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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3992 Data:
22 de julho de 2012
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64ª VISITA À MINHA CASA
-Mario Quintana, costumo levantar a
cabeça e vê-lo na tela do meu computador, agora, eu o vejo em carne e osso.
-Não exagere. - sorriu o poeta.
-É verdade; você está fisicamente morto
desde 1994.
-A morte é a libertação total: a morte é
quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos.
-Pois é, Mario Quintana, seus
pensamentos, tanto quanto sua poesia, povoam as telas dos computadores através
de mensagens eletrônicas.
-Alegro-me em não ter sido esquecido.
-Não foi você mesmo que escreveu...
Deixe-me ver no computador...
Ao ver-me atrapalhado com a minha
memória, interveio com a gentileza que lhe era peculiar.
-Não há necessidade, eu repito.
E repetiu:
-”Amigos, não consultem os relógios
quando um dia me for de vossas vidas... Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira – em que basta um momento de poesia para
nos dar a eternidade inteira.”
-Sim, a sua poesia o eternizou, mas
também, insisto, os seus pensamentos. Muitas vezes, dos atos mais prosaicos
você mostrava uma profundidade oculta, como nessas suas palavras...
Dessa vez, não titubeei em reproduzi-las
de cor:
“Olho em redor do bar em que escrevo
estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia
que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando
problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do
mundo.”
-É tudo poesia. - resumiu Mario
Quintana.
-Você nasceu em Alegrete, Rio Grande do
Sul, em 1906?
-Filho do farmacêutico Celso de Oliveira
Quintana e Dona Virgínia de Miranda Quintana. A minha cartilha foi o jornal
Correio do Povo, com ele meus pais me ensinaram a ler.
-E com “Le Figaro”, eles o ensinaram
francês? - brinquei.
-É verdade que o início do meu
aprendizado da língua francesa se deu com os meus pais.
-Lá, em Alegrete, você concluiu o curso
primário?
-Sim, na escola do mestre português
Antônio Cabral Beirão; e já trabalhava na farmácia da família.
-Com 13 anos de idade, em 1919, você foi
matriculado no Colégio Militar de Porto Alegre, em regime de internato?
-Sim; existia, na época, a revista Hyloea,
órgão da Sociedade Cívica e Literária dos alunos, em que publiquei os meus
primeiros esboços literários. Em 1924, deixei o Colégio Militar e me empreguei
na Editora Globo, conhecida pelos literatos de todo o Brasil.
-Quando você retornou para Alegrete?
-No ano seguinte, 1925, quando voltei a
trabalhar na farmácia. Perdi a minha mãe, pouco depois. Publiquei um conto para
um concurso do Diário de Notícias, de Porto Alegre, e me premiaram. Meu pai não
durou muito depois do falecimento da minha mãe. Álvaro Moreira, diretor da
revista “Para Todos”, do Rio de Janeiro, pediu-me um poema para publicar, e
atendi ao seu pedido.
-E os acontecimentos políticos?... Pelo
menos uma vez na vida, os gaúchos se envolvem com a política até a medula.
-Empolguei-me com a revolução liderada
por Getúlio Vargas, em 1930, alistei-me como voluntário do Sétimo Batalhão de
Caçadores de Porto Alegre e vim para o Rio de Janeiro. Em 1931, retornava ao
Rio Grande do Sul e ao jornal “O Estado do Rio Grande”.
-Em 1935, você inicia o seu trabalho de
tradutor de obras de Proust, Giovanni Papini, Voltaire, Virgínia Woolf, Guy de
Maupassant, Balzac, Beaumarchais, Somerset Maugham. Não preciso dizer que a dificuldade
maior se deu na versão de Proust do francês para a nossa língua,
-Uma frase de Proust subia, descia,
dobrava a esquina e eu não sabia onde pararia. No quinto volume de “À Procura
do Tempo Perdido” intitulado “A Prisioneira”, há uma frase que ocupa quase toda
uma página.
-Quais os volumes da obra-prima de
Proust que você traduziu?
-”No Caminho de Swann”, “À Sombra das
Raparigas em Flor”, “O Caminho de Guermantes”, “Sodoma e Gomorra”.
-Você voltou a trabalhar na Editora
Globo?
-Em 1936, sob a direção do Érico
Veríssimo.
-Monteiro Lobato, quando conheceu seus
poemas, encomendou-lhe um livro?
-Isso foi em 1939; escrevi, então,
“Espelho Mágico”.
-Como Monteiro Lobato, você também
escrevia para crianças?
-Em 1975, foi editado o meu poema
infanto-juvenil “Pé de Pilão, uma coedição do Instituto Estadual do Livro com a
Editora Garatuja, com introdução do Érico Veríssimo.
-O livro obteve uma ótima repercussão
entre a petizada que se iniciava na leitura.
-Os guris gostaram e eu me sentia bem
escrevendo para eles.
-Sei que publicou mais cinco obras
infantis: “O Batalhão das Letras”, em 1948; “Lili inventa o mundo”, em 1983;
“Nariz de Vidro”, em 1984; “O Sapo Amarelo”, em 1984; “Sapato Furado”, em 1994.
“Pé de Pilão”, que saiu pela primeira vez pela editora Vozes, era de 1968.
-Não foi Monteiro Lobato que o insuflou
a escrever para crianças?
-Não, Monteiro Lobato havia gostado de
doze quartetos meus; quando me encomendou uma obra, eu escrevi “Espelho
Mágico”. Trata-se de uma coleção de quartetos com um texto de Monteiro Lobato
na orelha do livro, quando foi publicado em 1951.
-Aqui, no Rio de Janeiro, nós chamamos
de quadrinhas, apesar de os livros escolares trazerem impressos o nome
“quartetos”.
-Também penso que quartetos se reportam
mais às músicas de Haydn, Mozart, Beethoven, Debussy,
-Como entramos no universo musical, Mario
Quintana, vale lembrar que o maestro Gil de Rocca Sales musicou, em 1993, treze
poemas seus para o Recital Canto Coral Quintanares. No ano seguinte, em 1994, o
maestro Adroaldo Cauduro também musicou poemas seus para o Coral Casa de Mario
Quintana.
-Foi um bálsamo no fim do meu caminho.
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A visita do poeta Mario Quintana
prosseguirá no próximo número, por enquanto, como bônus, reproduziremos o poema
com que Manuel Bandeira saudou o poeta
quando ele foi homenageado por seus pares na ocasião dos seus 60 anos de idade.
Meu Quintana, os teus
cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.
Quinta-essência de
cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!
Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus
cantares
Como flor de quintanares.
São cantigas sem esgares,
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus
quintanares.
São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.
São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus
quintanares.
Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.
E quer no pudor dos lares,
Quer no horror dos
lupanares,
Cheiram sempre os teus
cantares.
Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples,
invulgares,
Quintana os teus
quintanares.
Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus
cantares....
Perdão! Digo quintanares.
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