádio, mas
com a era da televisão a mediocridade tomou conta.
A sinceridade que transparecia das suas
palavras criava uma grande empatia com os ouvintes do Rádio Memória.
Em seguida, voltou-se para o compositor:
-Raphael, onde se pode adquirir essa
preciosidade?
Ele titubeou e, com isso, vieram os
risos, mas essa hesitação inicial demonstrava
a alma do artista que coloca a criação acima de tudo. Mas respondeu:
- Eu tive uma grande dificuldade de
colocar esse CD nas grandes lojas... O disco está sendo distribuído pela
“Tratore”, que acolhe muito bem os artistas independentes em São Paulo. Ele pode também ser encontrado através de sites.
Há ainda a T. Rex, uma loja da Gávea, que respeita o tipo de música que
fazemos.
-E também a “Arlequim”, no Paço
Imperial, onde se acham instrumentais excelentes. - acrescentou o Simon Khoury.
Nesse momento, Jonas Vieira anunciou a
“Pausa para Meditação”, crônica do Fernando Milfond. O tema era “Cuidado com as
palavras”, que levou o titular do programa
a afirmar que a palavra pode
fazer um estrago maior do que um tiro de canhão. Foi tão enfático, que imaginei
que o Sérgio Fortes cantaria a ária “Calúnia”, do “Barbeiro de Sevilha”, de
Rossini.
Vieram então os reclames da Rádio
Roquette Pinto, não as reclamações, pois
o programa se desenvolvia otimamente.
-Estamos ouvindo o violonista e
compositor Raphael Berendt, e o arranjador Vittor Santos.
Simon Khoury disse uma piada, inaudível
para mim, talvez se referisse à reapresentação do programa pelo Jonas Vieira
para atender os dorminhocos que despertaram naquele minuto e não sabiam do que
se tratava e do que perdiam.
-O Vittor está convidado a reaparecer no
Rádio Memória.
-Convidadíssimo. - corroborou o Sérgio Fortes.
-Temos agora uma valsa. - disse o Jonas
Vieira.
-”Valsa da Bailarina” - confirmou o
Raphael Berendt.
-Essa valsa tem uma história...
-Ela nunca vai saber... - disse
enigmaticamente o seu autor.
-O povo quer saber. - recorreu o Sérgio
Fortes ao bordão do outro Sérgio, o Malandro.
-Eu sofri uma desilusão amorosa e
resolvi compor uma música bonita para ela morrer de arrependimento.
Entrou no ar, em seguida, a ”Valsa da
Bailarina” com o arranjo de Vittor Santos que, assim, ajudou o amigo com todo o
seu talento a fazer a ingrata morrer de arrependimento.
Com a gravação no ar, os instrumentos
logo convergiram nossa atenção, inclusive um inesperado corne inglês.
-Victor, foi um CD preciosíssimo o que
você produziu. Quem são esses músicos? - quis saber o Sérgio Fortes, como todos
nós.
-Nessa faixa, ”Valsa da Bailarina”,
tivemos Vitor Gonçalves no piano, Rômulo Gomes no contrabaixo, Márcio Bahia na
bateria, e o corne inglês foi tocado por nada mais, nada menos, que Carlos
Prazeres. Ele é o maestro da nova geração, o substituto do Isaac Karabitchevsky.
E o arranjador do CD “Amphibious”,
Vittor Santos, voltou a falar no clarinetista Cristiano Alves, que tocara na
faixa “Samango na Madrugada”, afirmando que ele é doutor no instrumento com
curso no Canadá. Passando, em seguida,
para o trompetista Nélson Oliveira, que foi homenageado na faixa
“Nicolau na Gafieira”, e, atualmente, faz mestrado em Haia. Será, depois de Ruy
Barbosa, o segundo brasileiro a brilhar por lá.
-É bom juntar tanta gente boa assim. -
acentuou o Jonas Vieira.
E foi anunciada a próxima atração
musical: “Nicolau na Gafieira”.
-Um choro-jazz. - disse o compositor.
Três minutos depois, vieram as reações:
-Show! - exultou o Jonas Vieira.
-Sensacional! - exclamou o Sérgio
Fortes.
-Arrebatador! - diria o Dieckmann, se lá
estivesse.
-Très
chic!- diria o Dâmaso Salcede, personagem de “Os Maias”, de Eça de Queirós.
E a palavra passou para o Sérgio Fortes:
-Eu, convivendo com os músicos da
Orquestra Sinfônica Brasileira, e ouvindo um trombone tocado dessa maneira...
Isso equivale a três gols olímpicos.
Depois de concordar, Jonas Vieira foi
adiante:
-Vamos à outra faixa. Agora é Villa
Lobos: “Melodia Sentimental”.
Villa Lobos é autor das mais belas
melodias do século XX, com a Cantilena da Bachiana nº 5, o Prelúdio da Bachiana
nº 4, e outras tantas, como “Melodia Sentimental”, e aqueles músicos estiveram
à altura da responsabilidade de transmitir o seu encantamento.
Essa faixa teve a participação do
violoncelo do Hugo Pilger.- assinalou o
Raphael Berendt.
Depois, passaram a falar da faixa nº 4,
“Carnavalesca”.
-Foi a primeira música minha que mostrei
ao Vittor Santos. Tomei coragem e fui até ele.
-Obra-prima. - concordaram todos depois
de ouvi-la.
O entusiasmo do Jonas Vieira foi tanto
que ele elogiou o Simon Khoury por trazer ao Rádio Memória músicos de tal
qualidade.
-Ora por quem sois? - pilheriou mais uma
vez o Simon Khoury.
E o programa chegou ao fim com todos
lastimando que as dez faixas do CD “Amphibious” não fossem executadas, como uma
lindíssima valsa de Pixinguinha quase desconhecida.
Caro leitor, eis um CD que não pode
faltar no acervo daqueles que têm ouvidos apurados. Afinal, gosto não se
discute, se lamenta.
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