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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4262 Data: 31 de
agosto de 2013
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MOMENTOS DE IMPACTO NA SUNAMAM
2 – SUICÍDIO DO PAULO FERRAZ
O primeiro grande impacto na SUNAMAM,
por nós testemunhados, foi a Guerra das Malvinas, que foi relatada na edição
anterior do BM, o segundo, pela ordem cronológica, foi... Saberemos logo.
Passava das dez horas da manhã.
-Vergasta, que trabalha na Diretoria de
Cabotagem, subiu alguns andares e foi até a sala do Bureau de Fretes.
-Ainda não sabe, Charlie Brown (era
assim que me chamava desde um curso de inglês)?...
-Não sei de quê?
-Poxa, você trabalha com um radinho de
pilha na mesa e não ouviu...
-Só ligo para ouvir as cotações da bolsa
de valores, na Eldorado, e o pregão ainda não começou.
-O Paulo Ferraz deu um tiro no prédio
aqui perto, no Edifício Índico.
-O Paulo Ferraz!... - exclamaram todos
que se encontravam na cercania tomados pela perplexidade.
Uns sabiam que ele era o dono do
Estaleiro Mauá, outros, que era o pai do ator Buza Ferraz, que atuava em
novelas da TV Globo e da TV Manchete, e também pai do Hélio Paulo Ferraz, que
fazia incursões no que o colunista social Ibrahim Sued chamava de “Jet Set”.
Logo, um chorrilho de informações se seguiram
à manchete apregoada pelo Vergasta com um lide de jornalismo oral.
-O estaleiro dele está envolvido até o
pescoço no Escândalo SUNAMAM.
-Ele apareceu hoje, para trabalhar,
pouco depois do horário costumeiro, oito horas da manhã, sem demonstrar
desespero.
-Subiu no elevador privativo até o 5º
andar, onde fica seu escritório.
-Ele deu um tiro no peito com uma
Magnum, calibre 38.
Quando liguei o rádio, o noticiário
convergia para o drama que acometera o maior empresário brasileiro da
construção naval e, logicamente, o Escândalo SUNAMAM veio à tona.
E nesse clima pesado, recebi a minha
impressionável irmã com as duas filhas, uma de nove anos, Luciana e a outra de
quatro,Verônica, que vieram de Niterói almoçar comigo. Elas adoravam o rosbife
com batatas fritas mais refrigerante do Rick, uma lanchonete do empresário
Ricardo Amaral na Praça Monte Castelo.
-Comentaram no elevador em que eu subi
que o pai do Buza Ferraz se matou. - disse minha irmã.
-Eu vi “A Marquesa dos Anjos.” -
interveio a Luciana, referindo-se à minissérie da Rede Manchete, com a alegria
de quem desconhecia a tragédia com o pai do ator.
-Ele se matou aqui perto? - perguntou a
minha irmã com o rosto cada vez mais crispado,
-Estamos no número 115 e o suicídio foi
no 103...
-Se eu soubesse, não teria vindo.
Quando os ponteiros do relógio indicaram
11h 30min, a barriga vazia relaxou a expressão tensa da minha irmã:
-Vamos almoçar?... As meninas já estão
me apressando.
-Vamos, estou com fome também.
Descemos no elevador, por coincidência,
com o Superintendente da Sunamam, Jonas Correa Sobrinho, cuja presença
silenciou até o Barão, o ascensorista que não sabia subir nem descer sem
tagarelar. Minha irmã, notando que algo de estranho acontecia, aquietou as
filhas, que pretendiam alegrar o ambiente que se tornou claustrofóbico.
-Vai ver o corpo do Paulo Ferraz. -
disse-lhe, quando, depois de a porta do elevador se abrir, o superintendente dobrar
à direita sem mudar de calçada.
-Ele é o chefão da SUNAMAM?
Respondi afirmativamente com a cabeça.
-Ele tem culpa?... sussurrou-me.
-Não, Suzete; essas falcatruas vêm de
1975 e o Comandante Jonas veio para cá recentemente. Era o presidente do Lloyd
Brasileiro antes de vir para cá. Mesmo os superintendentes anteriores a ele já
assumiam com a ordem de não mexerem no diretor-financeiro, o Comandante
Rodolpho, porque era homem do ministro Andreazza.
-Então, o culpado é o diretor-financeiro?
-Como diz o Millor Fernandes sobre seus
desafetos: “Eu não confiaria o meu cachorrinho a ele para um passeio.” Uma
dinheirama foi desviada, muitos são os culpados, inclusive o morto.
-Esse Andreazza foi do DNER e papai
dizia que ele era uma simpatia, falava com todos, mesmo os funcionários mais
humildes e apertava todas as mãos.
-Suzete, esses são os mais perigosos.
-Na Convenção do PDS, eu torci por ele
contra o Maluf. - falou a minha irmã no seu costumeiro tom passional.
-O que os dois gastaram de dinheiro para
cabalar votos dos parlamentares... - deixei a frase interrompida para torná-la
mais enfática.
-Carlinhos, o que é cabalar? - quis
saber a Luciana, enquanto a minha irmã cortava o bife da Verônica.
-Coisas de adulto. - respondi.
-Eu sou adulta e não sei oque é. -
manifestou-se minha irmã.
-Havia recepcionistas atraentes com
pouca roupa, pró-Maluf e pró Andreazza, propagandeando os nomes dos seus
candidatos. O dinheiro do Maluf, nós sabemos que vêm da Eucatex, do estado e da
prefeitura de São Paulo, que ele é um milionário paulista. O Nélson Rodrigues
até transformou em personagem, nas suas crônicas, o milionário paulista. Agora,
o dinheiro da campanha do Mário Andreazza...
-Você acha que o suicídio do Paulo
Ferraz tem alguma coisa a ver com isso?
O silêncio foi minha resposta.
-Eu não gosto disso. - afastou a alface
para um canto do prato a Verônica.
-Eu gosto. - disse a sua irmã,
recolhendo para si a folha.
Ela não insistiu na pergunta e exclamou:
-Adorei quando o Tancredo Neves derrotou
o Maluf no Colégio Eleitoral! -
-Sabe que o Maluf, mesmo sendo do PDS,
meteu dinheiro na campanha do Tancredo Neves, na campanha para governador de
Minas Gerais em 1982, contra o Eliseu Resende?
-Por que ele fez isso se eram do mesmo
partido?
-Porque o Eliseu Resende, ex-ministro
dos Transportes, era homem do Mário Andreazza, e, caso se tornasse governador
de Minas Gerais, fortalecia ao extremo a candidatura dele à presidência da
República pelo PDS. Maluf é uma raposa no campo político.
-E o Eliseu Resende perdeu o governo de
Minas Gerais para o Tancredo Neves por muito pouco voto. - lembrou ela.
-Porque rios de dinheiro jorraram na
campanha do ex-ministro dos Transportes.
-E de onde veio esse dinheiro?
Outra pergunta da minha irmã que
respondi com o silêncio.
Bem, a presença das duas meninas exigia
uma conversa amena, sem que o infausto acontecimento daquele dia se
sobressaísse e assim foi. Conversamos sobre os passeios na Praça Manet, em Del
Castilho e as minhas imitações do temível Tutubarão nos banhos de piscininhas
na Rua Chaves Pinheiro.
Levei-as até a estação das barcas e elas
voltaram para casa, na Rua Vereador Duque Estrada, sem antes eu prometer às
minhas sobrinhas que, dali a poucas semanas, as levaria para passear no Campo
de São Bento.
No trabalho, o tema das conversas,
obviamente, não mudou. Então, um colega, que estava na janela, gritou como um
marinheiro do terra à vista.
-O rabecão chegou.
Debruçado na janela do décimo-primeiro
andar, a minha visão era privilegiada. Estranhei o tamanho daquele rabecão, que
me pareceu exagerado. O trânsito da Avenida Rio Branco parou, com as ordens dos
policiais, para que o rabecão fosse posicionado de ré diante do Edifício
Índico. Passaram alguns longos minutos,
até que o motorista acelerou levando o corpo do Paulo Ferraz.
Era uma quinta-feira, dia 7 de fevereiro
de 1985, poucos dias antes do carnaval.
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